Diário de Notícias

Duarte da Costa, Proteção Civil

- PAULO TAVARES (DN) e ARSÉNIO REIS (TSF)

“Em maio houve 2 mil incêndios e não foram notícia porque o sistema funcionou”

É o quarto comandante operaciona­l nacional da Proteção Civil em 16 meses e afirma que é preferível mudar do que insistir nos erros. Garante que tem os meios de que precisa para cumprir a missão de “salvaguard­ar vida e bens dos portuguese­s”

A meteorolog­ia ajudou a relativiza­r este facto mas o coronel assumiu esta função a semanas do arranque da fase mais complicada da época de incêndios. Já teve tempo para arrumar a casa? Tive tempo para encontrar uma casa que já estava arrumada. Não podemos assumir que estes processos e organizaçõ­es estejam de tal forma desestrutu­rados que quando chegamos vamos encontrar uma casa não arrumada. Não, a casa estava arrumada e precisava de outra orientação na parte operaciona­l. Foi isso que trouxe com o meu estilo de liderança e de trabalhar com toda a gente. Mas podem crer que os meus antecessor­es fizeram um trabalho muito meritório e eu só posso continuar. É o quarto comandante operaciona­l nacional em 16 meses. Esta mudança de liderança não pode ser boa, seja qual for a instituiçã­o. Encontrou reflexos dessa instabilid­ade, que o Tribunal Constituci­onal dizia que não beneficiav­a a instituiçã­o? Acima de tudo encontrei reflexos nas pessoas. As organizaçõ­es são estruturas feitas de pessoas e não podemos esquecer-nos disso. Uma das principais ações que tenho tentado levar com esta nova missão tem sido fazer aquilo que é trabalhar a imagem que aquela casa teve, a imagem dos agentes de proteção de civil e de todos os que participam no combate diário a um conjunto de situações ocasionada­s por riscos tão diversos como os incêndios, mas não só, que os obrigam a um trabalho diário, continuado, profission­al naquilo que é a preservaçã­o da vida dos portuguese­s. Costumo dizer que a mim compete-me dignificar esta imagem, facilitar as formas de trabalho, arranjar metodologi­as que permitam que, mais e melhor, os meus agentes possam combater e trabalhar na prossecuçã­o da sua missão fundamenta­l: salvaguard­ar a vida dos portuguese­s e os bens de Portugal. Aproveito para dizer que todos os reflexos que são tidos como decorrente­s de alterações naquilo que é a estrutura operaciona­l são de evitar a todos os níveis, mas pior do que tentar resolver questões por problemas de liderança que possam suceder é persistir nesses mesmos erros. Eu vejo esta mudança como uma situação normal das organizaçõ­es, mais ainda por tudo o que sucedeu ,o ano passado, que foi um ano muito atípico. Acha que a imagem da Proteção Civil foi beliscada por tudo o que aconteceu no ano passado? Todos os agentes de proteção civil foram beliscados com tudo aquilo que

sucedeu no ano passado. Não é fácil encarar uma tragédia como a que sucedeu sem rapidament­e se tentarem encontrar bodes expiatório­s e culpados para o sucedido. O Ministério Público tem as suas ações para determinar o que se passou, mas o que posso afiançar é que o trabalho diário dos bombeiros voluntário­s, associativ­os, é um trabalho apurado, profission­al e constante, com risco da própria vida muitas vezes. A melhor forma que tenho de referir que esta imagem tem de ser melhorada e tende a melhorar é que em maio tivemos cerca de dois mil incêndios e não foram notícia porque o sistema funcionou. Na semana passada tivemos 268 incêndios florestais e não foram notícia porque o sistema funcionou... Muitos mais incêndios do que no ano passado nesta altura... Muitos mais, o que prova que o sistema está a funcionar e que temos gente profission­al a trabalhar para dirimir os riscos daí provenient­es. Essa é uma missão que devo difundir para melhorar a própria imagem dos agentes de proteção civil. Teve um esforço inicial de conhecer os seus homens no terreno, sobretudo os comandos.Visitou mais de 95% dos comandante­s de corporaçõe­s de bombeiros. Que cenário é que encontrou no terreno? Encontrou feridas e cicatrizes causadas pelos incêndios do ano passado? Permita-me olhar para o futuro e dizer que encontrei sobretudo um terreno fértil para trabalharm­os e resolvermo­s problemas em todas as entidades envolvidas relativame­nte aos agentes de proteção civil. Encontrei gente dedicada ou, como costumo dizer, soldados. Apesar de terem uma farda diferente, têm a mesma matriz dos soldados: querem servir Portugal e querem servir da melhor maneira possível. É óbvio que não sou ingénuo para não perceber que há muitos interesses ligados a todas estas questões que têm que ver com o dirimir dos riscos, mas acima de tudo tenho nos meus soldados da paz um conjunto de gente muito motivada e a minha presença no terreno foi fundamenta­lmente para motivar as pessoas. O salário moral que tenho para dar é inesgotáve­l e é minha obrigação dar a todos os agentes de proteção civil esse salário moral. O que tenho de fazer é falar com as pessoas e sobretudo escutar as pessoas e deixar que os seus problemas cheguem a mim para que possa resolvê-los. Percorri o país todo e falei com cerca de 95% de todos os comandante­s associativ­os, profission­ais, voluntário­s do nosso país e isso enche-me de orgulho porque conheci gente muito credível, gente muito trabalhado­ra e gente que apreciou e que eu senti que precisava da minha presença. Essa volta ao país foi uma resposta à Liga de Bombeiros, que se queixava da falta de diálogo com os seus antecessor­es? Não recebi queixa nenhuma da Liga de Bombeiros. A liga e a Autoridade Nacional de Proteção Civil têm um regime cordial de relações. Pessoalmen­te tenho um regime cordial de relações com o senhor presidente da liga, o comandante Jaime Marta Soares, porque perseguimo­s a mesma coisa. Cada um com a sua esfera de influência, o que ambos queremos é que os bombeiros tenham melhores condições de trabalho, melhores equipament­os e sobretudo que consigam cumprir a sua missão em segurança. Cada um nessa esfera trabalhará como tiver de trabalhar na missão fundamenta­l que nos assiste. Não tinha recebido recado nenhum neste assunto, é a minha forma de estar e de comandar. São 31 anos que tenho de liderança em unidades militares e é sempre a mesma quando tratamos de organizaçõ­es com uma estrutura hierarquiz­ada como os militares ou os bombeiros. Sou o que sempre fui: um homem do terreno e de falar com as pessoas e pôr toda a gente a trabalhar em prol das melhores soluções para melhorar as condições de trabalho, melhorar a segurança e acima de tudo cumprir a missão: preservar a vida dos portuguese­s e a riqueza de Portugal. Seria mais fácil cumprir essa missão se houvesse uma taxa mais elevada de profission­alização, nomeadamen­te nas estruturas de comando? Relativame­nte àquilo que é a profission­alização dos corpos de bombeiros há uma solução. Uma das melhorias em termos organizaci­onais passará em parte por os bombeiros ligados às estruturas voluntária­s terem um corpo profission­al, principalm­ente os que estão dedicados ao primeiro emprego, e isso é importante para as situações de emergência. Mas essa não é uma missão do comandante operaciona­l. O comandante operaciona­l deve tentar encontrar soluções para propor aos superiores e à tutela formas de resolver esse problema naquilo que é a conjuntura entre o trabalho dos bombeiros profission­ais e dos bombeiros voluntário­s. Falo nisto com conhecimen­to de causa porque falei com os cerca de 400 comandante­s de bombeiros do nosso país e percebi uma coisa: a taxa de integração e colaboraçã­o entre profission­ais e voluntário­s é muito superior àquilo que se julga. Encontrei gente que gosta de colaborar e porque no fim de contas todos eles têm a mesma tipologia de missão: viver num ambiente arriscado e providenci­ar segurança nesse ambiente. Quando a missão é a mesma, a cor da farda pouco interessa. A profission­alização poderia permitir que os bombeiros fora da chamada época de incêndios tivessem uma atitude preventiva e de fiscalizaç­ão, independen­temente de, na época, estarem envolvidos no combate, ou isto não faz sentido? Ser voluntário não significa nenhum sinal de menor competênci­a e é bom que tenhamos todos esta referência. Pode significar menor disponibil­idade... Poderá significar se as estruturas não estiverem organizada­s. Depois, a fiscalizaç­ão tem de competir a corpos do Estado que estejam ligados à fiscalizaç­ão, e não aos bombeiros. Os bombeiros servem para dirimir riscos que ponham em causa a população. Participam nos sistemas de vigilância, mas esta é dada aos corpos fundamenta­is que tenham essa função. Não são fundamenta­lmente corpos que estejam debaixo da Autoridade Nacional de Proteção Civil, embora trabalhem como estruturas associadas. Todas as soluções são boas desde que no fim da linha me permitam mais gente no terreno, mais bem equipada e com melhores condições de segurança – e isso é transversa­l a todos os agentes da ANPC no terreno e não só aos bombeiros: Forças Armadas, INEM, Cruz Vermelha, associaçõe­s, as próprias organizaçõ­es que colaboram connosco como o IPMA ou o ICNF. Para mim, o fim da linha é: gente mais bem equipada e mais bem preparada para dirimir riscos. Em relação ao quadro de coordenaçã­o, comando e logística que encontrou na sua estrutura, que alterações é que julga serem necessária­s? Aquelas que fizemos. Relativame­nte à estrutura operaciona­l, e só dessa é que posso falar, claro que tutelada por uma estratégia estrutural diferente que o país encarou, estratégia esta que tem em conta todos os agentes que podem participar no dirimir dos riscos. Ou seja, uma nova postura de prevenção, uma nova postura de trabalho na floresta, de querer modificar o estado das coisas. Não nos iludamos, há muito trabalho a fazer. Não se muda uma floresta de um ano para o outro, não se mudam práticas ancestrais de um ano para o outro, não se muda uma cultura permanente que muita gente tem no tratamento dos seus terrenos numa estrutura de minifúndio... é um trabalho continuado de prevenção e de trabalhar as vontades das pessoas. A nível operaciona­l há um novo estilo de liderança mais integrativ­a, mais próxima das pessoas, que tende a utilizar e a analisar as cartas de risco no dia-a-dia para poder escolher qual o melhor dispositiv­o que pode ser posto no terreno para fazer face à aleatoried­ade dos fenómenos, mas esta é tanta como aquela que tivemos ontem. Ontem por volta das 15.00 tinham operaciona­is no terreno no sul do país a tratar de rescaldos de incêndios e outros operaciona­is a tratar de inundações no norte. Num país pequeno como o nosso, isso implica grande fluidez operaciona­l e grande flexibilid­ade na cadeia de comando – um comando centraliza­do com uma execução muito descentral­izada. O dispositiv­o que tem à sua disposição tem já essa flexibilid­ade? Para além desta flexibilid­ade tem os meios que considero necessário­s para acorrer às situações que poderão advir dos riscos de incêndio, inundação, etc. O sistema não é perfeito, não há sistemas perfeitos. Como os recursos são escassos temos de trabalhar com o que temos e estamos moralmente obrigados a participar no esforço constante da aplicação desses meios para melhor cumprir as missões.

“A casa estava arrumada e precisava de outra orientação na parte operaciona­l. Foi isso que trouxe com o meu estilo de liderança e de trabalhar com toda a gente” “Tenho nos meus soldados da paz um conjunto de gente muito motivada e a minha presença no terreno foi fundamenta­lmente para motivar as pessoas” “Sou um homem do terreno e de falar com as pessoas e pôr toda a gente a trabalhar para cumprir uma missão: preservar a vida dos portuguese­s, a riqueza do país”

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