Razões para a indústria alemã recear um brexit sem acordo
As perspetivas para a indústria automóvel pioraram drasticamente desde o referendo sobre a UE no Reino Unido. Há acontecimentos que se metem no meio. E há outros que não o conseguem fazer. A prometida reafirmação do controlo parlamentar sobre o brexit foi um destes casos. A Câmara dos Comuns rejeitou um mecanismo astucioso que poderia ter provocado uma reversão do brexit.
Depois, há a categoria de acontecimentos que conseguiu intrometer-se, mas não de uma maneira óbvia. Um exemplo seria a ameaça de Donald Trump de impor tarifas às importações de automóveis. Mas o que isso tem que ver com o brexit? A antecipação das tarifas do presidente dos Estados Unidos tem o potencial de mudar a forma como a União Europeia irá encarar a sua futura relação comercial com o Reino Unido.
Para entender isso, vamos imaginar que as conversações do brexit falhavam. O Reino Unido sairia da UE em março do ano que vem, sem nenhum acordo transitório. Os produtos britânicos que entrassem na UE estariam sujeitos às taxas da UE e vice-versa. A UE cobra um imposto de 10% sobre as importações de automóveis. O Reino Unido poderia cobrar taxas recíprocas.
Agora consideremos a posição dos fabricantes de automóveis alemães. De acordo com a associação alemã da indústria automóvel, o país exportou no ano passado 769 mil carros para o Reino Unido, o seu maior mercado de exportação. Os EUA ficaram em segundo lugar com 494 mil carros. Os fabricantes alemães também exportam 258 mil veículos alemães para a China, além dos produzidos nas fábricas dos EUA e da China.
Se o Reino Unido for forçado a entrar num brexit sem acordo em março, a indústria automobilística alemã enfrentará tarifas nos seus dois maiores mercados de exportação num período de poucos meses. A Daimler-Benz divulgou um alerta de lucro na semana passada, e isso apenas em relação ao aumento esperado nas tarifas chinesas sobre os carros Mercedes fabricados nos EUA.
Imaginemos o que pode acontecer quando os EUA cobrarem tarifas sobre carros europeus em 2019 e, possivelmente, poucos meses depois do brexit. Se o Reino Unido entrasse numa guerra tarifária, a indústria so- freria o equivalente comercial a uma paragem cardíaca.
Isso viria em cima do escândalo crescente das emissões dos motores diesel. A Mercedes pode ter de mandar recolher 774 mil carros para remover dispositivos de software fraudulentos. Se acrescentarmos a isso o impacto comercial de longo prazo das proibições dos motores diesel nas cidades, o aumento nas vendas de carros elétricos e o complexo impacto da inteligência artificial, as perspetivas para a indústria alemã pioraram dramaticamente desde o referendo do brexit.
É claro que a UE não está a negociar o brexit em benefício da indústria alemã. Nem o deveria fazer. Angela Merkel disse, após o referendo do brexit de 2016, que não quer que os patrões da indústria intervenham nessas delicadas negociações. Mas a chanceler alemã não tem o espaço político para manobra de que precisa para perseverar numa postura que poderia arriscar a perda de centenas de milhares de empregos. A última coisa de que precisa é de uma guerra comercial intraeuropeia.
A geopolítica também mudou desde o referendo do brexit. Trump representa um duplo desafio para a Alemanha e para a UE, tanto no comércio como na política externa. A sua retirada dos EUA do acordo nuclear com o Irão e do acordo climático de Paris aproximaram a UE e o Reino Unido. Entretanto, a primeira-ministra do Reino Unido, Theresa May, revelou-se uma aliada confiável para a UE. Os interesses do Reino Unido e da UE estão mais alinhados agora do que há dois anos.
Uma união aduaneira com um único mercado de acesso a produtos seria extremamente benéfico para a defesa dos interesses mútuos, mais do que qualquer um dos outros projetos de brexit que levam os nomes dos países com os quais foram negociados: Noruega, Suíça ou Canadá. Minimizaria os efeitos económicos em ambas as partes, respeitaria os compromissos assumidos na fronteira irlandesa e manteria a integridade do mercado único.
Para que uma profunda união aduaneira funcionasse, os produtos industriais continuariam sujeitos às regras do mercado interno da UE. O Reino Unido seria formalmente membro do mercado único. Dito isto, a UE está em condições de oferecer um acordo de união aduaneira sob medida, para bens, mas não para serviços, com os vários direitos e obrigações que acompanham este acordo.
Isso iria tornar o Reino Unido um Estado vassalo como alguns dos defensores do brexit estão a afirmar? Claro que não. O Reino Unido não estaria sujeito aos tratados europeus. A união aduaneira estabeleceria restrições claras mas limitadas à soberania: nenhum acordo comercial com outros países em relação a produtos industriais; aceitação das normas de produtos da UE; e um compromisso mínimo sobre liberdade de circulação, mas bem menor do que as obrigações atualmente em vigor.
Nada disso se compara com as restrições à soberania que vêm com a adesão plena à UE. E essas concessões são triviais em comparação com os custos económicos, sociais e políticos debilitantes de um brexit sem acordo.
O argumento decisivo a favor de uma união aduaneira é o de que houve acontecimentos importantes que se intrometeram desde o referendo, tanto para o Reino Unido como para a UE.
Concessões à soberania que vêm com a adesão à UE são triviais em comparação com os custos económicos, sociais e políticos debilitantes de um brexit sem acordo.