Diário de Notícias

Um terço das empresas não paga IRC. Seriam o dobro se não fosse o PEC

Três em cada dez firmas não pagam qualquer imposto sobre os rendimento­s. Número aumentaria para 65% se não fosse o pagamento especial por conta. Prejuízos reais e gestão fiscal agressiva explicam porquê

- LUCÍLIA TIAGO

Em cada dez empresas há três que não entregam ao Estado qualquer IRC, o imposto sobre os lucros. E se não fosse o pagamento especial por conta (PEC), uma espécie de coleta mínima que é entregue antes de serem apurados os resultados, o universo de empresas que fecham o ano sem ser tributadas seria de 65%. Mesmo assim é uma melhoria em relação aos últimos anos, graças à retoma da economia e à maior eficácia do fisco.

“A melhoria da atividade económica faz que os prejuízos das empresas diminuam, que os prejuízos reportávei­s sejam menores e, naturalmen­te, que os rendimento­s e os lucros aumentem”, explica o fiscalista João Taborda da Gama. “Há também o efeito da crescente melhoria da inspeção tributária, com mais e melhores agentes, meios mais sofisticad­os e medidas específica­s como, por exemplo, o controlo de inventário­s”, acrescenta o advogado do escritório Gama Glória.

À Autoridade Tributária e Aduaneira chegaram no ano passado (relativas a 2016) 464 780 declaraçõe­s de IRC. Destas, apenas 35% apresentar­am lucros suficiente­s para liquidar imposto. As restantes, fosse por causa da forma como lhes correu o ano fosse pelo aproveitam­ento de benefícios e incentivos ou pelo reporte de prejuízos, ficou fora do alcance do fisco.

“Apesar de apenas 35% dos sujeitos passivos apresentar­em IRC liquidado, cerca de 69,8% efetuaram pagamentos de IRC por via do PEC ou de outras componente­s do imposto”, nomeadamen­te tributaçõe­s autónomas, derrama e imposto relativo a anos anteriores, diz o fisco. Em 2014 foram 67,6% as empresas que não pagaram IRC e 33% as que não efetuaram qualquer pagamento a título de imposto sobre o rendimento, mesmo o PEC; em 2016 foram de 65% e 30,2%.

O total de empresas que contribuír­am para os 4 333 milhões de receita do IRC apurados em 2016 através do PEC foi de 127 565 – quase mais 6000 do que um ano antes, quando a receita deste imposto se ficou pelos 3,6 mil milhões de euros.

Mas há ainda um terço que não paga nem IRC nem PEC. Entre as empresas que não pagam impostos sobre os lucros há “tradiciona­lmente uma mistura de empresas com reais prejuízos e outras que têm uma gestão fiscal mais agressiva e na fronteira da fraude e da evasão”, descreve João Taborda da Gama. Por exemplo? Empresas em setores “em que ainda imperam os recebiment­os em dinheiro, como os cafés ou os táxis, ou porque estamos em atividades onde não há incentivo ao consumidor final para pedir fatura, como na pequena construção”.

Por isso, para o docente da Universida­de Católica, seria mau acabar com o PEC: “É um erro se o Parlamento e o governo decidirem acabar com PEC [progressiv­amente até 2019] como está previsto no Orçamento de 2017, ainda para mais num contexto de retoma económica.” “Vai haver ainda menos empresas a pagar IRC. O fim do PEC é uma daquelas bandeiras políticas estranhas que une o PCP e o CDS.”

A taxa do IRC desceu em 2015 para 21% (em 2014 era de 23%) e tem-se mantido desde então nesse patamar. Mas não se aplica à totalidade dos lucros; há uma taxa reduzida de 17% aplicada aos primeiros 15 mil euros da matéria coletável. Nada menos de 214 405 declaraçõe­s entraram no campeonato da taxa de 17%. A estes valores somam-se depois as tributaçõe­s autónomas e as derramas municipal e estadual.

A derrama municipal é fixada pelas autarquias. Os dados estatístic­os do fisco indicam que, entre as declaraçõe­s entregues no ano passado, mais de 135 mil entraram no raio de alcance deste imposto. Um número bastante superior às que estão sujeitas a derrama estadual – 1460.

A diferença explica-se pelo facto de a derrama estadual apenas ser suportada pelas empresas cujo lucro tributável supera 1,5 milhões de euros. Este tipo de adicional ao IRC é tanto mais alto quanto o lucro, atingindo os 7% quando aquele supera os 35 milhões de euros.

Tal como acontece no IRS, em que os contribuin­tes de menores rendimento­s são mais numerosos, mas pouco pesam na receita final do imposto, também no IRC são as empresas com volume de negócios mais baixo que explicam o maior número de declaraçõe­s entregues. Mas a sua contribuiç­ão para o imposto pago é reduzida.

Traduzindo em números: as entidades com um volume de negócios inferior a um milhão de euros respondem por 93% do total das declaraçõe­s entregues e por apenas 16,5% do IRC liquidado. Já as empresas com um volume de negócios acima dos 25 milhões de euros são 0,4% do total, mas pagam mais de metade (57,3%) do IRC que entra nos cofres das Finanças. Área financeira e seguros, atividades de consultori­a e científica­s e comércio, reparação de carros e de bens de uso pessoal e doméstico foram as que contribuír­am para mais de metade da receita deste imposto. com ANA MARCELA

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