Diário de Notícias

Políticos empreended­ores

- JOÃO ALMEIDA MOREIRA, em São Paulo JORNALISTA

Sued Haidar, uma senhora de 56 anos, reuniu os três filhos em 2015 e comunicou- lhes que ia vender as cinco lojas de alimentaçã­o que sustentava­m a família para investir tudo num novo negócio: a criação de um partido político.

Chamou- lhe Partido da Mulher Brasileira e logo após a fundação já tinha grupo parlamenta­r mesmo sem ir a votos: benefician­do- se da janela de mercado de transferên­cias de deputados e senadores, contratou sete congressis­tas a meio da legislatur­a. Por acaso, todos homens. E um deles, o senador Hélio José, acusado de pedofilia por abusar da sobrinha.

Gilberto Kassab, que ganha a vida a criar novos partidos, por fusão ou por cisão, fundou em 2011 o Partido Social Democrátic­o. Perguntado sobre a ideologia do partido, respondeu: “É de esquerda, de direita e de centro.” E, de facto, Kassab conseguiu a proeza de ser um ministro próximo de Dilma Rousseff, com a pasta das Cidades, e logo a seguir membro atuante do executivo de Michel Temer, à frente do Ministério da Ciência e Tecnologia.

Além dos citados, foram formados nos últimos tempos o Rede Sustentabi­lidade, o Solidaried­ade, o Partido Ecológico Nacional, o Partido Republican­o da Ordem Social, só para falar em formações com representa­ção parlamenta­r às custas do mercado de transferên­cias.

Fora do Congresso, estão em embrião movimentos como o Partido Popular da Liberdade de Expressão Afro- Brasileira, o Partido de Representa­ção da Vontade Popular, o Partido Militar Brasileiro e até o Partido Nacional Corinthian­o, em homenagem ao clube de futebol.

Também alguns partidos tradiciona­is são geridos abertament­e como negócio: o Partido da República, cujo dono é o ex- presidiári­o Valdemar Costa Neto, o Partido Progressis­ta, uma empresa fundada pelo atual presidiári­o Paulo Maluf, e o imenso Movimento da Democracia Brasileira, gerido em franchisin­g por caciques regionais, estaduais e locais, parte deles na cadeia.

Com 490 mil assinatura­s pode formar- se um partido e com isso concorrer ao generoso naco de 1,7 mil milhões de reais ( cerca de 400 milhões de euros) do Fundo Partidário posto à disposição de todas as forças – como não há nenhuma cláusula de desempenho, no limite, mesmo os partidos sem um único voto conseguem arrecadar até 800 mil reais ( mais ou menos 200 mil euros).

Os pequenos partidos trocam então os segundos televisivo­s a que têm direito durante as campanhas eleitorais pela participaç­ão em coligações lideradas pelos grandes partidos que acabarão por levá- los a reboque ao Congresso Nacional e, quem sabe, ao governo.

Desse modo, o Brasil tem hoje o Parlamento mais fragmentad­o do mundo, de acordo com uma fórmula desenvolvi­da por professore­s da irlandesa Trinity University, pesquisada­s mil eleições de 132 países. São 25 partidos no Congresso do país, sucedendo que o mais votado de todos na última eleição, o PT, somava meros 13% das vagas à disposição.

Essa matemática leva a situações de ingovernab­ilidade, com o dia- a- dia parlamenta­r transforma­do em negócio permanente de troca de aprovações de projetos por cargos – ou seja, mensalões a céu aberto, talvez legais mas segurament­e imorais.

Dois pesquisado­res, um da Universida­de de Oxford e outro da Fundação Getúlio Vargas, interrogar­am os 513 deputados brasileiro­s sobre temas variados, de economia e sociedade, entre abril e setembro do ano passado. Concluíram que a justificaç­ão de que o Brasil tem imensos partidos políticos por ser grande e heterogéne­o é uma falácia: as diferenças de pensamento dos 25 partidos representa­dos, quando divididos em dois, revelam- se mínimas.

Ou seja, bastariam ao Brasil, como aos ainda maiores e talvez mais heterogéne­os Estados Unidos, dois partidos, um mais à esquerda e outro mais à direita.

Mas ninguém no Congresso está disposto a mudar o sistema ( ou mecanismo): isso significar­ia acabar com um setor de negócios gerador de ( magníficos) empregos e a amputação do espírito empreended­or de Gilberto Kassab, Sued Haidar e outros.

Com 490 mil assinatura­s pode formar- se um partido e com isso concorrer ao generoso naco de cerca de 400 milhões de euros do Fundo Partidário posto à disposição de todas as forças

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