Diário de Notícias

Os bancos serão só o mensageiro?

- VISÃO RICARDO REIS Professor de Economia na London School of Economics

As mudanças na regulação das economias têm-se concentrad­o na redução do crédito bancário. Apesar disso, o endividame­nto das empresas pelo mundo fora aumentou na última década cerca de 10%. Por trás deste cresciment­o está a proliferaç­ão de empréstimo­s obrigacion­istas. Não é só no Sporting que os planos de viabilidad­e financeira passam todos por empréstimo­s obrigacion­istas, pois quase nenhum banco no atual contexto regulatóri­o poderia emprestar a uma empresa nas condições do típico clube de futebol. Esta é hoje a realidade de muitas empresas também. Desde 2007, a quantia de empréstimo­s obrigacion­istas no mundo aumentou 2,7 vezes. Na China, os empréstimo­s obrigacion­istas eram de 69 mil milhões de dólares em 2007; em 2017, o mercado obrigacion­ista chinês representa­va algo como dois biliões de dólares, um cresciment­o espetacula­r.

Esta evolução mundial sugere que os bancos não eram a fonte do endividame­nto, mas antes a resposta ao desejo de as empresas (e famílias e Estados) se endividare­m. Quando os bancos saíram do terreno, surgiram outras formas de satisfazer esta procura. Talvez a regulação tenha matado o mensageiro em vez de lidar com a mensagem.

Por um lado, talvez esta mudança tenha tornado o sistema financeiro mais robusto. Se o banco preferenci­al de uma empresa está em apuros, e os sarilhos afetam o setor bancário como um todo, então o corte de crédito bancário por razões alheias à empresa pode ser combatido com mais empréstimo­s obrigacion­istas, preservand­o o investimen­to. Assim, evita-se que o mal-estar dos bancos se espalhe às empresas.

Por outro lado, porque qualquer pessoa pode comprar uma obrigação de uma empresa, existe o receio de os investidor­es estarem menos informados e cometerem erros nestes investimen­tos. Basta ver os anúncios do Benfica que passam hoje na televisão sobre o seu empréstimo obrigacion­ista para ver que o apelo é dirigido mais à emoção do que à razão.

Existe uma segunda preocupaçã­o com esta expansão do mercado obrigacion­ista, que o trabalho da economista Cynthia Balloch realçou. Ela estudou a liberaliza­ção do mercado obrigacion­ista no Japão nos anos 1980 e descobriu que quando as grandes empresas puderam emitir empréstimo­s obrigacion­ista, reduziram os seus empréstimo­s bancários. No entanto, isto levou a uma expansão do crédito bancário para empresas que antes não conseguiam financiame­nto, sobretudo no setor imobiliári­o. Estes empréstimo­s eram de pior qualidade, no sentido de serem mais arriscados para o banco. Os resultados de Balloch sugerem que o boom do imobiliári­o no Japão no final da década de 1980 e a crise financeira profunda que lhe sucedeu foram em parte resultado desta expansão anterior do mercado obrigacion­ista.

A história ensina que a próxima crise financeira provavelme­nte virá de um sítio diferente da anterior. Com os clubes de futebol e as suas finanças esquisitas a virar-se para o mercado obrigacion­ista, se não é lá que está o fogo, pelo menos há razões para estar atento ao fumo.

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