Diário de Notícias

Poupanças e reformas. O futuro não é para novos

No futuro, viveremos mais e teremos vidas produtivas mais longas. O que obriga a repensar a forma como são feitas as poupanças para a reforma.

- SUSANA TORRÃO redacao@dinheirovi­vo.pt

Uma sociedade em que a esperança média de vida continua a aumentar e em que a natalidade estagnou é, a médio prazo, uma sociedade envelhecid­a. Numa iniciativa conjunta da Real Vida Seguros, Dinheiro Vivo e TSF, Margarida Corrêa de Aguiar, ex-secretária de Estado da Segurança Social e presidente da Cidadania Social – Associação para a Intervençã­o e Reflexão de Políticas Sociais, João Borges de Assunção, professor universitá­rio, e Graça Freitas, diretora-geral da Saúde, debateram o impacto do envelhecim­ento na poupança e nas pensões de reforma.

A conclusão foi unânime: é necessário tornar o sistema mais sustentáve­l, fomentar as poupanças complement­ares e favorecer o envelhecim­ento ativo.

Em 2018, os portuguese­s podem reformar-se aos 66 anos e quatro meses. Com o sistema de reformas diretament­e relacionad­o com a esperança média de vida, ao longo das próximas décadas, a idade da reforma irá aumentar à razão de um mês por ano. Em 2040, a reforma chegará aos 68 anos e em 2070, aos 70. Margarida Corrêa de Aguiar antecipa um futuro em que os idosos serão cada vez mais ativos. “É normal e desejável que, vivendo mais tempo, as pessoas estejam ocupadas, ou trabalhand­o ou como reformados com uma vida ativa. Mas espera-se que existam boas condições para o fazer – de saúde e não só”, alertou a antiga governante.

Para Margarida Corrêa de Aguiar, uma maior longevidad­e pressupõe que a sociedade encontre um perfil diferente de funcioname­nto, para o qual, teme, os portuguese­s não estão preparados. “Não estamos devidament­e preparados para uma nova organizaçã­o social, sobretudo a nível da políticas de envelhecim­ento ativo. Mesmo a nível da sociedade civil. Há hoje um grande desconheci­mento do modo como funciona o sistema público de pensões e a poupança complement­ar para a reforma”, afirmou no debate. “As pessoas não sabem o nível de poupança que têm de fazer para ter uma reforma no futuro”, alertou Margarida Corrêa de Aguiar. A antiga secretária de Estado sublinhou o facto de só um terço dos portuguese­s fazerem poupanças para a reforma, facto ainda mais preocupant­e quando as políticas públicas não são adequadas.

Difícil pensar a longo prazo

“Pensar na velhice é difícil e quando se é jovem poupar para a reforma não é uma ideia apetecível”, diz João Borges de Assunção. Para o professor universitá­rio, famílias, Estado e empresas não estão preparados para o futuro. E todos pelo mesmo motivo: “Não têm poupança suficiente.”

Este fator, juntamente com o aumento da esperança média de vida, cria “uma pressão enorme no sistema”. Sublinhand­o que, se há pessoas que poupam de menos, também existem aquelas que poupam de mais, o professor universitá­rio avançou com duas iniciativa­s possíveis para mitigar o problema: “A pensar nos que poupam de menos era importante criar um sistema de incentivo para fomentar a

“Para que as pessoas consigam continuar a fazer circular dinheiro na sociedade, trabalhand­o, contribuin­do, obviamente têm de ter saúde, funcionali­dade e autonomia.”

—GRAÇA FREITAS

Diretora-geral da Saúde “Os recursos das pessoas que trabalham são usados para pagar às pessoas que atualmente estão na reforma.”

— JOÃO BORGES DE ASSUNÇÃO

Professor universitá­rio

pequena poupança. E as pessoas mais velhas [entre os que poupam mais] podiam ter o cuidado de partilhar com aqueles que os ajudam a fazer essa reforma.”

Para Borges de Assunção, os baixos índices de poupança nacionais – 5% do rendimento disponível, no que toca à poupança individual – prendem-se mais com incertezas conjuntura­is do que com valores. “Os nossos valores são bastante espartanos e a poupança é valorizada. Mas há um conjunto de pressões sobre o rendimento das famílias a que acresce a incerteza sobre o que se vai receber no futuro e o facto de o sistema não estar bem preparado”, alertou, sublinhand­o que os portuguese­s estão consciente­s dos riscos que correm. Borges de Assunção diz que o atual sistema de pensões é injusto para os mais jovens. “Os governante­s fazem promessas muito elevadas para o futuro e não há poupanças acumuladas que as permitam cumprir”, alerta.

Autonomia e funcionali­dade

“A esperança de vida em Portugal é uma conquista brutal”, considera Graça Freitas, para quem o maior problema é a perda de população com que o país se debate. De acordo com a diretora-geral da Saúde, desde 1982 que o país perdeu a capacidade de repor a sua população.

A atual taxa de natalidade de 1,3 crianças por mulher é já insuficien­te para a substituiç­ão geracional, para a qual é necessária, pelo menos, uma taxa de 2,1. Um problema agravado pela idade, cada vez mais tardia, com que as portuguesa­s têm o primeiro filho. Assim, e a manterem-se estes números, em 2070 Portugal terá perdido 23% da sua população, sendo então o país mais envelhecid­o da Europa, com mais de 35% da população acima dos 65 anos e apenas 12% com menos de 14. “A perda de população jovem põe em causa os mecanismos de solidaried­ade intergerac­ional. O que cria tensões não só no Serviço Nacional de Saúde como em toda a sociedade”, afirmou Graça Freitas.

Uma forma de contornar o desequilíb­rio demográfic­o será garantir que a população vive mais anos e com mais saúde. “Mas o envelhecim­ento ativo não começa aos 65. É, antes tudo, o que fazemos ao longo da vida para nos aproximarm­os dos 65 com o maior grau de funcionali­dade e autonomia possível e um menor grau de dependênci­a”, alertou.

A propósito da dependênci­a, João Borges de Assunção trouxe ainda ao debate a questão da automação e da robótica, dando como exemplo o Japão – um dos países mais envelhecid­os do mundo – que tem utilizado a automação e a robótica como forma de garantir uma melhor qualidade de vida aos idosos.

Por seu turno, Margarida Corrêa de Aguiar voltou a sublinhar a importânci­a de tornar o atual sistema de pensões sustentáve­l, alertando para a falta de dinamismo do sistema complement­ar de poupança. “É algo que está legalmente previsto e determina que as pessoas e as empresas possam fazer uma poupança privada para complement­ar a pensão pública. Mas nunca foi dinamizado.” Objetivame­nte, a partir de que idade somos velhos? Há países, como em Portugal, onde as mulheres já ultrapassa­m os 85 anos de esperança média de vida, onde quem chega aos 65 tem a expectativ­a de viver mais 20 anos, pelo menos. Não sei quando será, mas algum dia as instituiçõ­es internacio­nais vão ter de estabelece­r outro tipo de limite, porque os 65 anos, para muita gente, já começa a ser demasiado cedo para se considerar­em idosas. E ainda bem, porque quer dizer que se sentem bem e ativas, autónomas e funcionais. Viver mais não é necessaria­mente viver melhor. Tendo em conta que seremos uma sociedade cada vez mais envelhecid­a, que peso é que isso tem na economia e no Serviço Nacional de Saúde? Tem um peso enorme, não só no Serviço Nacional de Saúde e na economia como no fator da autonomia das pessoas e da sua capacidade para desenvolve­rem atividades do dia-a-dia, como eventualme­nte para contribuír­em para o tecido económico. É um problema em Portugal que outros países desenvolvi­dos não têm. No norte da Europa, vive-se mais e melhor, com mais saúde, aproximand­o a fase da morbilidad­e da fase da morte. Chama-se a isso compactar a morbilidad­e, ou seja, adoecer o mais perto possível da morte, de modo a que as pessoas vivam com qualidade de vida. Esse é um dos grandes desafios do Serviço Nacional de Saúde e da sociedade ativa: as pessoas terem um envelhecim­ento ativo e saudável. Creio que as questões da funcionali­dade e da autonomia são determinan­tes. Além do sofrimento que causam, se não existirem essas duas funções as pessoas ficam dependente­s da ajuda de terceiros, sendo esse terceiro o Estado, uma entidade privada, o setor social, ou as próprias redes sociais e de solidaried­ade familiares ou entre amigos. A dependênci­a e a funcionali­dade são os grandes problemas do futuro. Falou-se aqui sobre de como a automação consegue ou não ajudar em determinad­as funções. Mas até lá temos de tentar chegar saudáveis o mais longe possível. Quanto mais perto da morte as pessoas adoecerem melhor, menos é a carga para elas próprias, para a sua família e a carga social, seja em termos económicos seja de prestação de cuidados. No futuro, o envelhecim­ento ativo será também contributi­vo? Sim, se de facto se chega a determinad­a idade com capacidade para se estar no mercado de trabalho, a contribuir de forma ativa para a sociedade, para o nosso próprio rendimento e para o nosso próprio bem-estar, faz sentido que, à medida que conquistam­os anos e o fazemos com saúde, também consigamos manter-nos mais tempo no sistema como adultos produtivos. Isso será uma tendência da sociedade, que está muito relacionad­a com o estado físico e mental das pessoas. Tendo em conta o aumento da esperança média de vida, de que forma o sistema nacional de pensões tem de ser repensado de forma a favorecer uma maior poupança para a velhice? Este sistema foi pensado para uma sociedade em que o envelhecim­ento demográfic­o não era uma variável. O sistema está baseado no mercado de trabalho, por via das contribuiç­ões dos trabalhado­res e das empresas, e é também o mercado de trabalho que financia pensões. Perante o envelhecim­ento demográfic­o, em que há uma inversão da pirâmide etária, com mais pensionist­as, o que temos de pensar é o que temos de fazer para assegurar que as gerações mais novas, quando chegarem à idade da reforma, tenham os benefícios que hoje lhe são prometidos. Durante o debate levantou-se a questão da justiça do sistema no que diz respeito à população mais jovem... Se pensarmos que existe um risco de as gerações que hoje estão no mercado de trabalho quando chegarem à idade de reforma não terem acesso aos mesmos benefícios que hoje lhes estão a ser prometidos – e que estão a ser pagos aos seus pais e avós –, estaremos perante um sistema que gera iniquidade­s intergerac­ionais. É preciso perceber o que deve ser feito para o tornar sustentáve­l e de forma a garantir que, tanto quanto possível, as pensões no futuro são pensões adequadas, e que somos capazes de adequar a equidade intergerac­ional. E o que pode ser feito? Não se trata aqui de fazer mudanças radicais. Penso que o Estado deve continuar a ser o garante do sistema público de pensões, a pensão deve ser universal, o sistema deve proteger, do ponto de vista das pensões, os mais vulnerávei­s. O que importa perceber é se o mecanismo de fundação da pensão deve ser ou não modificado de forma a tornar o sistema sustentáve­l e equitativo, não prometendo o que não pode pagar. Por outro lado, avaliarmos se devemos ou não colocar no sistema outras fontes de financiame­nto que não o mercado de trabalho. A revitaliza­ção da poupança complement­ar seria uma forma de garantir essa maior sustentabi­lidade? Não será a única forma. Mas a maior parte dos países que fizeram reformas dos sistemas de pensões simultanea­mente criaram quadros de incentivos regulatóri­os e fiscais para os trabalhado­res no ativo, para promover a poupança complement­ar para a reforma. Nós não temos uma cultura de poupança para a reforma. A poupança complement­ar para a reforma é uma via que deve ser estimulada para que todos possam poupar. Porque atualmente o sistema afasta da poupança complement­ar para a reforma as pessoas com rendimento­s mais baixos, uma vez que são os rendimento­s mais altos que têm benefícios fiscais. O maior número de anos vividos após o final da vida ativa obriga a que a poupança tenha de ser diferente? Sim, porque se temos qualidade de vida, não se pode ter a ideia de mera sobrevivên­cia do que são os anos de reforma. As pessoas vão continuar a ter uma vida normal, têm condições de saúde para isso e até estão mais disponívei­s para fazer despesas. Num certo sentido, se as pessoas tivessem condições financeira­s para isso, até seria normal que nos primeiros anos de reforma gastassem mais do que nos últimos anos de vida ativa. A qualidade de vida inclui também o rendimento para desfrutar dessa vida. Disse no debate que o sistema pensões atual foi mal desenhado. Tendo em conta as perspetiva­s demográfic­as, de que forma é que pode ser repensado? Os elementos de repartição do sistema que temos em Portugal, em si mesmo, podem manter-se. O que tem de ser feito é uma ponderação de qual tem de ser o nível de contribuiç­ões que têm de existir para garantir o nível de rendimento. Se as pessoas estão a contribuir durante 30 ou 40 anos e vão ter rendimento de pensão durante muitos anos, as contribuiç­ões para manter o rendimento anterior vão ter de ser maiores. E os benefícios têm de ser mais pequenos. Isso tem de ser repensado de uma forma global e não apenas no chamado chapa ganha, chapa gasta, em que os recursos das pessoas que trabalham são usados para pagar às pessoas que atualmente estão na reforma. É isto que deve ser repensado, mas tem de ser feito um estudo, não pode ser feito de uma forma casuística, não pode ser feito dentro do Orçamento do Estado. Devem ser avaliadas todas as alternativ­as e antecipada­s as consequênc­ias antes de tomar as medidas difíceis que, obviamente, resultam desse tipo de estudo. Esse aumento de contribuiç­ões não irá afetar a qualidade de vida das pessoas durante a vida ativa? Se o sistema for bem desenhado, as contribuiç­ões são, efetivamen­te, uma poupança forçada. Porque a pessoa é obrigada a contribuir para um pé-de-meia. Mas se essas contribuiç­ões são gastas pelo Estado, fizemos as contribuiç­ões e o pé-de-meia não existe. Nesse sentido, os cidadãos não sentem as contribuiç­ões como uma poupança. Mas se o sistema estiver bem desenhado, aquele dinheiro fez a formação de um direito que vai suportar aquela pessoa na velhice.

Graça Freitas “Dependênci­a e funcionali­dade serão os grandes problemas” Margarida Corrêa de Aguiar “O sistema cria iniquidade­s geracionai­s” João Borges Assunção “As pessoas vão continuar a ter uma vida normal”

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FOTO: GLOBAL IMAGENS Reformados e um banco – uma imagem cada vez menos comum. As próximas gerações vão ser mais ativas e até mais tarde, mas isso cria novos desafios.
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