Poupanças e reformas. O futuro não é para novos
No futuro, viveremos mais e teremos vidas produtivas mais longas. O que obriga a repensar a forma como são feitas as poupanças para a reforma.
Uma sociedade em que a esperança média de vida continua a aumentar e em que a natalidade estagnou é, a médio prazo, uma sociedade envelhecida. Numa iniciativa conjunta da Real Vida Seguros, Dinheiro Vivo e TSF, Margarida Corrêa de Aguiar, ex-secretária de Estado da Segurança Social e presidente da Cidadania Social – Associação para a Intervenção e Reflexão de Políticas Sociais, João Borges de Assunção, professor universitário, e Graça Freitas, diretora-geral da Saúde, debateram o impacto do envelhecimento na poupança e nas pensões de reforma.
A conclusão foi unânime: é necessário tornar o sistema mais sustentável, fomentar as poupanças complementares e favorecer o envelhecimento ativo.
Em 2018, os portugueses podem reformar-se aos 66 anos e quatro meses. Com o sistema de reformas diretamente relacionado com a esperança média de vida, ao longo das próximas décadas, a idade da reforma irá aumentar à razão de um mês por ano. Em 2040, a reforma chegará aos 68 anos e em 2070, aos 70. Margarida Corrêa de Aguiar antecipa um futuro em que os idosos serão cada vez mais ativos. “É normal e desejável que, vivendo mais tempo, as pessoas estejam ocupadas, ou trabalhando ou como reformados com uma vida ativa. Mas espera-se que existam boas condições para o fazer – de saúde e não só”, alertou a antiga governante.
Para Margarida Corrêa de Aguiar, uma maior longevidade pressupõe que a sociedade encontre um perfil diferente de funcionamento, para o qual, teme, os portugueses não estão preparados. “Não estamos devidamente preparados para uma nova organização social, sobretudo a nível da políticas de envelhecimento ativo. Mesmo a nível da sociedade civil. Há hoje um grande desconhecimento do modo como funciona o sistema público de pensões e a poupança complementar para a reforma”, afirmou no debate. “As pessoas não sabem o nível de poupança que têm de fazer para ter uma reforma no futuro”, alertou Margarida Corrêa de Aguiar. A antiga secretária de Estado sublinhou o facto de só um terço dos portugueses fazerem poupanças para a reforma, facto ainda mais preocupante quando as políticas públicas não são adequadas.
Difícil pensar a longo prazo
“Pensar na velhice é difícil e quando se é jovem poupar para a reforma não é uma ideia apetecível”, diz João Borges de Assunção. Para o professor universitário, famílias, Estado e empresas não estão preparados para o futuro. E todos pelo mesmo motivo: “Não têm poupança suficiente.”
Este fator, juntamente com o aumento da esperança média de vida, cria “uma pressão enorme no sistema”. Sublinhando que, se há pessoas que poupam de menos, também existem aquelas que poupam de mais, o professor universitário avançou com duas iniciativas possíveis para mitigar o problema: “A pensar nos que poupam de menos era importante criar um sistema de incentivo para fomentar a
“Para que as pessoas consigam continuar a fazer circular dinheiro na sociedade, trabalhando, contribuindo, obviamente têm de ter saúde, funcionalidade e autonomia.”
—GRAÇA FREITAS
Diretora-geral da Saúde “Os recursos das pessoas que trabalham são usados para pagar às pessoas que atualmente estão na reforma.”
— JOÃO BORGES DE ASSUNÇÃO
Professor universitário
pequena poupança. E as pessoas mais velhas [entre os que poupam mais] podiam ter o cuidado de partilhar com aqueles que os ajudam a fazer essa reforma.”
Para Borges de Assunção, os baixos índices de poupança nacionais – 5% do rendimento disponível, no que toca à poupança individual – prendem-se mais com incertezas conjunturais do que com valores. “Os nossos valores são bastante espartanos e a poupança é valorizada. Mas há um conjunto de pressões sobre o rendimento das famílias a que acresce a incerteza sobre o que se vai receber no futuro e o facto de o sistema não estar bem preparado”, alertou, sublinhando que os portugueses estão conscientes dos riscos que correm. Borges de Assunção diz que o atual sistema de pensões é injusto para os mais jovens. “Os governantes fazem promessas muito elevadas para o futuro e não há poupanças acumuladas que as permitam cumprir”, alerta.
Autonomia e funcionalidade
“A esperança de vida em Portugal é uma conquista brutal”, considera Graça Freitas, para quem o maior problema é a perda de população com que o país se debate. De acordo com a diretora-geral da Saúde, desde 1982 que o país perdeu a capacidade de repor a sua população.
A atual taxa de natalidade de 1,3 crianças por mulher é já insuficiente para a substituição geracional, para a qual é necessária, pelo menos, uma taxa de 2,1. Um problema agravado pela idade, cada vez mais tardia, com que as portuguesas têm o primeiro filho. Assim, e a manterem-se estes números, em 2070 Portugal terá perdido 23% da sua população, sendo então o país mais envelhecido da Europa, com mais de 35% da população acima dos 65 anos e apenas 12% com menos de 14. “A perda de população jovem põe em causa os mecanismos de solidariedade intergeracional. O que cria tensões não só no Serviço Nacional de Saúde como em toda a sociedade”, afirmou Graça Freitas.
Uma forma de contornar o desequilíbrio demográfico será garantir que a população vive mais anos e com mais saúde. “Mas o envelhecimento ativo não começa aos 65. É, antes tudo, o que fazemos ao longo da vida para nos aproximarmos dos 65 com o maior grau de funcionalidade e autonomia possível e um menor grau de dependência”, alertou.
A propósito da dependência, João Borges de Assunção trouxe ainda ao debate a questão da automação e da robótica, dando como exemplo o Japão – um dos países mais envelhecidos do mundo – que tem utilizado a automação e a robótica como forma de garantir uma melhor qualidade de vida aos idosos.
Por seu turno, Margarida Corrêa de Aguiar voltou a sublinhar a importância de tornar o atual sistema de pensões sustentável, alertando para a falta de dinamismo do sistema complementar de poupança. “É algo que está legalmente previsto e determina que as pessoas e as empresas possam fazer uma poupança privada para complementar a pensão pública. Mas nunca foi dinamizado.” Objetivamente, a partir de que idade somos velhos? Há países, como em Portugal, onde as mulheres já ultrapassam os 85 anos de esperança média de vida, onde quem chega aos 65 tem a expectativa de viver mais 20 anos, pelo menos. Não sei quando será, mas algum dia as instituições internacionais vão ter de estabelecer outro tipo de limite, porque os 65 anos, para muita gente, já começa a ser demasiado cedo para se considerarem idosas. E ainda bem, porque quer dizer que se sentem bem e ativas, autónomas e funcionais. Viver mais não é necessariamente viver melhor. Tendo em conta que seremos uma sociedade cada vez mais envelhecida, que peso é que isso tem na economia e no Serviço Nacional de Saúde? Tem um peso enorme, não só no Serviço Nacional de Saúde e na economia como no fator da autonomia das pessoas e da sua capacidade para desenvolverem atividades do dia-a-dia, como eventualmente para contribuírem para o tecido económico. É um problema em Portugal que outros países desenvolvidos não têm. No norte da Europa, vive-se mais e melhor, com mais saúde, aproximando a fase da morbilidade da fase da morte. Chama-se a isso compactar a morbilidade, ou seja, adoecer o mais perto possível da morte, de modo a que as pessoas vivam com qualidade de vida. Esse é um dos grandes desafios do Serviço Nacional de Saúde e da sociedade ativa: as pessoas terem um envelhecimento ativo e saudável. Creio que as questões da funcionalidade e da autonomia são determinantes. Além do sofrimento que causam, se não existirem essas duas funções as pessoas ficam dependentes da ajuda de terceiros, sendo esse terceiro o Estado, uma entidade privada, o setor social, ou as próprias redes sociais e de solidariedade familiares ou entre amigos. A dependência e a funcionalidade são os grandes problemas do futuro. Falou-se aqui sobre de como a automação consegue ou não ajudar em determinadas funções. Mas até lá temos de tentar chegar saudáveis o mais longe possível. Quanto mais perto da morte as pessoas adoecerem melhor, menos é a carga para elas próprias, para a sua família e a carga social, seja em termos económicos seja de prestação de cuidados. No futuro, o envelhecimento ativo será também contributivo? Sim, se de facto se chega a determinada idade com capacidade para se estar no mercado de trabalho, a contribuir de forma ativa para a sociedade, para o nosso próprio rendimento e para o nosso próprio bem-estar, faz sentido que, à medida que conquistamos anos e o fazemos com saúde, também consigamos manter-nos mais tempo no sistema como adultos produtivos. Isso será uma tendência da sociedade, que está muito relacionada com o estado físico e mental das pessoas. Tendo em conta o aumento da esperança média de vida, de que forma o sistema nacional de pensões tem de ser repensado de forma a favorecer uma maior poupança para a velhice? Este sistema foi pensado para uma sociedade em que o envelhecimento demográfico não era uma variável. O sistema está baseado no mercado de trabalho, por via das contribuições dos trabalhadores e das empresas, e é também o mercado de trabalho que financia pensões. Perante o envelhecimento demográfico, em que há uma inversão da pirâmide etária, com mais pensionistas, o que temos de pensar é o que temos de fazer para assegurar que as gerações mais novas, quando chegarem à idade da reforma, tenham os benefícios que hoje lhe são prometidos. Durante o debate levantou-se a questão da justiça do sistema no que diz respeito à população mais jovem... Se pensarmos que existe um risco de as gerações que hoje estão no mercado de trabalho quando chegarem à idade de reforma não terem acesso aos mesmos benefícios que hoje lhes estão a ser prometidos – e que estão a ser pagos aos seus pais e avós –, estaremos perante um sistema que gera iniquidades intergeracionais. É preciso perceber o que deve ser feito para o tornar sustentável e de forma a garantir que, tanto quanto possível, as pensões no futuro são pensões adequadas, e que somos capazes de adequar a equidade intergeracional. E o que pode ser feito? Não se trata aqui de fazer mudanças radicais. Penso que o Estado deve continuar a ser o garante do sistema público de pensões, a pensão deve ser universal, o sistema deve proteger, do ponto de vista das pensões, os mais vulneráveis. O que importa perceber é se o mecanismo de fundação da pensão deve ser ou não modificado de forma a tornar o sistema sustentável e equitativo, não prometendo o que não pode pagar. Por outro lado, avaliarmos se devemos ou não colocar no sistema outras fontes de financiamento que não o mercado de trabalho. A revitalização da poupança complementar seria uma forma de garantir essa maior sustentabilidade? Não será a única forma. Mas a maior parte dos países que fizeram reformas dos sistemas de pensões simultaneamente criaram quadros de incentivos regulatórios e fiscais para os trabalhadores no ativo, para promover a poupança complementar para a reforma. Nós não temos uma cultura de poupança para a reforma. A poupança complementar para a reforma é uma via que deve ser estimulada para que todos possam poupar. Porque atualmente o sistema afasta da poupança complementar para a reforma as pessoas com rendimentos mais baixos, uma vez que são os rendimentos mais altos que têm benefícios fiscais. O maior número de anos vividos após o final da vida ativa obriga a que a poupança tenha de ser diferente? Sim, porque se temos qualidade de vida, não se pode ter a ideia de mera sobrevivência do que são os anos de reforma. As pessoas vão continuar a ter uma vida normal, têm condições de saúde para isso e até estão mais disponíveis para fazer despesas. Num certo sentido, se as pessoas tivessem condições financeiras para isso, até seria normal que nos primeiros anos de reforma gastassem mais do que nos últimos anos de vida ativa. A qualidade de vida inclui também o rendimento para desfrutar dessa vida. Disse no debate que o sistema pensões atual foi mal desenhado. Tendo em conta as perspetivas demográficas, de que forma é que pode ser repensado? Os elementos de repartição do sistema que temos em Portugal, em si mesmo, podem manter-se. O que tem de ser feito é uma ponderação de qual tem de ser o nível de contribuições que têm de existir para garantir o nível de rendimento. Se as pessoas estão a contribuir durante 30 ou 40 anos e vão ter rendimento de pensão durante muitos anos, as contribuições para manter o rendimento anterior vão ter de ser maiores. E os benefícios têm de ser mais pequenos. Isso tem de ser repensado de uma forma global e não apenas no chamado chapa ganha, chapa gasta, em que os recursos das pessoas que trabalham são usados para pagar às pessoas que atualmente estão na reforma. É isto que deve ser repensado, mas tem de ser feito um estudo, não pode ser feito de uma forma casuística, não pode ser feito dentro do Orçamento do Estado. Devem ser avaliadas todas as alternativas e antecipadas as consequências antes de tomar as medidas difíceis que, obviamente, resultam desse tipo de estudo. Esse aumento de contribuições não irá afetar a qualidade de vida das pessoas durante a vida ativa? Se o sistema for bem desenhado, as contribuições são, efetivamente, uma poupança forçada. Porque a pessoa é obrigada a contribuir para um pé-de-meia. Mas se essas contribuições são gastas pelo Estado, fizemos as contribuições e o pé-de-meia não existe. Nesse sentido, os cidadãos não sentem as contribuições como uma poupança. Mas se o sistema estiver bem desenhado, aquele dinheiro fez a formação de um direito que vai suportar aquela pessoa na velhice.
Graça Freitas “Dependência e funcionalidade serão os grandes problemas” Margarida Corrêa de Aguiar “O sistema cria iniquidades geracionais” João Borges Assunção “As pessoas vão continuar a ter uma vida normal”