Pode alguém com medo proteger-nos do que aí vem?
Só podemos ter um Estado social à escandinava se adotarmos a liberdade económica que os escandinavos há muito adotaram para o financiar; no fundo, como aqui escrevi na semana passada, se conseguirmos executar um programa que combine liberdade económica com um Estado justo e capaz de apoiar os mais vulneráveis. Ora, esse programa é algo que a esquerda portuguesa, do PS ao Bloco, não está em condições de apresentar.
Não há verdadeira liberdade económica sem confiança nas pessoas e nas empresas, sem a profunda convicção de que o crescimento vem da iniciativa privada, do trabalho e mérito das pessoas, vem das empresas que se querem lucrativas e com possibilidades de crescimento, vem da vontade dos indivíduos de subirem na vida e vencerem as condições de nascimento, vem da possibilidade de cada um poder desafiar as empresas e negócios existentes. Claro que dito assim poucos discordarão. Nenhum partido negará, em teoria, a importância desses elementos para o progresso de um país. Sucede que na prática, como se tem visto, as coisas são bem distintas.
Quando a esquerda aposta no consumo privado e público é porque desconfia da capacidade de as empresas contribuírem decisivamente, com investimento e exportações, para o crescimento económico. Quando a esquerda não baixa o IRC porque não quer privilegiar empresas sobre pessoas é porque olha para o setor privado como agente explorador que procura o imoral lucro. Quando a esquerda recusa o conceito de liberdade de escolha dizendo que isso é um ataque aos serviços públicos é porque não confia na capacidade de cada um poder decidir o que é melhor para si para subir na vida, para dar melhores condições de vida à sua família. Quando a esquerda hesita perante novas formas de economia com medo das suas consequências é porque não vê vantagem no dinamismo da concorrência. Nada disto é teórico e tudo isto tem consequências no desempenho da nossa economia.
Não está em questão que a esquerda não procure o crescimento. O que está em causa é que o programa de desenvolvimento que defende se revela incapaz, pelas margens de crescimento que demonstra, de dar robustez ao modelo social que a maioria da população quer manter. Pelo contrário, e para agravar, esse programa denota não só falta de ambição como incapacidade de nos preparar para os desafios e riscos e oportunidades da economia global.
A falta de ambição é visível, desde logo, na forma como a esquerda vem celebrando os baixos dados do crescimento, muito mais baixos do que os países com que competimos e do que os países com que nos queremos comparar. Que aluno, que empresa, que atleta, que cientista, progride a trabalhar para ficar na média? Nenhum. Querer ficar na média é estar sempre atrasado e por cá estamos sempre a comparar-nos com a média.
A incapacidade de nos preparar para os desafios e riscos e oportunidades da economia global é visível, desde logo, na recusa da esquerda em olhar para a legislação laboral, adaptando-a a novas profissões e novas formas de trabalho, ou na absoluta ausência de iniciativas enquadradoras da economia digital em Portugal. É como se houvesse medo, receio, do que aí vem, uma recusa em aceitar que o mundo global está a mudar.
Se queremos crescer para sustentar o modelo social que temos, temos de mudar de programa, temos de romper com a falta de ambição de quem só quer estar na média e com o medo com que a esquerda olha para o mundo que a rodeia, como quem não confia no país. Pode alguém com medo proteger-nos do que aí vem?