A culpa é do cliente?
Cannes 2018 acabou. As agências portuguesas não conseguiram converter as shortlist que tiveram em metal, ou seja, zero leões para Portugal. Tirando 2016, em que O Escritório, a Y&R, a Leo Burnett e a BBDO trouxeram para casa oito leões, ano após ano, a prestação portuguesa não vai além de um leão por ano. Conheço muita gente talentosa a trabalhar em Portugal, e quando lhes pergunto, porque é que a prestação no Festival de Cannes é tão fraca, a resposta é unânime: a culpa é dos clientes. Os clientes portugueses são muito tradicionais, não arriscam, não aprovam boas ideias, não há dinheiro para nada. Será que é mesmo culpa dos clientes?
A verdade é que enquanto trabalhei em Portugal, nunca ganhei um leão mas também nunca achei que os clientes tivessem culpa. A culpa era minha, das estruturas em que trabalhei e de mais ninguém. Trabalhei com ótimos clientes, que nada deixam a desejar aos que tenho em Nova Iorque. Também trabalhei com clientes toscos, como em qualquer outro mercado por onde passei. Com 22 anos de carreira, dez dos quais fora de Portugal, tenho a impressão de que os clientes são todos iguais. Há diferenças culturais e de dimensão dos respetivos países, mas acho que não existe um país com maus clientes e outro com bons.
Não penso que a culpa do insucesso português em Cannes seja dos clientes. Talento não falta, falta é critério. O mercado é nivelado pelo que é premiado internamente. O ano passado, 75% dos trabalhos inscritos no CCP passaram a shortlist. Em Cannes, apenas 10% passam a shortlist e só 3% se convertem em prémio. As agências que ganham tudo em Portugal, chegam a Cannes cheias de esperança e depois vêm de lá de mãos a abanar.
Acho que é tempo de rever critérios. De ser mais rigorosos. De não dar prémios a tudo o que mexe. De premiar trabalho que funcione localmente e globalmente. Para ganhar ouro, a peça deve ter qualidade para ganhar em Cannes. Basta os presidentes do júri serem rigorosos na altura de distribuir os metais. Outro fator responsável pela fraca prestação portuguesa é a falta de investimento generalizada por parte das agências. A qualidade das ideias é fundamental, mas investir na produção, em case studies, no número de inscrições, é fundamental.
Alguns irão questionar a minha legitimidade para escrever sobre este assunto, pois não trabalho em Portugal desde 2011, e certamente há muita coisa que me escapa. Mas é um tema que não é de agora. Como português, adorava que as coisas fossem diferentes. Acho sinceramente que só depende das agências e dos agentes da indústria inverter esta tendência. Tenho a certeza de que os clientes vão dar uma ajuda.