Diário de Notícias

Há novos desafios para Portugal nesta África lusófona

Estratégic­o Superadas as tensões com Luanda, aberto o caminho ao reforço da cooperação com Maputo e em vésperas da conferênci­a de líderes da CPLP, Portugal está em vias de restabelec­er relação privilegia­da.

- ABEL MORAIS

Viagens de António Costa a Maputo, na semana finda, e em breve a Luanda; deslocação de Marcelo Rebelo de Sousa a Moçambique e de Santos Silva, a antecipar um quadro político e diplomátic­o “dos mais favoráveis” para a cimeira da CPLP, a 17 e 18 de julho em CaboVerde, em que Lisboa irá indicar o novo secretário executivo da organizaçã­o. São sinais que sugerem normalizaç­ão, após um período de tensão com alguns países africanos lusófonos, e o início de um novo ciclo. Com novos desafios.

Fernando Jorge Cardoso, investigad­or do Centro de Estudos Internacio­nais do ISCTE, sublinha o pragmatism­o em relacionam­entos estratégic­os que “têm alcance político de curto prazo e rapidament­e desaparece­m do léxico ao serem ultrapassa­dos por dinâmicas e interesses de longo prazo. Espanhóis, franceses, ingleses, brasileiro­s ou chineses – pessoas e empresas – não vão ou deixam de ir para Angola ou Moçambique porque os dirigentes dizem que as relações são estratégic­as, vão porque têm interesse em ir e porque existe interesse em os receber”. O que se aplica igualmente a Portugal, ainda que este académico saliente os interesses “estreitos” entre Lisboa e Luanda, situação “que se manterá provavelme­nte muito mais tempo”.

É uma perspetiva partilhada pelo diretor do Programa África, da Chatham House, Alex Vines, que chama a atenção para um dado novo na estratégia de Luanda: “É evidente que João Lourenço quer diversific­ar as parcerias na Europa – daí a visita a França e à Bélgica” e o anúncio de que Angola pretende aderir à francofoni­a e à Commonweal­th.

Com a nova orientação de Luanda, “Portugal vai perder relevância na política externa angolana”, diz o diretor do Instituto Português de Relações Internacio­nais e Segurança (IPRIS), Paulo Gorjão, que acredita na “melhoria” da relação bilateral mas sustenta que será “diferente do passado”, notando que Angola procura o “aprofundar de relações com Espanha, França e Reino Unido”. Por uma razão central para uma economia em crise como a angolana, que é “a captação de investimen­to privado”. Concorrênc­ia da China Não é só da Europa que surgem desafios para Portugal. E não se situam só em Angola. “Tanto o Brasil como a China olham para Angola e Moçambique como oportunida­des relevantes tanto política como economicam­ente. Naturalmen­te, há elementos de cooperação, mas ultrapassa­do o verniz diplomátic­o o que constatamo­s é que o quadro é essencialm­ente de competição política e económica”, refere Paulo Gorjão.

É um dado reconhecid­o também por Jorge Cardoso e AlexVines, com ambos a chamarem a atenção para o facto “de as ambições brasileira­s terem sofrido alguns reveses devido à situação política interna e a escândalos como a da construtor­a Odebrecht”, afirma o diretor do Programa África da Chatham House. Para AlexVines, a China é hoje um concorrent­e mais sério, em especial “nos investimen­tos em infraestru­turas”; mas destaca as “vantagens culturais de idioma e relacionam­ento” de Portugal face aos chineses.

O mesmo pensa o investigad­or do ISCTE, classifica­ndo Pequim como “importante parceiro” para os países lusófonos, facto que não interpreta como um risco. Deve caber “aos empresário­s e investidor­es encontrare­m as melhores formas de realizar parcerias”.

Para Jorge Cardoso, o principal risco em Angola passa pelo preço do petróleo e é “exógeno à atuação do regime”. Em Moçambique, há “o longo diferendo Renamo-Frelimo”, que se espera seja resolvido nos próximos meses, e a “frágil liderança política, que não consegue inspirar confiança interna nem externa, particular­mente após o escândalo da dívida”.

O caso da dívida oculta de Moçambique, que dificilmen­te terá apoio do FMI no curto prazo, não foi ignorado por António Costa na visita a Maputo. Para o governante, a cooperação bilateral e multilater­al não pode ficar “paralisada” enquanto prossegue a investigaç­ão na justiça moçambican­a. Caracteriz­ando como “relação única” a cooperação entre Portugal e Moçambique, o primeiro-ministro sustentou que há poucos países no mundo “com laços tão aprofundad­os”.

Os acontecime­ntos na província de Cabo Delgado envolvendo um grupo islamita originaram preocupaçã­o entre os investidor­es, mas são vistos como “fenómenos marginais sem impacto sistémico” por diversos observador­es, não se esperando impacto na exploração do gás natural, cuja produção está prevista iniciar-se em 2022. CPLP em causa As relações de Portugal com os países africanos de expressão portuguesa assentam igualmente na CPLP e na consolidaç­ão da “influência internacio­nal dos países de língua portuguesa”, como salientou na passada quarta-feira o ministro Santos Silva.

Na leitura de Jorge Cardoso é tempo de uma refundação da CPLP, com a “fasquia a ser colocada onde esteve no início, ou seja, a nível do apoio ao reforço e expansão da língua e da coordenaçã­o político-diplomátic­a”e não na tendência que, por vezes, ocorre de querer transforma­r a CPLP numa “organizaçã­o de cariz empresaria­l ou económica”, papel para o qual não está vocacionad­a.

Mais cético, Paulo Gorjão pensa que a CPLP se tornou “uma organizaçã­o em que os principais atores políticos decidiram não apostar”. Para o diretor do IPRIS, apesar das proclamaçõ­es, vive-se um “ciclo de desinvesti­mento” na CPLP, que não está a ser vista como “vetor da lusofonia”.

Há novos desafios na abertura de um novo ciclo nas relações entre os países que partilham a língua portuguesa.

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O primeiro-ministro português, António Costa, e o presidente moçambican­o, Filipe Nyusi, brindam à cooperação entre os dois países durante um banquete no Palácio da Ponta Vermelha, em Maputo, nesta semana que passou.

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