5 de Julho
Hoje tende-se a esquecer que os povos precisam de referências, precisam de heróis e de mitos. E há como que uma vontade propositada de esvaziar essas figuras.
Cabo Verde vive três datas importantes na sua história: 13 de janeiro, 20 de janeiro e 5 de julho. A primeira veio a ser consagrada muitos anos depois das duas seguintes, mais propriamente 15 anos após a independência nacional. Corresponde ao dia das eleições que estão na origem do nosso regime pluripartidário. A 20 de Janeiro relembra-se o assassinato de Amílcar Cabral, o fundador da independência nacional, presentemente com pouco mais que uma simples deposição de uma coroa de flores no seu memorial. No tempo do regime de partido único não só havia celebrações especiais, como fazia parte do currículo escolar falar nesse período de Cabral e da sua obra, da sua importância nos nossos países, Guiné e Cabo Verde, e também na África em geral onde é considerado um pensador prestigiado que muito terá influenciado os demais dirigentes de outros movimentos de libertação. Porém, era todos os anos a mesma ladainha, não havia nem se encorajava qualquer criatividade da parte dos professores nessa alocução sobre Cabral, e então conta-se de uma professora que já quase no fim da aula terminou de apressadamente debitar aos alunos o que sabia do “nosso imortal líder” e concluiu a lição com um enfastiado “Estou farta desse Amílcar Cabral, é sempre a mesma cantilena!”
Hoje já não é assim, hoje tende-se a esquecer que os povos precisam de referências, precisam de heróis e de mitos. E há como que uma vontade propositada de esvaziar essas figuras que deviam ser chama- das à reverência do peso que têm na nossa história enquanto indivíduos que de uma forma ou de outra encarnam o orgulho da nossa nação.
Felizmente que com o 5 de Julho é diferente. 5 de Julho continua a unir os cabo-verdianos à volta do ideário que foi a independência, a esperança de pão, saúde, educação, trabalho, enfim, dignidade, não mais gente a morrer de fome ou a caminho das roças de São Tomé. Tenho um vizinho que todos os dias feriados acorda a rua com música berrada por uns altifalantes roufenhos e ainda por cima sempre música estrangeira e claramente para jovens. Pois bem, no dia da independência acordou-nos com a maravilhosa morna 5 de Julho que repetiu três vezes antes de passar para outros temas alusivos à data. E só no fim nos destemperou os ouvidos com os seus reggae e outras coisas do género.
Lembro-me ainda do 5 de Julho de 1975. Estava em Lisboa, de modo que acompanhámos a cidade da Praia via rádio, o Estádio daVárzea onde decorria a cerimónia, o presidente Aristides Pereira a cumprimentar o primeiro-ministro português Vasco Gonçalves “pela contribuição decisiva que pessoalmente deu para que o processo de descolonização em CaboVerde se realizasse num clima de paz e amizade”, enquanto assinavam o “Instrumento solene de declaração de independência do Estado de Cabo Verde”. O povo gritava em festa porque um novo sol nascia no horizonte. Nesse tempo o nosso PIB per capita não chegava a US 200, hoje ultrapassa US 6000. Neste último 5 de Julho como sempre as pessoas saíram à rua, mas desta vez para exigir: melhor saúde, melhor educação, mais trabalho e mais segurança. E sobretudo que não se permita a instalação de bases militares estrangeiras no país.