Diário de Notícias

Pobre López Obrador, tão longe de Deus e tão perto de Trump?

- por Leonídio Paulo Ferreira

Inspiro-me na célebre frase de Porfirio Díaz, que fez guerra à América e foi presidente durante três décadas – “pobre México, tão longe de Deus e tão próximo dos Estados Unidos” – para tentar perceber o rumo das relações entre os vizinhos, agora que Andrés Manuel López Obrador foi eleito à terceira.

Esquerdist­a e não católico, López Obrador vai lidar com um Trump que tem sido tão duro com o México que não é de descartar que o modo como tratou o cessante Enrique Peña Nieto possa ter influencia­do o resultado, com o candidato do PRI a obter mínimos históricos. E, conhecendo a obsessão de Trump com a ideia de “a América primeiro”, parece inevitável o choque com um político de matiz nacionalis­ta.

E, porém, não tem de ser assim. López Obrador e Trump não estão condenados a desentende­r-se. Por isso o ponto de interrogaç­ão no título desta análise. O México e os Estados Unidos são parceiros inseparáve­is, e o mesmo Trump que ataca a NAFTA, o acordo comercial a três que inclui o Canadá, foi capaz nos últimos meses de usar a influência para assegurar que o trio de países da América do Norte organizará o Mundial de Futebol 2026. Aliás, olhe-se para o voto hispânico em 2016 e talvez se perceba que nada condena Trump e mexicanos a campos opostos, apesar dos insultos de “violadores e traficante­s” com que iniciou a campanha. Teve maior percentage­m do que o anterior candidato do Partido Republican­o.

López Obrador não é um ateu, mas sim um evangélico. E o seu esquerdism­o não só foi aligeirado perante as duas derrotas que teve como assume um discurso protecioni­sta com pontos de contacto com o de Trump. A acreditar nos tweets de ambos, outra mania partilhada, não tardará o aperto de mão.

Estive um dia em San Ysidro, o posto fronteiriç­o mais movimentad­o do mundo. Separa Tijuana de San Diego e não precisou de Trump para ter um muro. Além de fronteira, separa dois mundos: o PIB per capita americano é sete vezes o mexicano, diferença atenuada se usar a paridade de poder de compra. Assim, é evidente porque tantos mexicanos querem emigrar para o Norte e porque tantas empresas americanas preferem produzir no Sul. López Obrador e Trump têm razões para melhorar esta relação económica.

Contudo, há velhos e novos preconceit­os a resolver: os mexicanos não esquecem que perderam muito do seu território original para os ianques no século XIX, incluindo o Texas e a Califórnia; e muitos americanos, a começar pelo falecido Samuel Huntington, temem a incapacida­de de integração dos imigrantes mexicanos, dada a proximidad­e do país de origem e um secreto desejo de vingança. Na verdade, nem a história se reescreve nem faltam os mexicanos que se sentem à vontade nos valores da sociedade americana.

Mas há ainda outro ponto em comum entre o México e os Estados Unidos que favorece o entendimen­to. O serem democracia­s e com regras tão rígidas de reeleição que podemos ter a certeza de que, entendam-se ou não López Obrador e Trump, nenhum será presidente quando o Mundial de 2026 começar.

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