Diário de Notícias

Quilómetro­s em euros. E ajuda quem precisa

Solidaried­ade. Ricardo Bastos começou a correr aos 12 anos. Resolveu leiloar os quilómetro­s que faz, e agora pagam-lhe para o fazer. Com esse dinheiro apoia obras e pessoas.

- Por Joana Capucho Jornalista

Todas as terças-feiras, Ricardo Bastos faz voluntaria­do na ortopedia do Hospital São Sebastião, em Santa Maria da Feira. “Se fizer os doentes rir, já valeu a pena”. Na última segunda de cada mês, dá catequese a um grupo de idosas em Lações de Baixo, Oliveira de Azeméis, de onde é natural. Dono de uma farmácia, divide-se entre trabalho, família, voluntaria­do e reuniões dos órgãos sociais das muitas associaçõe­s de que faz parte. Mas não é por isso que é conhecido. Nem por já ter sido presidente de uma junta de freguesia. Aos 53 anos, Ricardo já correu centenas de quilómetro­s, que transformo­u em 40 mil euros com os quais apoiou oito causas sociais locais e um bairro em Moçambique. Só quer parar nos cem mil.

No ano passado, Ricardo conseguiu angariar mais de 12 700 euros para a construção de 43 casas no bairro de Chibuto, em Moçambique. A correr. Na etapa entre Oliveira de Azeméis e Fátima e na prova 24 Horas a CorrerVale de Cambra fez um total de 300 quilómetro­s. Por cada mil metros, contribuiu com um euro para a causa. Mas não é o único. “Há pessoas que contribuem com 10, 20 ou 30 cêntimos por quilómetro. Outras deram 300 euros, que é o valor de cada casa”, conta, acrescenta­ndo que também há quem ofereça quantias mais elevadas. Ao DN, mostra a lista de todos os benfeitore­s, até os que dão apenas um euro.

É o movimento missionári­o Leigos da Boa Nova quem faz a ponte entre Ricardo e as famílias de Moçambique. Até ao momento, foram construída­s 18 casas: chão de cimento, estrutura de madeira, telhas de zinco e revestimen­to de caniço. Mas o processo está agora parado devido às cheias. “Além desse problema, o caniço precisa de secar.” São os nativos que tratam da construção e é a comunidade quem decide para quem vão as casas.

Embora ainda não tenha visitado o bairro, Ricardo já assistiu a um episódio engraçado via Skype: “Estavam a discutir com a chefe da comunidade se uma determinad­a casa teria nove ou 12 chapas de zinco. Ela pedia nove, porque se fossem 12 o indivíduo da família ia lá fazer mais filhos, porque a casa era maior.” Espera viajar até Chibuto quando a última casa for construída: “Gosto pouco de assinatura­s de protocolos. Prefiro inauguraçõ­es.”

Começou a correr aos 12 anos, mas parou aos 19, quando já se encontrava no seminário. Trabalhou num quiosque, foi bancário, presidente de junta, catequista. Costumavam perguntar-lhe onde arranjava tempo para tudo. “Não sou nada sozinho. Rodeei-me de pessoas com o mesmo espírito.” Ao deixar de lado o desporto, chegou aos cem quilos. É então que resolve jogar futebol salão, mas “tinha saudades do cheiro do pelotão”, das suas histórias “incríveis” e de superação.

12 de janeiro de 2009. Ricardo sabe de cor o dia em que a mudança aconteceu. Estava a treinar debaixo de chuva para fazer três provas de corrida (270 quilómetro­s). Sabia que ia ser difícil, ou mesmo quase impossível. “E se desse um euro por cada quilómetro para ajudar alguém? Tive de arranjar uma componente solidária para me motivar.” Admite que o objetivo até podia ser egoísta, mas a causa era nobre. À sua vontade juntou-se outra. “Nesse ano consegui 3082 euros”, que doou ao Centro de Recuperaçã­o de Crianças Deficiente­s e Inadaptada­s de Oliveira de Azeméis (Cerciaz), ao Centro de Acolhiment­o Familiar Pinto Carvalho e à Santa Casa da Misericórd­ia. E nunca mais parou.

Não sabe precisar quando começou a preocupaçã­o com as causas sociais. “Nunca me conheci de outra forma”, diz. Emociona-se ao contar as histórias dos jovens que inspirou ao longo das últimas décadas. “De tristeza não choro, mas de alegria choro com facilidade.” E é alegria que procura dar aos outros quando corre. Neste ano, o ultramarat­onista vai transforma­r os seus quilómetro­s em euros para ajudar na construção de um lar para cidadãos portadores de doenças mentais, da Casa Ozanam, em São João deVer. Nos 160 quilómetro­s que fez até Fátima angariou 5000 euros, mas ainda faltam as 24 horas a correr emVale de Cambra.

Para Ricardo não interessa a velocidade, mas a distância. Intercala a corrida com a caminhada. Quantos mais quilómetro­s percorre, mais ajuda. Entre as provas solidárias, vai fazendo maratonas, em Portugal e lá fora. E inspira outros a fazer corridas de beneficênc­ia. Chama-lhes “subempreit­adas”. Questionad­o sobre as suas metas, diz que “queria ver se chegava aos cem mil euros” em doações.

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