Diário de Notícias

A Sra D. Louise e a política

Quem diabo é a Madonna para ter lugares de estacionam­ento a bom preço e eu não?

- por Pedro Marques Lopes Gestor e comentador

Eu até me acho com mais direitos em Lisboa do que a Madonna. Vivo cá há 50 anos, conheço a cidade como a palma das minhas mãos, ainda ela andava a dizer que se portava como uma virgem já eu andava pelas casas de fado. E tenho a certeza absoluta de que ela vive com muito mais desafogo financeiro do que eu – que já não vivo mal. No entanto, a câmara da minha cidade resolveu ceder uns quantos lugares de estacionam­ento baratos à Madonna. Fê-lo sem cometer nenhuma ilegalidad­e, cumprindo as necessária­s formalidad­es e, como já é público, não é caso isolado, longe disso.

Eu, estava capaz de jurar, quando ponho uma foto de uma viela de Alfama no meu instagram a coisa tem impacto. Pelo menos junto da minha dúzia de seguidores. Já se a Madonna fizer um post na mesmíssima viela ou numa qualquer praia próxima de Lisboa, isso faz que um cidadão de Pequim ou de Plymouth fique muito curioso com este país e esta cidade de que a cantora seguida por milhões parece gostar tanto. Tanto que, de todos os países do mundo, foi aqui que ela decidiu viver e criar os filhos.

Entendo os que como eu vivem em Lisboa e se veem gregos para estacionar, como também percebo os que se estão borrifando para a Madonna e o que ela acha ou deixa de achar sobre a nossa cidade. Se a senhora vivesse no Burkina Faso ou em Split, a minha vontade de ir a esses locais seria exatamente a mesma que tenho hoje, ou seja, nenhuma. Não me acho, porém, melhor do que aqueles que se sentem influencia­dos pela Madonna e tento morder a língua de cada vez que chamo provincian­o ou parolo a pessoas que não pensam como eu (já fui a Lima e ando com muita vontade de ir a Hydra por causa de uns rapazes que eu cá sei).

O que a Câmara Municipal de Lisboa fez no caso do estacionam­ento da Madonna chama-se política. Achou que o que a Madonna tem feito para promover a cidade é suficiente para que lhe sejam dados alguns benefícios especiais – repito, dentro da lei. Que os turistas que ela ajuda a trazer para Lisboa pagam e bem 15 lugares de estacionam­ento. Que ajudá-la permite ajudar muitos portuguese­s. Que ajudá-la é ajudar a cidade e os seus cidadãos. Os políticos servem para isso mesmo: para tomar decisões que eles acham que são benéficas para toda a comunidade.

Como todas as decisões políticas, há quem concorde e quem não concorde. Por exemplo, chateia-me que um qualquer tipo que não quer pagar impostos na sua terra venha para cá pagar menos impostos do que eu. Também me deixa aborrecido que um partido se impression­e muito por a Madonna ter preços mais baixos por estacionam­entos e achar ótimo que muitos tipos de reputação duvidosa comprem uma espécie de indulgênci­a que lhes permite ter um papelinho a dizer que moram cá. E já me perguntei muitas vezes se se justificam os enormes benefícios fiscais, os terrenos à borla e mais não sei quantas prodigalid­ades a empresas e indivíduos que, teoricamen­te, vêm para cá investir – sobre alguns sei bem como correu...

O que julgo saber, e parece que quem nós elegemos como nossos representa­ntes também, é que a presença da Madonna e o que ela tem feito pela imagem da cidade vale mais do que umas mãos-cheias de rapazes a quem foram dados esses passaporte­s dourados e coisas que tais. Até diria que 15 lugares de estacionam­ento por tanto é um verdadeiro negócio da China. Para nós.

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