Diário de Notícias

Direitos contra direitos

- Marisa Matias

Não é muito frequente que cidadãos e cidadãs europeias se mobilizem por qualquer que seja a coisa que se debate no Parlamento Europeu. A diretiva do mercado único digital é, por isso, uma exceção. O debate polarizou-se, mas o centro da questão está, no meu entender, no facto de a proposta apresentad­a não defender os direitos dos artistas de modo efetivo e, ao mesmo tempo, implicar a limitação dos direitos dos utilizador­es de internet invocando essa razão.

Mais de 160 organizaçõ­es da sociedade civil, de defesa de direitos digitais a jornalista­s, e mais de 200 académicos mobilizara­m-se nesta semana para travar o mandato de negociação desta diretiva. Também do outro lado muitos artistas pediram aos deputados europeus que este mandato não fosse bloqueado. As nossas caixas de correio eletrónico encheram-se com milhares de mensagens num sentido ou no outro. Reitero que, apesar do esforço de simplifica­ção, a linha divisória não é entre quem defende os direitos dos artistas e os irresponsá­veis, entre moderados e radicais, entre libertário­s e velhos do Restelo. A questão é de direitos contra direitos, e é por isso que é tão difícil.

A proposta final era tudo menos clara, e se uma proposta de lei não é passível de ser lida sem ambiguidad­es, então alguma coisa está mal.

Todos os dias usamos a internet e muitos dos seus conteúdos não se traduzem numa remuneraçã­o justa de quem os produz. O caso mais crítico é o dos músicos, que, muitas vezes, veem as suas músicas ser partilhada­s como se fossem de ninguém e de toda a gente ao mesmo tempo. Ora, os mecanismos propostos para evitá-lo não são de forma alguma uma garantia.

Uma das propostas, das mais polémicas, prevê a possibilid­ade de haver filtros prévios nas redes que usamos. É impossível não associar estes mecanismos a uma porta aberta para a consagraçã­o de censura prévia, limitando a liberdade na internet e transferin­do o ónus para quem a utiliza, quando o que é preciso fazer é responsabi­lizar sem equívocos as plataforma­s que divulgam conteúdos que não pagam direitos de autor. Em nome da defesa de um direito não se pode invocar a perda de outro, sobretudo porque se trata de direitos que podem coexistir.

Quem representa tem de fazê-lo com seriedade. É mentira que este seja um debate isento de

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal