“Temo que Costa ceda para ter o OE aprovado e não faça contas ao dia seguinte”
Assunção Cristas. Acusa o governo de desperdiçar boas oportunidades de preparar o país para futuras crises e, por isso, não imagina sequer o partido que lidera a apoiar o Orçamento socialista. A líder do CDS diz “ao que vem e o que quer”, fala de uma convergência de temas com o PSD, mas não tem visto em Rui Rio “disponibilidade ou interesse” para um diálogo mais intenso.
Na semana do debate do Estado da Nação, que marca os últimos dias da sessão legislativa, Assunção Cristas vem à entrevista DN/TSF traçar um quadro de preocupação em relação ao futuro do país governado pelo PS. Pouco confiante em crises na geringonça, prefere falar dos objetivos para um 2019 cheio de desafios eleitorais e da vontade férrea de colocar, em conjunto com o PSD, travão à esquerda no poder. A entrevista está disponível na íntegra em DN.pt.
Que avaliação faz do estado da nação? Muito negativa. Sentimos, desde o início, que o governo não está para tratar de questões de médio e longo prazo, mas apenas da sua sobrevivência política. Isso vê-se em muitos pontos, em muitos dossiês, e para nós é muito negativo percebermos a oportunidade que o país está a perder num ciclo externo muito favorável, com a possibilidade de fazer algumas coisas relevantes no país para nos preparar, não só para aproveitar este ciclo, mas também para estarmos mais fortes noutros ciclos menos positivos…
É uma gestão eleitoralista? É de sobrevivência. Não é eleitoralista porque o governo chegou com esta contingência e vai trabalhando dentro dela. Mas dados como os do crescimento ou da criação de emprego não a sensibilizam? São positivos, mas quando nos comparamos com outros países, nomeadamente com países que partiram de patamares semelhantes ao nosso, temos de concluir que são negativos. Estamos a ser empurrados pela onda internacional e europeia, que entretanto já dá sinais de que pode não durar muito.
O país não está a preparar-se para futuros choques… Não. Nem a robustecer-se naquilo que é o seu desenvolvimento económico. O governo fala muito de alguns aspetos, mas depois não é consequente. Tenho andado muito pelo país, do interior ao litoral, contacto com empresas e do que mais ouço falar é da falta de pessoas para trabalhar, pessoas qualificadas, com formação profissional em áreas específicas, para todas as funções, desde engenheiros e pessoas para trabalharem em máquinas, em indústrias que estão a dar cartas, que podiam crescer mais e não crescem porque falta formação profissional. O governo tem cativado verbas para a formação profissional, impedindo que abram turmas de formação profissional. Em várias áreas, hoje temos menos formação profissional do que tínhamos no passado.
Está a dizer que o país cresce apesar do governo… Exatamente. Cresce por iniciativa dos privados que, por conta da crise, se viraram lá para fora. Tiveram de mudar a agulha do seu posicionamento comercial e hoje estão a tirar vantagem desse esforço que foi feito em situação de grande crise e necessidade. Agora, o governo tem uma vantagem, em abono da verdade e da honestidade política: conseguiu ter estabilidade. E isso é um valor para que possa haver crescimento económico. Dito isto, fica-se por aí. É estabilidade, ponto. Não chega onde devia chegar. Depois das férias entramos em pré-campanha. Em 2019 temos europeias, regionais da Madeira e legislativas. Que projeto tem o CDS para apresentar ao país? Estamos a trabalhar há muito tempo num projeto alternativo para o país. O CDS é o único partido que tem feito oposição construtiva desde o primeiro dia deste governo. Trabalhamos todos os dias para levar propostas construtivas ao Parlamento. É por isso que no último OE quisemos fazer um grupo de trabalho para estudar medidas fiscais para o interior do país, com largo consenso partidário. A proposta foi chumbada e pusemo-nos ao trabalho sozinhos, através do nosso gabinete de estudos, conversando com pessoas e indo muito ao terreno. Estamos a falar de coisas tão relevantes quanto o IRS, que propomos que tenha metade das taxas no interior. Achamos que deve ser facilitado o investimento direto estrangeiro no interior. Só para dar algumas medidas... As finanças públicas estão preparadas para encaixar uma perda de receita desse nível? Há uma parte que é perda de receita, claro, mas há uma parte que é ganho, no que tem que ver com o investimento direto estrangeiro, porque não existe. Fizemos as contas, mas naturalmente teria sido mais fácil se o governo tivesse colaborado nesta matéria e tivesse participado no grupo de trabalho com os partidos, não o fez. São questões que vamos trazer para a linha da frente no programa eleitoral. E qual será o objetivo do CDS nas legislativas? Acredita que é possível ultrapassar o PSD? Depois de 2015 estamos a falar de uma alternativa de centro-direita que tem de contar pelo menos com 116 deputados. Para isso precisamos de mais de um partido. O CDS quer fazer parte desta alternativa e, naturalmente, é meu dever e sinto-o como missão à frente do CDS: fazer que sejamos a primeira escolha, sabendo de onde partimos, sabendo da dificuldade e que o caminho não se faz todo de uma vez. Não lhe vou dizer um número porque o objetivo não tem números, tem uma ambição e uma visão. Como viu as críticas ao seu discurso no congresso de Lamego? Houve quem a acusasse de excesso de otimismo. Eu sou otimista, mas sei que não conquistamos nada sem trabalho. O que faço é ter um discurso de otimismo, de ambição – porque o país precisa de ambição e se o CDS está ao serviço do país, também tem de ter ambição. Percebo que as pessoas achem um bocadinho estranho mas eu digo ao que venho, o que quero, aquilo de que acho que sou capaz, preparo-me para isso e depois a escolha é dos eleitores. Os entendimentos do PSD com o PS são um mal para a afirmação do centro-direita em Portugal? Tenho este discurso desde a primeira hora: queremos ser uma alternativa ao PS e ao governo das esquerdas unidas. Para nós as coisas ou estão à esquerda ou ao centro-direita, não há outra alternativa. Creio que o caminho do PSD é outro. Não quero fazer análises que só competem ao próprio, mas já foi dito por Rui Rio que se não ganhar pode libertar o PS do PCP e do BE. Não é o nosso posicionamento. Mesmo que o CDS se transformasse no maior partido do centro-direita, o PS não contaria consigo para viabilizar um governo… António Costa não contará com o CDS para viabilizar nenhum governo seu.
O CDS quer roubar eleitorado de classe média ao PSD? O nosso foco é termos todos os votos que pudermos e os votos vêm da abstenção em primeiro lugar, é a nossa grande área de captação. Mas virão certamente da esquerda ou do PSD e dos que estavam zangados connosco e já não estão, podem vir de todo o lado. Há o exemplo de Lisboa: passámos de um para quatro vereadores. Dois vieram de Fernando Medina, do PS, um veio do PSD… Gosta mais de ver o PSD encostado ao centro ou ao centro-direita? Não me compete estar a fazer análises sobre o posicionamento do PSD, mas gosto de pensar que CDS e PSD podem ser uma alternativa à governação deste país. Já o provaram no passado, em situações muito difíceis. Podemos fazê-lo no futuro e se possível em situações mais normais de governação. Concorda com a reposição do tempo de carreira congelado aos professores? Concordo que os professores têm uma expectativa muito séria que está a ser frustrada. Este governo não preparou as coisas como deve ser, não tratou delas. Fez uma promessa, que verteu em lei – todos nos lembramos do que foi o último OE e das negociações até às 05.00 para colocar um artigo na lei. A verdade é que o governo criou toda essa dinâmica e de repente, depois de aprovado o OE, vem dar o dito por não dito e não querer acomodar é muito complicado…
Se estivesse no poder, o que faria neste caso? O CDS teria tido um diálogo diferente e mais verdadeiro com os sindicatos, para saber como isto se poderia resolver e englobando mais matérias na conversa. Esta foi a escolha deste governo e é em relação a esta escolha que tem de ser responsabilizado. Não lhe posso dizer se a nossa teria sido exatamente igual ou um bocadinho diferente, o que posso dizer é que não faríamos isto de criar expectativas, pôr numa lei e a seguir tirar o tapete. Este é um episódio que mostra a forma de atuar do governo. Se olharmos para a saúde, para as cativações e para os dramas que aconteceram por causa de uma transição para as 35 horas, também não foi devidamente preparada…
Acredita que BE e PCP podem roer a corda do OE? Acho muito difícil.Vemos todos os anos este ambiente pré-orçamental em que a corda se estica, chega à altura da verdade e todos acabam por aprovar o OE. De resto, o PCP já disse que não será por causa dos professores que não se aprova o OE.