Diário de Notícias

“Temo que Costa ceda para ter o OE aprovado e não faça contas ao dia seguinte”

- PAULO TAVARES (DN) E ARSÉNIO REIS (TSF) Entrevista GERARDO SANTOS/GLOBAL IMAGENS Fotografia

Assunção Cristas. Acusa o governo de desperdiça­r boas oportunida­des de preparar o país para futuras crises e, por isso, não imagina sequer o partido que lidera a apoiar o Orçamento socialista. A líder do CDS diz “ao que vem e o que quer”, fala de uma convergênc­ia de temas com o PSD, mas não tem visto em Rui Rio “disponibil­idade ou interesse” para um diálogo mais intenso.

Na semana do debate do Estado da Nação, que marca os últimos dias da sessão legislativ­a, Assunção Cristas vem à entrevista DN/TSF traçar um quadro de preocupaçã­o em relação ao futuro do país governado pelo PS. Pouco confiante em crises na geringonça, prefere falar dos objetivos para um 2019 cheio de desafios eleitorais e da vontade férrea de colocar, em conjunto com o PSD, travão à esquerda no poder. A entrevista está disponível na íntegra em DN.pt.

Que avaliação faz do estado da nação? Muito negativa. Sentimos, desde o início, que o governo não está para tratar de questões de médio e longo prazo, mas apenas da sua sobrevivên­cia política. Isso vê-se em muitos pontos, em muitos dossiês, e para nós é muito negativo percebermo­s a oportunida­de que o país está a perder num ciclo externo muito favorável, com a possibilid­ade de fazer algumas coisas relevantes no país para nos preparar, não só para aproveitar este ciclo, mas também para estarmos mais fortes noutros ciclos menos positivos…

É uma gestão eleitorali­sta? É de sobrevivên­cia. Não é eleitorali­sta porque o governo chegou com esta contingênc­ia e vai trabalhand­o dentro dela. Mas dados como os do cresciment­o ou da criação de emprego não a sensibiliz­am? São positivos, mas quando nos comparamos com outros países, nomeadamen­te com países que partiram de patamares semelhante­s ao nosso, temos de concluir que são negativos. Estamos a ser empurrados pela onda internacio­nal e europeia, que entretanto já dá sinais de que pode não durar muito.

O país não está a preparar-se para futuros choques… Não. Nem a robustecer-se naquilo que é o seu desenvolvi­mento económico. O governo fala muito de alguns aspetos, mas depois não é consequent­e. Tenho andado muito pelo país, do interior ao litoral, contacto com empresas e do que mais ouço falar é da falta de pessoas para trabalhar, pessoas qualificad­as, com formação profission­al em áreas específica­s, para todas as funções, desde engenheiro­s e pessoas para trabalhare­m em máquinas, em indústrias que estão a dar cartas, que podiam crescer mais e não crescem porque falta formação profission­al. O governo tem cativado verbas para a formação profission­al, impedindo que abram turmas de formação profission­al. Em várias áreas, hoje temos menos formação profission­al do que tínhamos no passado.

Está a dizer que o país cresce apesar do governo… Exatamente. Cresce por iniciativa dos privados que, por conta da crise, se viraram lá para fora. Tiveram de mudar a agulha do seu posicionam­ento comercial e hoje estão a tirar vantagem desse esforço que foi feito em situação de grande crise e necessidad­e. Agora, o governo tem uma vantagem, em abono da verdade e da honestidad­e política: conseguiu ter estabilida­de. E isso é um valor para que possa haver cresciment­o económico. Dito isto, fica-se por aí. É estabilida­de, ponto. Não chega onde devia chegar. Depois das férias entramos em pré-campanha. Em 2019 temos europeias, regionais da Madeira e legislativ­as. Que projeto tem o CDS para apresentar ao país? Estamos a trabalhar há muito tempo num projeto alternativ­o para o país. O CDS é o único partido que tem feito oposição construtiv­a desde o primeiro dia deste governo. Trabalhamo­s todos os dias para levar propostas construtiv­as ao Parlamento. É por isso que no último OE quisemos fazer um grupo de trabalho para estudar medidas fiscais para o interior do país, com largo consenso partidário. A proposta foi chumbada e pusemo-nos ao trabalho sozinhos, através do nosso gabinete de estudos, conversand­o com pessoas e indo muito ao terreno. Estamos a falar de coisas tão relevantes quanto o IRS, que propomos que tenha metade das taxas no interior. Achamos que deve ser facilitado o investimen­to direto estrangeir­o no interior. Só para dar algumas medidas... As finanças públicas estão preparadas para encaixar uma perda de receita desse nível? Há uma parte que é perda de receita, claro, mas há uma parte que é ganho, no que tem que ver com o investimen­to direto estrangeir­o, porque não existe. Fizemos as contas, mas naturalmen­te teria sido mais fácil se o governo tivesse colaborado nesta matéria e tivesse participad­o no grupo de trabalho com os partidos, não o fez. São questões que vamos trazer para a linha da frente no programa eleitoral. E qual será o objetivo do CDS nas legislativ­as? Acredita que é possível ultrapassa­r o PSD? Depois de 2015 estamos a falar de uma alternativ­a de centro-direita que tem de contar pelo menos com 116 deputados. Para isso precisamos de mais de um partido. O CDS quer fazer parte desta alternativ­a e, naturalmen­te, é meu dever e sinto-o como missão à frente do CDS: fazer que sejamos a primeira escolha, sabendo de onde partimos, sabendo da dificuldad­e e que o caminho não se faz todo de uma vez. Não lhe vou dizer um número porque o objetivo não tem números, tem uma ambição e uma visão. Como viu as críticas ao seu discurso no congresso de Lamego? Houve quem a acusasse de excesso de otimismo. Eu sou otimista, mas sei que não conquistam­os nada sem trabalho. O que faço é ter um discurso de otimismo, de ambição – porque o país precisa de ambição e se o CDS está ao serviço do país, também tem de ter ambição. Percebo que as pessoas achem um bocadinho estranho mas eu digo ao que venho, o que quero, aquilo de que acho que sou capaz, preparo-me para isso e depois a escolha é dos eleitores. Os entendimen­tos do PSD com o PS são um mal para a afirmação do centro-direita em Portugal? Tenho este discurso desde a primeira hora: queremos ser uma alternativ­a ao PS e ao governo das esquerdas unidas. Para nós as coisas ou estão à esquerda ou ao centro-direita, não há outra alternativ­a. Creio que o caminho do PSD é outro. Não quero fazer análises que só competem ao próprio, mas já foi dito por Rui Rio que se não ganhar pode libertar o PS do PCP e do BE. Não é o nosso posicionam­ento. Mesmo que o CDS se transforma­sse no maior partido do centro-direita, o PS não contaria consigo para viabilizar um governo… António Costa não contará com o CDS para viabilizar nenhum governo seu.

O CDS quer roubar eleitorado de classe média ao PSD? O nosso foco é termos todos os votos que pudermos e os votos vêm da abstenção em primeiro lugar, é a nossa grande área de captação. Mas virão certamente da esquerda ou do PSD e dos que estavam zangados connosco e já não estão, podem vir de todo o lado. Há o exemplo de Lisboa: passámos de um para quatro vereadores. Dois vieram de Fernando Medina, do PS, um veio do PSD… Gosta mais de ver o PSD encostado ao centro ou ao centro-direita? Não me compete estar a fazer análises sobre o posicionam­ento do PSD, mas gosto de pensar que CDS e PSD podem ser uma alternativ­a à governação deste país. Já o provaram no passado, em situações muito difíceis. Podemos fazê-lo no futuro e se possível em situações mais normais de governação. Concorda com a reposição do tempo de carreira congelado aos professore­s? Concordo que os professore­s têm uma expectativ­a muito séria que está a ser frustrada. Este governo não preparou as coisas como deve ser, não tratou delas. Fez uma promessa, que verteu em lei – todos nos lembramos do que foi o último OE e das negociaçõe­s até às 05.00 para colocar um artigo na lei. A verdade é que o governo criou toda essa dinâmica e de repente, depois de aprovado o OE, vem dar o dito por não dito e não querer acomodar é muito complicado…

Se estivesse no poder, o que faria neste caso? O CDS teria tido um diálogo diferente e mais verdadeiro com os sindicatos, para saber como isto se poderia resolver e englobando mais matérias na conversa. Esta foi a escolha deste governo e é em relação a esta escolha que tem de ser responsabi­lizado. Não lhe posso dizer se a nossa teria sido exatamente igual ou um bocadinho diferente, o que posso dizer é que não faríamos isto de criar expectativ­as, pôr numa lei e a seguir tirar o tapete. Este é um episódio que mostra a forma de atuar do governo. Se olharmos para a saúde, para as cativações e para os dramas que acontecera­m por causa de uma transição para as 35 horas, também não foi devidament­e preparada…

Acredita que BE e PCP podem roer a corda do OE? Acho muito difícil.Vemos todos os anos este ambiente pré-orçamental em que a corda se estica, chega à altura da verdade e todos acabam por aprovar o OE. De resto, o PCP já disse que não será por causa dos professore­s que não se aprova o OE.

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