Empresas familiares Quando o poder passa para os filhos… e com sucesso
As novas gerações estão já a dar passos firmes na gestão da José Maria da Fonseca, do Grupo Vila Galé, do Licor Beirão e dos chás Tley. E como veem eles o futuro? Mais internacional
DESTAQUE As novas gerações já estão a dar passos firmes na gestão de empresas que há muito estão nas mesmas famílias, casos da José Maria da Fonseca, Vila Galé, chás Tley e Licor Beirão, onde o futuro é cada vez mais internacional.
Bial, Corticeira Amorim, Frezite, Revigrés, José de Mello, Riberalves, Mota-Engil ou Transportes Rangel são, apenas, alguns dos muitos exemplos de empresas familiares em que a sucessão se vai construindo diariamente. Estima-se que as empresas familiares representem 70% a 80% do tecido empresarial português, contribuindo para 50% do emprego e representando 65% do produto interno bruto. Os dados são da Associação de Empresas Familiares. “A sucessão é um tema delicado, mas é imperativo que seja falado abertamente. Uma sucessão malfeita é o fator de risco mais grave de uma empresa familiar”, diz Pedro Villax, presidente da instituição. O Dinheiro Vivo dá-lhe a conhecer algumas empresas familiares bem-sucedidas.
José Maria da Fonseca
Os irmãos António e Domingos Soares Franco, a sexta geração, são, ainda, os principais rostos da José Maria da Fonseca, mas a empresa vai já na sétima geração. Não admira. A família exerce a atividade vinícola desde 1834, sendo reconhecidamente a primeira empresa a engarrafar os seus vinhos de mesa: o Periquita nasceu em 1850 e correu mundo em garrafas, como garantia de qualidade, numa altura em que abundava o vinho falsificado.
“O fundador tinha já uma ampla rede de clientes pelo mundo inteiro, de São Francisco a São Petersburgo, do Rio de Janeiro a Singapura, e era uma pessoa muito exigente. As garrafas vinham de Inglaterra, os rótulos de França, as rolhas de um especialista catalão. E é esta obsessão pela qualidade que faz parte do ADN da empresa até hoje”, garante António Maria Soares Franco, vice-presidente da José Maria da Fonseca.
Expostos à cultura do vinho desde a infância – os rapazes na vindima e na adega, Sofia mais no enoturismo –, cada um dos oito elementos da sétima geração seguiu o caminho profissional que quis e só três estão na JMF: António Maria, a irmã Sofia e o primo Francisco. “Ninguém é obrigado a vir para a empresa, mas também nunca é criada nenhuma posição específica para um familiar. Tem de ser alguém que traz valor”, diz António Maria, há 13 anos na JMF.
Com 650 hectares de vinha e renovados centros de vinificação, a aposta, agora, passa pela área comercial. Há quatro anos foi criada a JMF Distribuição, de modo a assegurar “um papel mais ativo e dinâmico” no mercado nacional. Agora, a empresa admite que precisa, também, de reforçar a sua presença nos mercados externos. Quer ser uma empresa “ainda mais global”.
Com mais de 40 marcas (Alambre, BSE, José de Sousa ou Lancers entre outros) das principais regiões vitivinícolas portuguesas, a JMF vende mais de 11 milhões de garrafas por ano, dois terços nos mercados externos, estando presente em mais de 70 países. A empresa tem dois centros de visitas, em Azeitão e em Reguengos, onde recebe mais de 45 mil visitantes anualmente. Foi também a primeira empresa a abrir um winebar,o By the Wine, em Lisboa, e um novo espaço está a ser equacionado para 2019 – o local ainda é segredo. Faturou 20 milhões no ano passado e prevê crescer 10% neste ano.
Licor Beirão
A história do Licor Beirão é indissociável da história da família Carranca Redondo. Embora o produto já existisse – a receita original remonta ao século XIX –, foi com a aquisição da fábrica por José Carranca Redondo, em 1940, que o Beirão ganhou notoriedade, graças ao instinto de marketeer do empresário, que criou slogans como “O Beirão de que todos gostam”, em plena ditadura e fazendo referência a Salazar. Foi já o seu filho José Redondo que, nos anos 1960, criou o slogan que ainda hoje vigora, “Beirão, o licor de Portugal”, e que ninguém acreditava que vingasse, numa altura em que o que vinha de fora era sempre melhor do que o nacional.
Mas foi a chegada da terceira geração, com os irmãos Daniel e Ricardo, que marcou o rejuvenescimento do Beirão, com a aposta nos cocktails como o caipirão ou o morangão e a associação às semanas académicas ou aos festivais de música. O pai continua a ser o presidente da empresa, mas a gestão executiva está a cargo de Daniel. Ricardo tem o pelouro financeiro e da produção, sendo o único, a par do pai, que conhece a fórmula secreta do Licor Beirão.
Em 1971, quando José Redondo chegou à empresa, vendiam cem mil garrafas por ano. Três décadas depois, quando os seus filhos entraram, a empresa já vendia 1,8 milhões de garrafas, e no ano passado já foram quase quatro milhões. A necessidade de controlar melhor a distribuição levou a família a criar, em 2012, uma distribuidora própria, a Companhia Espirituosa, e, no ano passado, uma distribuidora internacional, a Liquid Company. Os mercados externos valem apenas 24% dos 14,8 milhões de euros de vendas da empresa, mas o objetivo neste ano é crescer acima dos 20% nos mercados internacionais.
Chá Tley
Maria Hermínia Tavares da Silva teve, durante 20 anos, a representação dos chás da Tetley, que empacotava e embalava em Portugal. Era apenas um dos muitos produtos representados pela ICD – Indústria, Comércio e Distribuição de Produtos Alimentares, empresa criada pelo seu marido que, nos anos 1990, comprou a marca Tley para a eventualidade de “alguma coisa acontecer” com a representação da Tetley. Em 2006, quando o
“A família é um excelente mecanismo de sucessão, porque há uma vontade enorme, e responsabilidade, de fazer perdurar a empresa familiar.”
—PEDRO VILLAX Presidente da Associação das Empresas Familiares
contrato termina e não é renovado, a ICD lança no mercado os seus chás Tley. Durante oito anos, Tetley e Tley arrastaram processos em tribunal, que terminaram num acordo, cujos termos não são conhecidos. Atualmente, a ICD fatura cinco milhões e dispõe de fábrica própria na Cova da Piedade, onde produz para si e também para marcas brancas.
O seu filho, Miguel Costa Dias, está apostado no crescimento da ICD, tornando-a “muito mais do que a Tley” e fazendo-a “regressar às origens”, designadamente com o relançamento, ainda neste ano, da marca de conservas Toneca, propriedade da família. “Há uma grande apetência pelas conservas portuguesas e, se tudo correr bem, vamos centrar a nossa aposta em Portugal, França e Itália”, diz.
Quanto à Tley, o seu objetivo é garantir que a marca se afirme cada vez mais como um produto nacional, designadamente comprando as ervas a produtores em Portugal. “Vamos dar um abanão à marca e lançar novas referências. Depois da Tley Leaves, que lançámos no final do ano passado e está a correr muito bem, no arranque de 2019 chega o Tley Flowers”, promete Miguel Costa Dias, que espera encerrar este ano com “um ligeiro crescimento” em relação a 2017.
Vila Galé
Na Vila Galé a sucessão ainda não é um tema. Até porque Jorge Rebelo de Almeida, o fundador, mantém-se “mais ativo” do que nunca. Mas já tem consigo, desde 1996, o seu filho Gonçalo, que começou por estar muito ligado ao departamento jurídico, dedicando-se, mais tarde, às vendas e ao marketing, área que mantém, a par do pelouro dos recursos humanos e das tecnologias de informação. Quando chegou, a empresa estava no Algarve e em Lisboa, com oito hotéis, e dava emprego a cerca de 500 pessoas. Hoje são perto de três mil colaboradores, distribuídos por 30 hotéis em Portugal e no Brasil. “De familiar o Grupo Vila Galé tem o espírito de proximidade e de ligação entre as pessoas, tudo o resto é muito profissionalizado, com uma comissão de direção composta por quadros executivos da área hoteleira e financeira que nada têm que ver com a família”, diz Gonçalo Rebelo de Almeida.
A comemorar neste ano o seu 30.o aniversário, a Vila Galé ambiciona continuar a crescer, sem metas quantificadas. “Em pouco mais de dois anos tivemos sete projetos em simultâneo, em Portugal e no Brasil, o que nos obrigou a abrandar um pouco a procura de outras oportunidades. Vamos agora retomá-la”, diz o administrador da empresa. Cabo Verde, Moçambique, Cuba e Espanha foram alguns dos mercados já estudados e que, “por questões conjunturais ou por falta de oportunidades concretas”, não chegaram a avançar, mas Gonçalo Rebelo de Almeida garante que “mantém o interesse”, embora “com algumas cautelas”, no que diz respeito a Moçambique, dada a instabilidade que se vive no país. E, claro, há o Brasil, onde “as oportunidades de crescimento ainda existem”. Este mercado contribuiu com 40% dos 174 milhões faturados pela Vila Galé em 2017. As previsões para este ano são para um crescimento acumulado de 5% a 6%.