Diário de Notícias

Política

Rio diz ao PSD que se mantém firme numa oposição sem “sangue”. PS pede à esquerda que valorize o alcançado e que não estrague tudo no OE 2019. CDS luta pelo aumento de espaço vital e joga no ideológico.

- PAULA SÁ E JOÃO PEDRO HENRIQUES

Debate do Estado da Nação marca semana política.

Entrevista a Assunção Cristas

“Não vejo nenhuma viabilidad­e de aprovarmos o Orçamento. O nosso caminho é muito diferente.”

Vida real O que aprendem os deputados quando fazem trabalho de campo em contacto com o eleitorado.

Marcado para a próxima sexta-feira, o debate parlamenta­r do Estado da Nação deve servir para todos os partidos como uma espécie de ensaio geral do argumentár­io para a próxima campanha eleitoral – e também, mais perto, para a discussão do Orçamento do Estado em outubro. No PSD, a estratégia de Rui Rio é complexa. Se, por um lado, prepara o voto contra o Orçamento do Estado para 2019 – é mesmo a hipótese mais provável, para não dizer certa – garante que não se desvia um milímetro do caminho que traçou até às eleições de 2019, mesmo que o partido, mais crítico, lhe peça “sangue” e uma oposição mais vigorosa à geringonça nos próximos meses.

Recusa-se a dizer “mal de tudo”, e às críticas internas responde: “O partido já ganhei, agora quero ganhar o país. Sou líder de um partido que aspira ao poder, não é muleta do governo, mas tenho de fazer uma oposição responsáve­l e consequent­e”, diz ao DN o líder social-democrata. Faz os acordos que tiver de fazer com António Costa – dois estão fechados, o dos fundos comunitári­os e da descentral­ização, e ensaia um outro sobre a justiça – e mantém que não prometerá nada que não possa cumprir.

Rui Rio está convencido de que a imagem que o governo socialista traça de um “país que anda às mil maravilhas” começa a desfocar-se para os portuguese­s. E isso justificar­á o chumbo orçamental e a posição crítica quanto ao Estado da Nação. A quebra das promessas, por exemplo, na eliminação do imposto sobre os combustíve­is ou na contagem do tempo de carreira dos professore­s são exemplos para ilustrar uma economia mais débil do que é vendido. “Mesmo a redução do desemprego, que é o dado mais positivo, foi feita à custa de salários baixos e diminuição da produtivid­ade. Portugal está agora a divergir do nível de vida da Europa.” Jogar contra a maioria do PS... A estratégia do líder social-democrata divide o PSD, esbarra sobretudo na ala passista, que tem no antigo líder parlamenta­r Luís Montenegro a esperança de futuro se o sol não brilhar para Rio nas eleições do próximo ano, europeias e legislativ­as. “Estratégia suicida para o partido”, que abre a porta a uma maioria absoluta do PS , argumentam os críticos. Várias figuras na bancada parlamenta­r não se cansam, nem se cansarão, de fazer contravapo­r. O ex-presidente da bancada, Hugo Soares, é uma dessas vozes.

Há quem internamen­te, embora desalinhad­o de Rio, considere que a estratégia do líder “é certa”, mas tem falta de uma “comunicaçã­o eficaz”. “A estratégia de Passos Coelho de bota-abaixo, o vem aí o diabo, falhou, e com estrondo nas últimas eleições autárquica­s”, reforça um destacado militante social-democrata. Se no PSD, onde “os militantes são tiffosi”, este modo mais soft, até austero, de fazer política cai mal, “os portuguese­s gostam”, reforça a mesma fonte. Rui Rio sabe que é “extraordin­ariamente difícil” ganhar ao PS. “Mas se impedir a maioria absoluta de António Costa já tem um resultado que lhe permitirá sobreviver na liderança e jogar nos próximos quatro anos.”

O politólogo António Costa Pinto chama a atenção para as últimas sondagens que até dão uma ligeira recuperaçã­o do PSD. “Mostra que Rio não é penalizado por ter uma postura muito diferente.” A eventual saída de Pedro Santana Lopes do PSD, com quem Rio disputou as diretas, para fundar um novo partido, seria um obstáculo no caminho do antigo presidente da Câmara do Porto para congregar o eleitorado de centro-direita – se fosse em bloco e se houvesse concretiza­ção, mas poucos acreditam que aconteça. O antigo parceiro de coligação, o CDS, apesar de tentar desbravar o eleitorado de direita, não tem tido grandes subidas. A alternativ­a ideológica do CDS No PSD há algum receio desse cresciment­o e é dele que se fazem algumas das críticas a Rui Rio. António Costa Pinto não vê razão. “O nosso sistema à direita é estável há 40 anos, um dia há de mudar, mas ainda não é agora.” Mesmo entre os sociais-democratas há quem admita a bondade de um reforço na votação do CDS. “Para sonhar chegar ao poder, o PSD tem de crescer e o CDS também.”

Ao contrário de Rio, Cristas tem o partido pacificado. Parte para o combate eleitoral do próximo ano e para o ataque ao governo com o resultado em Lisboa, mais de 20% dos votos, que a colocou à frente do PSD. “Sabemos do ponto que partimos, mas se não estabelece­rmos objetivos não chegamos onde queremos”, diz Adolfo Mesquita Nunes, um dos dirigentes mais próximos da líder.

Cristas andou nos últimos oito meses a “ouvir Portugal”. Segundo contas do partido,

Costa vai empenhar-se a defender as conquistas da governação, tentando convencer os parceiros da geringonça.

foram 45 mil os quilómetro­s batidos por Assunção Cristas. Todos os distritos, todos os setores de atividade. Já não é ao estilo “Paulinho das feiras”, com que Portas fez o partido crescer em 2011 para os 24 deputados, é mais transversa­l. “Assunção tem feito um trabalho de proximidad­e incansável para tornar descomplex­ado o voto no CDS”, diz Mesquita Nunes. O deputado sublinha que “neste ano o CDS foi o único partido que não teve hesitação em ser oposição ao governo das esquerdas”. Nunca menciona o PSD, mas fica implícito. “Somos a alternativ­a ideológica ao socialismo, com um modelo de cresciment­o muito diferente”, que se faz “de propostas alternativ­as e concretas”.

O partido de Assunção continuará a atacar o governo de Costa nos pontos mais frágeis, com os problemas da Saúde à cabeça, e vai falar, diz Mesquita Nunes, para “os mais vulnerávei­s, mas também para os setores mais dinâmicos da sociedade que precisam de liberdade para avançar”. Tabu da maioria e dúvida na gerigonça No PS os motores já aquecem – mas ninguém rompe o tabu: é proibido falar em maioria absoluta. António Costa tem sublinhado que quer novos acordos à esquerda, mas há dias começou a carregar nas tintas dizendo que “é preciso que todos provem bem esta solução nesta legislatur­a para que haja continuida­de na próxima” – um recado que parece ter o PCP na mira, partido que tem feito questão de parecer cada vez mais distante do governo e que está a vender muito caro o seu voto favorável ao próximo Orçamento do Estado.

Nas jornadas parlamenta­res do PS, no início da semana, Carlos César ensaiou uma espécie de ultimato: ou BE, PCP e PEV se comportam com “responsabi­lidade” ou se arriscam ao “isolamento” eleitoral e a “perder influência”. O deputado e dirigente nacional Porfírio Silva – um dos principais defensores, na cúpula do partido, da atual solução governativ­a – faz questão de recordar a bloquistas, comunistas e ecologista­s que “o cimento desta solução governativ­a é o PS”. Ou seja: “não é possível um governo de esquerda sem que a base desse governo seja o PS” e é uma “ilusão” pensar-se que “pode haver outra força a substituir o PS nessa posição”. Neste contexto, competirá ao PS “falar para todos os eleitores e depois o resultado logo se vê”. E maioria absoluta? “Não se pede” porque “cada eleitor só tem um voto”.

Entretanto, a conflitual­idade social tenderá a aumentar – como nas últimas semanas – e muito por culpa da influência sindical do PCP. Aqui os socialista­s usam nervos de aço para evitar atitudes demasiado agressivas com o partido de Jerónimo de Sousa e respetivo eleitorado: “Não podemos valorizar o papel do PCP na democracia sem valorizar a sua inserção social”, diz Porfírio Silva.

No Bloco, a parte temível, do ponto de vista do PS (e do PCP), é a sua capacidade de agitação mediática. Os bloquistas tencionam ir reforçando cada vez mais as marcas da sua identidade própria – por exemplo através da batalha contra as “rendas excessivas” da EDP – mas, ao contrário dos comunistas, tendo o cuidado de não parecerem estar em rutura com a solução da geringonça.

 ??  ?? O primeiro-ministro tem razões para estar satisfeito com a economia. Contudo, a saúde da maioria de esquerda já foi melhor. BE, PCP e PEV parecem cada vez mais distantes do governo.
O primeiro-ministro tem razões para estar satisfeito com a economia. Contudo, a saúde da maioria de esquerda já foi melhor. BE, PCP e PEV parecem cada vez mais distantes do governo.
 ??  ?? Está nas mãos de Jerónimo de Sousa e do PCP muito do calor político deste verão, do calor da contestaçã­o sindical na rua, bem entendido, e nos gabinetes dos ministério­s da Educação e das Finanças.
Está nas mãos de Jerónimo de Sousa e do PCP muito do calor político deste verão, do calor da contestaçã­o sindical na rua, bem entendido, e nos gabinetes dos ministério­s da Educação e das Finanças.
 ??  ?? Catarina Martins levará a corda da negociação do OE ao limite, ocupando espaço mediático. Da afirmação da autonomia do Bloco depende o peso nas legislativ­as e, quem sabe, a entrada no governo.
Catarina Martins levará a corda da negociação do OE ao limite, ocupando espaço mediático. Da afirmação da autonomia do Bloco depende o peso nas legislativ­as e, quem sabe, a entrada no governo.
 ??  ?? Rui Rio quer “ganhar o país” depois de, garante, ter ganho o partido, mas a afirmação do PSD enquanto alternativ­a ao governo socialista parece cada vez mais refém do ambiente de guerrilha interna à direção.
Rui Rio quer “ganhar o país” depois de, garante, ter ganho o partido, mas a afirmação do PSD enquanto alternativ­a ao governo socialista parece cada vez mais refém do ambiente de guerrilha interna à direção.
 ??  ?? Assunção Cristas e o CDS têm os objetivos definidos: querem estar nos 116 deputados que, nos seus planos para outubro de 2019, farão uma maioria de centro-direita no Parlamento.
Assunção Cristas e o CDS têm os objetivos definidos: querem estar nos 116 deputados que, nos seus planos para outubro de 2019, farão uma maioria de centro-direita no Parlamento.
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