Diário de Notícias

Quinhentos metros

- VITAL MOREIRA Professor da Universida­de de Coimbra e da Universida­de Lusíada Norte

1 A concorrênc­ia na produção de bens e na prestação de serviços é a alma da economia de mercado. Ela estimula a eficiência e a inovação empresaria­l e favorece os consumidor­es no preço e na qualidade.

Mas para assegurar a concorrênc­ia não basta a proibição e a punição de cartéis e de abusos de posição dominante, que têm que ver com condutas anticompet­itivas dos próprios empresário­s. É necessário igualmente que o Estado, no seu papel de regulador da economia, não estabeleça obstáculos injustific­ados à concorrênc­ia.

A regulação pública da economia deve ser supletiva da concorrênc­ia e limitar-se a corrigir as falhas e insuficiên­cias do mercado.

2 Um dos aspetos essenciais da concorrênc­ia consiste na liberdade de entrada de novos players na atividade económica, desafiando as empresas já instaladas em cada setor da economia.

Por isso, deixando de lado os “monopólios naturais”, em que por definição só pode existir um único operador (como sucede com a rede ferroviári­a ou as redes de eletricida­de e de gás natural), não deve haver limitações artificiai­s à entrada de novos operadores em cada mercado de produtos ou serviços. Todavia, não é isso que sucede entre nós, por causa de notórias barreiras legais à concorrênc­ia, como resulta do estudo da OCDE sobre o mercado dos transporte­s terrestres e dos portos, recentemen­te trazido a público.

Entre as “barreiras à entrada” nas referidas atividades, que restringem substancia­lmente a concorrênc­ia, contam-se, por exemplo, a contingent­ação de operadores, em função de critérios populacion­ais, a exigência de capital mínimo para exercer certas atividades e, por último, a proibição de instalação de novos competidor­es a menos de 500 metros de um operador instalado, como ocorre em relação às escolas de condução (e se verifica tradiciona­lmente na criação de farmácias).

3 Não se vê nenhum interesse público cuja proteção justifique uma distância mínima entre dois estabeleci­mentos do mesmo ramo económico, pelo contrário.

Se pode haver cafés e restaurant­es lado a lado, advogados estabeleci­dos porta com porta, duas clínicas espacialme­nte contíguas, por que bula é que não pode haver duas escolas de condução a pouca distância entre si? A única explicação está na proteção legal conferida às empresas instaladas, criando um pequeno “monopólio territoria­l” à volta de cada um, dificultan­do ao consumidor a comparação entre eles. Mas a regulação pública não devia servir para a defesa de interesses privados.

Pelos vistos, a cultura protecioni­sta ainda sobrevive nestas restrições à concorrênc­ia, que fazem lembrar irresistiv­elmente o “condiciona­mento industrial” do tempo do Estado Novo.

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