Quinhentos metros
1 A concorrência na produção de bens e na prestação de serviços é a alma da economia de mercado. Ela estimula a eficiência e a inovação empresarial e favorece os consumidores no preço e na qualidade.
Mas para assegurar a concorrência não basta a proibição e a punição de cartéis e de abusos de posição dominante, que têm que ver com condutas anticompetitivas dos próprios empresários. É necessário igualmente que o Estado, no seu papel de regulador da economia, não estabeleça obstáculos injustificados à concorrência.
A regulação pública da economia deve ser supletiva da concorrência e limitar-se a corrigir as falhas e insuficiências do mercado.
2 Um dos aspetos essenciais da concorrência consiste na liberdade de entrada de novos players na atividade económica, desafiando as empresas já instaladas em cada setor da economia.
Por isso, deixando de lado os “monopólios naturais”, em que por definição só pode existir um único operador (como sucede com a rede ferroviária ou as redes de eletricidade e de gás natural), não deve haver limitações artificiais à entrada de novos operadores em cada mercado de produtos ou serviços. Todavia, não é isso que sucede entre nós, por causa de notórias barreiras legais à concorrência, como resulta do estudo da OCDE sobre o mercado dos transportes terrestres e dos portos, recentemente trazido a público.
Entre as “barreiras à entrada” nas referidas atividades, que restringem substancialmente a concorrência, contam-se, por exemplo, a contingentação de operadores, em função de critérios populacionais, a exigência de capital mínimo para exercer certas atividades e, por último, a proibição de instalação de novos competidores a menos de 500 metros de um operador instalado, como ocorre em relação às escolas de condução (e se verifica tradicionalmente na criação de farmácias).
3 Não se vê nenhum interesse público cuja proteção justifique uma distância mínima entre dois estabelecimentos do mesmo ramo económico, pelo contrário.
Se pode haver cafés e restaurantes lado a lado, advogados estabelecidos porta com porta, duas clínicas espacialmente contíguas, por que bula é que não pode haver duas escolas de condução a pouca distância entre si? A única explicação está na proteção legal conferida às empresas instaladas, criando um pequeno “monopólio territorial” à volta de cada um, dificultando ao consumidor a comparação entre eles. Mas a regulação pública não devia servir para a defesa de interesses privados.
Pelos vistos, a cultura protecionista ainda sobrevive nestas restrições à concorrência, que fazem lembrar irresistivelmente o “condicionamento industrial” do tempo do Estado Novo.