Leiria como exemplo na indústria transformadora
Será a concentração de massa crítica a matriz genética dos empresários ou a competitividade? A região de Leiria supera o país e foi por isso a primeira a receber o ciclo de conferências PME Global.
Não foi ao acaso a escolha de Leiria para a primeira conferência conjunta da Ageas e Ordem dos Economistas, no âmbito da série de fóruns PME Global (que vai percorrer o país nos próximos meses), na quinta-feira, na sede da Nerlei – Associação Empresarial da Região de Leiria. Agentes de seguros, empresários e outros agentes locais fizeram a plateia da conferência sobre “A indústria transformadora da região e a sua internacionalização”, um tema caro à maioria das empresas daquele distrito.
“Portugal vive hoje uma situação de alguma acalmia económica e financeira, mas não resolveu de forma nenhuma os seus problemas profundos. As reformas estruturais estão ainda por fazer e vivemos ao sabor de cada dia. Leiria é muito competitiva, mas o país, no total, não o é.” Rui Leão Martinho, bastonário da Ordem dos Economistas, dava assim o tiro de partida para um debate pontuado pelos bons exemplos da indústria transformadora – assacados sobretudo aos moldes e plásticos, muito à conta do concelho da Marinha Grande, onde a maioria se concentra.
“O sucesso desta região depende da massa crítica e da matriz genética que nós temos, e que a nível da economia e da indústria é muitíssimo forte”, defende Telma Curado – parceira da conferência em Leiria, ela própria organizadora de eventos similares. Foi esse apontamento que deixou na mesa-redonda “O papel da economia no desenvolvimento da indústria local”, que dividiu com Rui Martinho e José Gomes. A economista e revisora oficial de contas lembrou à assistência que aquela região “é líder em vários clusters”, bastando que continue a inovar nesse trilho de sucesso. Para isso contribuem vários fatores, desde o empenho das forças locais à iniciativa privada. “E quanto mais as forças locais estiverem junto das forças nacionais, melhor”, sublinhou a economista. Essa não é, no entanto, a opinião do comentador Camilo Lourenço, que prefere deixar de lado o Estado nesta equação. Quando no final da conferência o vereador da Câmara de Alcobaça, Carlos Bonifácio (independente pelo CDS), interroga a mesa pela ausência do tema Estado no debate, Camilo desvaloriza-o.
Investimento produtivo
E afinal quem puxa mais por quem? A economia local pelo país ou vice-versa? – quer saber Ricardo Oliveira Duarte, moderador do painel. Rui Leão Martinho acredita que a resposta está no empenho dos empreendedores. “Veja como os empresários nacionais reagem às vicissitudes da economia em Portugal de cada vez que há uma crise mais profunda”, sublinha o bastonário, apontando o exemplo da última recessão (declarada oficialmente em 2011, mas sentida pela economia desde 2007), em que “os empresários e as empresas tiveram de reagir. É óbvio que há sempre aqueles que se tornam insolventes, porque a situação que já tinham não era boa. Mas a maioria dos grupos e das empresas que conseguiram resistir foi pela capacidade que tiveram de a enfrentar, de encontrar situações alternativas e ir para o mercado internacional”.
É aí que Leiria mostra o que é: uma taxa de desemprego que atualmente anda nos 4,5%, “menos do que a Alemanha” (como costuma lembrar o presidente da Câmara de Leiria, Raul Castro); e as exportações de moldes, que atingiram o volume recorde em 2017, superando os 675 milhões de euros, segundo os dados revelados em março deste ano pela Cefamol – associação representativa do setor. De resto, há um grupo considerável de empresas na região que trabalha exclusivamente para o mercado externo. Já não é só com os países da União Europeia, mas “quase para todo o mundo”, como enfatiza o bastonário Rui Martinho. Há empresas de Portugal (muitas da região de Leiria) a trabalhar com a Ásia, a América do Sul, do Norte e Central. “Há um aumento muito grande da qualidade e da capacidade de serem competitivas – demonstrado por essas empresas que resistiram”, aponta o responsável da Ordem dos Economistas, que deixa a nota do que deve ser a próxima etapa: “Atrair mais investimento produtivo. Porque as indústrias transformadoras são necessárias em Portugal, e esse é um investimento que tem custado a arrancar, fundamental para criarmos riqueza, aquilo que todos queremos: com melhoria salarial, das condições de vida, com mais facilidade para aquisição das casas que todos precisamos para viver. Temos noção de que a internacionalização é um caminho fundamental”, concluiu.
Também José Gomes, membro da comissão executiva do grupo Ageas Portugal, alinha nessa perspetiva, embora na ótica de como as seguradoras estão a adaptar-se às novas exigências dessa indústria, que pulou e avançou muito nos últimos anos. “A oferta de seguros tem de evoluir e ser cada vez mais especializada. Cada indústria tem por vezes necessidades específicas que o produto tradicional não cobre”, admitiu José Gomes.
Também Rui Martinho advertiu para a importância de novos parceiros no mundo empresarial, recuperando uma intervenção de Telma Curado a propósito dos fundos que – temporariamente – entram nas empresas. Foi assim que deixou na conferência de Leiria a ideia de “voltar a dar importância aos fundos de pensões”, um trabalho que ainda está por fazer no tecido empresarial.
“Portugal vive situação de alguma acalmia económica e financeira, mas não resolveu problemas profundos”, diz Rui Leão Martinho. “Quanto mais as forças locais estiverem junto das forças nacionais, melhor”, defende a economista Telma Curado. “Oferta de seguros tem de evoluir e ser mais especializada. Cada indústria tem necessidades específicas”, afirma José Gomes, da Ageas.