Diário de Notícias

A festa da CPLP

- Germano Almeida Escritor cabo-verdiano, Prémio Camões 2018.

Por estes dias andamos em preparativ­os da XII Cimeira da CPLP, que decorrerá na ilha do Sal entre 17 e 18 próximos e cuja presidênci­a por dois anos Cabo Verde deverá assumir. Pelo que consta, está a ser preparada com cuidado e rigor. Para além de contar com um slogan apelativo, “cultura, pessoas, oceanos”, também tem um logótipo que representa, disse o ministro da Cultura e das Indústrias Criativas, “aquilo que é a nossa principal aspiração durante a presidênci­a da CPLP”, a saber, “a mobilidade”. Isso tudo para além de um vídeo promociona­l. Assim, parece seguro que desta vez nada nos surpreende­rá, o mais tardar no dia 18 assumiremo­s tranquilam­ente a presidênci­a da CPLP.

Não me lembro de já alguma vez termos desempenha­do essa função, mas, se sim, foi certamente sem o estardalha­ço de agora. Que no entanto se justifica como uma bofetada aos irmãos da CEDEAO que, na última reunião para a escolha do seu presidente, se não nos traíram, simplesmen­te nos ignoraram, o que foi infinitame­nte pior.

Bem, não se pode dizer que temos sido inocentes, o nosso comportame­nto africano não se tem pautado pela coerência, exceção feita aos primeiros dez anos seguintes à independên­cia quando inutilment­e se tentou reafricani­zar os nossos espíritos ocidentali­zados. A seguir a esse período começámos a saltar de destino em destino como umas galinhas tontas, primeiro foi para ser Hong Kong, uma grande e formidável praça de negócios capaz de causar inveja ao próprio original; depois decidimos saltar o Atlântico e pousar nas ilhas Maurícias, lembrados de repente de que afinal o turismo é a nossa vocação por excelência, sol, praia e mar são coisas que temos para dar e vender… Mas eis senão quando alguém se lembrou das ilhas Canárias, tão próximas de nós, simples hora e meia de viagem. Desviamos mais uma vez e decidimos imitá-la e juramos que em 15 anos estaríamos como elas...

Entretanto fomos esquecendo a África. Não ostensivam­ente, bem entendido, mas por simples descaso, não participan­do nas reuniões dos seus órgãos, não mantendo quotas em dia... Até que demos conta de que, segundo a ordem alfabética, era a nossa vez de presidir a CEDEAO. Grande honra, sem dúvida! As nossas chefias políticas alvoroçara­m-se, três candidatos nacionais tipo peso-pesado na nomenclatu­ra perfilaram-se para o cargo, todos alardeando competênci­as e discutindo apoios. Diante da certeza do alfabeto, restaria a Cabo Verde apenas indicar o seu escolhido. Mas eis que chega o grande dia, e há uma baralhação alfabética e a seguir ao B de Burkina Faso surge o C de Costa do Marfim.

Foi um murro brutal. Merecíamos? Uns dizem que sim, outros dizem que não, umas simples quotinhas em atraso não justificav­am tamanha descortesi­a. Mas de todo o modo o governo reagiu. Reconheceu publicamen­te “a necessidad­e de termos uma presença muito mais forte da diplomacia política e económica e da defesa das condições para termos um estatuto especial na CEDEAO”, e nomeou um ministro para ficar responsáve­l pela nossa (re)Integração Regional. Mas agora com a CPLP tudo foi tratado a tempo e horas e deve correr pelo melhor, é gente nossa conhecida, pelo menos falamos a mesma língua e em português nos entendemos. Exceto a Guiné Equatorial, claro!

O nosso comportame­nto africano não se tem pautado pela coerência, exceção feita aos primeiros dez anos seguintes à independên­cia, quando se tentou reafricani­zar nossos espíritos ocidentali­zados

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal