Diário de Notícias

Fazer arte na província

Ricardo Peres abandonou os Commedia a la Carte e mudou-se para Ferreira do Zêzere (Ribatejo), onde, juntamente com Beatriz, fundou a FlorestArt­e – Associação Artística.

- Por Isaura Almeida

Há mudar de vida e mudar de vida. E a história de Ricardo Peres prova-o. É a história de um artista que mudou de palco para continuar a ser feliz e levar um pouco de arte ao interior do país, mais precisamen­te ao Ribatejo. E tudo começou por amor a Beatriz e às artes.

Ricardo fazia parte do grupo Commedia a la Carte que fundou com os amigos Carlos Cunha e César Mourão em 2001. Mas chegou a uma altura em que já não se sentia realizado, nem ouvido, nem aplaudido e “os espetáculo­s já eram trabalho”. Por isso, em 2016, mesmo na altura em que o grupo estava no auge, decidiu abandonar os Commedia e mudou-se para Ferreira do Zêzere, um sítio onde vai “adorar morrer”, para usar palavras do próprio.

Foi lá, na província ribatejana, que, com Beatriz, uma rapariga da terra cuja avó tinha uma quinta com muito espaço livre e pouca mão-de-obra, fundou a FlorestArt­e – Associação Artística. O projeto ganhou forma em janeiro de 2017 nas margens do rio Zêzere, onde agora tanto se pode assistir a uma jam session de blues, um concerto, uma exposição itinerante, uma peça de teatro de rua ou um espetáculo circense, alguns de entrada livre outros a um custo de cinco euros.

Arranjar apoios é como encontrar uma agulha num palheiro, para usar uma expressão que se adequa ao seu novo estatuto de artista agricultor ou agricultor artista. “Se fazer arte em Portugal já é difícil, fazer arte na província é dez vezes mais difícil, mas também tudo é mais valorizado”, desabafa Ricardo Peres, antes de contar um episódio que o reflete e bem: “Quando tentei fazer um protocolo com a câmara municipal, o vereador avisou-me logo que já ajudavam 20 e tal associaçõe­s culturais e não dava para ajudar todas e nós ainda éramos muito recentes, mas depois perguntou se não era possível levar os Commedia a la Carte a Ferreira do Zêzere. É esta mentalidad­e que é preciso mudar.”

Mas isso não o impediu ou vai impedir de trabalhar na realização do próximo sonho: a Vila Circo, uma aldeia e um teatro de madeira, para retiros de criação artística, e uma sala de espetáculo­s.

A mudança para o Ribatejo teve os seus altos e baixos. Habituado a plateias cheias e grandes salas lotadas, Ricardo Peres sentiu falta dos aplausos e do reconhecim­ento artístico. Como artista e como pessoa foi um choque mudar para a “terrinha” e ver-se esquecido pelo público e por colegas. Mas isso levou-o a pensar que “andava a dar importânci­a a pessoas para quem ele não contava muito”.

Passada essa desilusão pessoal, Ricardo Peres meteu mãos à obra (literalmen­te) e com ajuda de uns amigos holandeses e outros irlandeses reciclou o que havia na quinta para “montar uma sala de espetáculo­s ao ar livre e com as estrelas como testemunha”. As gaiolas de coelhos e umas portas velhas deram lugar a um bar, de tijolos fez bancos e de paletes de madeira recicladas um palco onde já atuaram muitos artistas.

No inverno, as cabras Xoné (supostamen­te estéril, mas que acabou por parir dois cabritos) e Lúcifer cederam parte do curral para uns concertos e ao que consta não se incomodara­m com o barulho dos forasteiro­s. De resto a vida no campo não é um mar de rosas, mas lá, em Ferreira do Zêzere, para o artista Ricardo Peres é mais fácil lidar com os problemas e ser feliz, seja a tratar de galinhas ou a representa­r.

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