Energia: e se a Europa do sul resolvesse o assunto?
Apesar de todas as evidências sobre os vários tipos de escravatura que ainda existem no mundo do fabrico de vestuário, não deixamos de comprar ténis baratos, T-shirts a cinco euros, calças a dez. Aliás, raramente olhamos para uma etiqueta da roupa que compramos, e não olhamos quando vem nela inscrito um país onde essas práticas são hábitos. Nem desconfiamos desses preços, para o que bastaria fazer simples contas de cabeça: as horas de trabalho, material, deslocação. Nada.
Nesse fechar de olhos reside parte do problema. Nesse não ver – ou, pior, não querer ver – está o álibi, a desculpa, ou simplesmente a razão por que muitas continuam na barbárie. Exatamente 70 anos depois da Declaração Universal dos Direitos Humanos, e 50 depois do Maio de 68 – e do verão que se seguiu, como contamos no caderno 1864 –, tendo esta última data popularizado muita da poesia que estava vertida nesses direitos, mas de maneira muito mais formal.
A desregulação dos mercados, a desmaterialização da economia e a força da globalização foram, aliás, causa e consequência da atualização de muita dessa barbárie. Na indústria do vestuário e noutras. Como a da aviação. É disso, precisamente, que fala a reportagem do Carlos Ferro, uma viagem às rotinas das tripulações aéreas do low-cost. Não se limitando a ler comunicados e propostas, o jornalista do DN foi mesmo falar com tripulantes de cabine destas companhias. Descobriu um mercado de trabalho completamente desregulado, com falta de leis e condições. Nem todas as companhias que operam low-cost têm a mesma forma de atuar, e é também por isso que os funcionários da Ryanair protestam, numa luta que começou em Portugal e está a estender-se à Europa – na greve multinacional que vai marcar esta semana.
De um ponto de vista mais positivo, Portugal está na liderança, mas desta vez do movimento do sul europeu para partilha de energia – é por isso que António Costa vai receber Emmanuel Macron e Pedro Sánchez numa cimeira tripartida. Como explica o Bernardo Pires de Lima, para o bem e para o mal, a questão energética há de dominar os nossos próximos anos, geopolítica e relações internacionais. Nestes tempos, cuja complexidade se expressa pelo mês de julho mais frio dos últimos anos, e em que os fogos se deslocaram para norte, ninguém poderá ignorar o quanto este binómio clima-energia é tão importante para nós. Costa, Macron e Sánchez vão debater a circulação energética entre os seus três países, o que, de uma penada, significa diminuição da dependência do petróleo, e também do exterior, sobretudo desse outro binómio, recentemente explosivo, chamado Rússia-EUA.
Sobre tempos que mudam, foi esta semana aprovado o primeiro pacote legislativo que tenta regular o mercado de alojamento local – de aluguer de apartamentos proporcionado por plataformas. Que é, também, um sinal dos tempos. Quem diria que este negócio que haveria de mudar a face de cidades começou com o aluguer de colchões de ar a designers que queriam ir a uma conferência em São Francisco e não tinham hotel para ficar, em 2008. Na convenção democrática que elegeu Obama, em Denver, havia mais de 600 participantes que ficaram em apartamentos alugados desta forma. Seria sempre complexo legislar sobre algo que escapa à ordem das coisas que a lei tradicional conhece, e talvez por isso, descobriu Fernanda Câncio, a lei que acabou por sair não agrada a ninguém. Nem aos donos dos apartamentos, nem aos seus vizinhos zangados, nem, por exemplo, à Câmara de Lisboa.
Sem consenso, um dos maiores críticos de Cristiano Ronaldo é o cronista desportivo John Carlin que a Patrícia Viegas entrevista nesta edição. Em junho, estava Portugal ainda no Mundial, escreveu ele no El País que Ronaldo tinha problemas de personalidade por causa do pai, que era alcoólico. Se os consensos nunca são fáceis e muitas vezes até são burros, as reações que Cristiano Ronaldo provoca parecem estar noutro nível, o que roça a irracionalidade.