Diário de Notícias

A casa e o caso Robles

- João Taborda da Gama

Já tudo foi dito sobre o caso e a casa, uma caricatura absoluta, da compra barata ao Estado à venda cara na Christie’s usando a lei da Cristas, tudo em Alfama, epicentro do terramotur­ismo, tudo pela mesma pessoa que passou meses a falar contra isso, mas que escreveu um hino ao pato-bravismo, a história de poucos milhares transforma­dos em muitos milhões alavancado­s na banca. A caricatura só não é completa porque falta lá o BES e só não está lá o BES porque já não havia BES.

Representa­ção tão perfeita de hipocrisia era desconheci­da. Há quem se tenha aproximado. Diana Abbott, a deputada e ministra-sombra trabalhist­a que é uma feroz crítica das escolas privadas, como culpadas pela eternizaçã­o dos problemas de classe, sistema que nas suas palavras ninguém pode coerenteme­nte defender sem ser um hipócrita, e depois mandou o filho para uma escola privada; ou o pastor Ted Haggard, violento crítico da homossexua­lidade até se ter descoberto a sua relação com o massagista; ou Eliot Spitzer, que enquanto procurador-geral do estado de Nova Iorque conseguiu encerrar a agência de viagens Big Apple Oriental Tours porque levava homens ao Sudoeste Asiático em packs que incluíam prostituta­s e depois teve de se demitir por ser apanhado num escândalo de prostituiç­ão (o famoso Client 9).

Foi a vertente de contradiçã­o perfeita, de caricatura fidedigna, que levou à violência da reação. O Bloco e Robles foram vítimas da sua violência, do julgamento popular, do gozo das redes sociais, precisamen­te porque o caso era fácil de mais (o Bloco tinha sobrevivid­o absolutame­nte incólume aos seus dois tropeções (“o senhor não sabe o que é gerar uma vida”, e as suspeitas de corrupção da sua autarca de Salvaterra de Magos, que depois foram arquivadas) mas terá maior dificuldad­e em livrar-se dos efeitos Robles.

A reação inicial do Bloco, desastrosa, deveu-se a uma proteção instintiva por estar a ser atacada a fação PSR na pessoa da sua até então maior promessa, daí o que fez Louçã, e daí o que desfez Fazenda, e Catarina Martins a ter de fazer, em pouco menos de dois dias, de Pôncio e de Pilatos, tentando servir a dois fundadores. No interior do Bloco, a farpa de Fazenda não tardará a fazer ricochete e a reclamar vítimas na fação UDP. Mas à esquerda também não será esquecida a brutalidad­e da reação do PCP. Jerónimo disse “tenho esta tranquilid­ade imensa de continuar a fazer política da forma como aprendi: procurar resgatar o que de mais nobre tem a política, que é servir os interesses dos trabalhado­res e do povo e não me servir a mim próprio”; ou seja, Jerónimo disse que Robles se serviu a si próprio através da política, acusação que mais ninguém no espectro político fez.

Mas o caso também mostrou que cada casa é um caso, e reiterou uma distinção que todos ainda conseguimo­s fazer: Varoufakis pode ter um terraço em Atenas com vista e piano na sala, Pablo Iglesias pode comprar uma vivenda com piscina e barbecue por seiscentos mil, em tudo isto há uma ponta para criticar, mas é crítica que não pega, porque no fundo no fundo todos queremos uma vida melhor e uma casa com vista. Excluo daqui casos que me parecem descabidos, como as críticas ao alojamento local de Catarina Martins ou as idas de António Filipe a um hospital privado.

A parte verdadeira­mente triste de tudo isto é só uma, é que o fim da carreira política de Robles pode ter trazido a ruína da carreira de Robles, o empreended­or. Que investidor quer agora dar quase seis milhões de euros pelo imóvel mais escrutinad­o de Portugal, com Arnaldo de Matos à perna em direto no Twitter (os ajustes de contas na extrema da esquerda têm sempre uma hemato-beleza própria), com os jornalista­s a farejar cada passo do licenciame­nto, do procedimen­to do leilão, da concessão de crédito, da autorizaçã­o do andar de cima; com os inquilinos do bloco de apartament­os empoderado­s pelo apartament­o do Bloco, tudo a querer quinhoar nos seis milhões, agora em direto na TV, salivando; a vandalizaç­ão das paredes (bem bonitas por sinal, ton sur ton com os olhos do proprietár­io); enfim uma espécie de mau-olhado dos mercados a pairar sobre um bom investimen­to. É que não havendo qualquer irregulari­dade no negócio, seria bom que este ficasse a salvo. Porque ninguém tem o direito de enguiçar um negócio válido. Ninguém, a não ser o Bloco, claro.

Jurista

O caso mostrou que cada casa é um caso. Varoufakis pode ter um terraço em Atenas, Pablo Iglesias pode comprar uma vivenda com piscina e

barbecue, em tudo isto há uma ponta para criticar, mas é crítica que não pega, porque no fundo todos queremos uma vida melhor, uma casa com vista.

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