Diário de Notícias

Kumar e Jasmine

- Nuno Camarneiro

Vejo o Kumar e a Jasmine todos os dias, são meus vizinhos e têm duas lojas lado a lado, a dele é uma drogaria, a dela oferece vinhos, cervejas artesanais e conservas. Vieram de Goa, estão no bairro há oito anos e praticam uma simpatia antiga, de sorrisos rasgados e olhos que brilham.

A Jasmine está grávida de oito meses e quando lhe pergunto como se vai chamar a criança diz-me que ainda é cedo, que na sua tradição o nome é escolhido de acordo com o dia do nascimento.

“A cada dia correspond­em algumas letras e o nome é feito a partir delas. Não somos nós que decidimos.”

Acho bonito aquilo, o nome e o ser nascem juntos, princípio e verbo.

A Jasmine tem estudado os vinhos portuguese­s e vai-me falando das regiões e das castas, faz perguntas e partilha notas de prova. Notei esta semana que a oferta tem diminuído e perguntei-lhe porquê. Uma pausa, o rosto atravessad­o por uma sombra, e lá me explica o motivo.

“O prédio foi comprado por um fundo estrangeir­o, temos de sair até ao final do ano ou arranjar não sei quantos milhões de euros para igualar a proposta. Eu já recebi a carta, o Kumar está à espera da dele.”

A história é triste mas não é única, as lojas do bairro fecham e os habitantes partem. Os que resistem hesitam antes de abrir a caixa do correio, hoje ou amanhã? Para onde vão as nossas vidas?

Poderia rematar falando de política e de políticos, dos casos que se lêem nas notícias. Não quero, não me apetece e prefiro falar de Deus. Não sei que divindade dará vida e nome à filha de Kumar e Jasmine, só espero que seja generoso e lhes dê em dobro tudo o que os homens lhes tiram.

Escritor, diariament­e online

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