Diário de Notícias

Será desta que o Congo terá primeira-dama portuguesa?

- por Leonídio Paulo Ferreira

Logo atrás de Jean-Pierre Bemba, na foto a desembarca­r do jato privado em Kinshasa, surge Liliane Teixeira, a portuguesa casada com o antigo senhor da guerra congolês, dez anos preso pelo TPI até ser libertado esta semana, depois de os juízes em Haia se terem decidido pela inocência, após um recurso.

Candidato derrotado nas presidenci­ais de 2006, Bemba já se inscreveu nas eleições marcadas para 23 de dezembro. O rival de há 12 anos, o presidente Joseph Kabila, não pode ser candidato à reeleição, o que deixa em aberto muitas possibilid­ades de sucesso ao ex-exilado, que foi recebido em festa por milhares de apoiantes.

Hoje com 55 anos, Bemba perdeu a segunda volta em 2006 para Kabila. Se os resultados finais geraram dúvidas, já a divisão geográfica dos apoios foi evidente: o ocidente, que usa o lingala como língua franca, votou em Bemba, o leste, influencia­do pelo suaíli, esteve ao lado de Kabila. Este, que em 2001 se tornou o primeiro chefe de Estado no mundo nascido na década de 70, viveu na Tanzânia e havia mesmo quem dissesse que quando sucedeu ao pai falava melhor inglês do que o francês deixado pelos colonizado­res belgas.

Filho de um magnata que era próximo de Mobutu Sese Seko, Bemba sempre teve tudo para se opor ao jovem Kabila, filho do guerrilhei­ro Laurent Kabila que nos anos 60 chegou a ser ajudado por Che Guevara e tropas cubanas e que ao fim de três décadas, em 1997, conseguiu por fim chegar ao poder. Apesar do currículo de violência do seu Movimento para a Libertação do Congo nos Grandes Lagos e países vizinhos, Bemba chegou a acreditar poder chegar à presidênci­a por via do voto, mas os planos falharam. Acabou por se refugiar na embaixada da África do Sul e com o pretexto de uma perna ferida viajou até ao Algarve, onde viveu um ano na Quinta do Lago, com Liliane, mãe dos seus cinco filhos e ela filha de um transmonta­no e de uma congolesa. Numa viagem a Bruxelas, foi detido por ordem do TPI, condenado pelos crimes das suas tropas, mas entretanto solto por não poder ser responsabi­lizado pelo sucedido.

Há dois anos que Kabila devia ter deixado a presidênci­a. Mas é evidente que nem ele nem os seus fiéis estão preparados para ceder o controlo do país. Muito menos a Bemba, o arquirriva­l. Aparenteme­nte calmo depois de décadas de mortes, violências e violações perante a impotência da ONU, o antigo Zaire de Mobutu terá de escolher se quer novo presidente e a paz ou o regresso à guerra. Da parte dos mais de 80 milhões de habitantes, é evidente a escolha, mas os interesses instalados e a cobiça de outros países pelas riquezas naturais não dão garantias de que a vontade popular triunfe, até porque as divisões étnicas são facilmente ateáveis.

Em 2007 escrevi no DN uma análise sobre a República Democrátic­a do Congo com o título “A invenção de Leopoldo II”. Sim, foi como propriedad­e do rei dos belgas que o país foi criado no século XIX, 77 vezes maior do que a Bélgica, mas só com 40 quilómetro­s de costa. Fonte de inspiração para escritores desde Joseph Conrad a John Le Carré, este mesmo Congo não tem, porém, de estar condenado a ser uma invenção trágica. Quando os navegadore­s portuguese­s do século XV chegaram ao rio que dá nome ao país encontrara­m uma sociedade evoluída. Talvez Liliane possa recordar isso a Bemba e ser boa conselheir­a se chegar a primeira-dama.

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