Diário de Notícias

Os estatutos protegem-no, mas a oposição interna não lhe dá tréguas

Dias de brasa no país – e no PSD. Santana Lopes diz que está de saída e Pedro Duarte afirma-se como alternativ­a a Rui Rio. Marcelo não resiste e tanto censura Santana como alerta para riscos de fragmentaç­ão do seu partido de sempre.

- JOÃO PEDRO HENRIQUES E PAULA SÁ

Com o país político a banhos e os portuguese­s enfrentand­o uma onda de calor raramente vista, o PSD incendeia-se. Dois Pedros pegaram fogo à casa onde sempre militaram: Santana Lopes, ao confirmar, no Observador, a sua desfiliaçã­o do partido; e Pedro Duarte, ex-líder da JSD, anunciando, numa entrevista ao Expresso, que será candidato à liderança do partido e exigindo a Rui Rio que se demita já. Perante isto, a direção do PSD manteve-se no mais rigoroso silêncio. Começando pelo próprio presidente do partido, que está de férias.

Rui Rio manteve-se em silêncio e tem a seu favor uma regulação estatutári­a do partido que lhe protege o mandato pelo menos até ir a votos nas próximas eleições legislativ­as (algures no outono de 2019, se a legislatur­a for até ao fim). Para cair agora, teria de se reunir no Conselho Nacional do PSD – o “parlamento” do partido – uma maioria folgada para lhe aprovar uma moção de censura ao órgão que Rui Rio preside, a Comissão Política Nacional.

Ora essa maioria não existe, porque Rio junta aos conselheir­os nacionais que elegeu na sua própria lista muitos outros que estão no Conselho Nacional por inerência de funções (autarcas, dirigentes da JSD, etc.). Consciente desta realidade – de que os estatutos do PSD protegem o líder –, Pedro Duarte ensaiou no Expresso um argumento alternativ­o: Rui Rio deve sair pelo seu próprio pé antes das legislativ­as e dar tempo para que se forje uma nova liderança.

Dirigentes do PSD ouvidos pelo DN alvitram a tese de que a entrevista de Pedro Duarte terá surgido neste momento para marcar terreno em relação a Luís Montenegro. No último congresso do PSD, que consagrou a liderança de Rui Rio e uma aliança (entretanto extinta) entre este e Santana, Pedro Duarte não se afirmou claramente como alternativ­a ao novo presidente do partido, deixando esse espaço para Luís Montenegro.

Duarte apenas subscreveu uma moção com Carlos Moedas – o comissário europeu é visto, aliás, como outro dos possíveis candidatos à liderança, no futuro. Quem também poderá envolver-se é Miguel Pinto Luz, ex-presidente da distrital de Lisboa. No interior do PSD, por ora parece ser Luís Montenegro quem tem mais apoios. O ralhete presidenci­al Quem não se calou foi o Presidente da República (cuja campanha foi, aliás, dirigida por Pedro Duarte). Embora também de férias, sozinho, nas zonas atingidas pelos fogos do ano passado, Marcelo Rebelo de Sousa não resistiu a comentar a situação no seu partido de sempre. E não escondeu uma nota pessimista: “O que me preocupa é que a oposição não se fragmente, que deixe de ser uma alternativ­a de poder.” Quanto à desfiliaçã­o de Santana, revelou ter sido previament­e notificado pelo próprio. Ficou uma leve censura: “Para mim o partido é uma família e não se muda uma família, mas tenho grandes amigos que pensam o contrário, que é uma opção como outra qualquer e que se muda de partido quando se entende que já não correspond­e àquilo que se pretende. Eu tenho uma visão diferente.”

Marcelo pareceu assim partilhar a visão de outros dirigentes do PSD – alguns deles ouvidos pelo DN –, que dizem que a desfiliaçã­o de Santana Lopes, associada à ameaça de criar um novo partido na área da direita liberal, poderá ser tão má para o próprio como para o PSD. “Ele pode nem vir a ter votos para ser eleito deputado. Mas os que tiver virão do PSD e, com isso, o partido a passar de um grande partido para um médio partido. Isto vai ser mau para todos.”

Quem não concorda com esta tese é José Eduardo Martins, o dirigente do PSD que se revelou no mandato da troika a voz mais inconforma­da dentro do partido a criticar a governação de Passos Coelho – e que se chegou a perfilar como candidato à sucessão. Falando ao DN, aproveitou para declarar o seu imediato apoio a uma eventual candidatur­a de Pedro Duarte à liderança do partido: “Disse muito do que todos nós pensamos. É uma disponibil­idade muito grande para o futuro do PSD, quando se concretiza­r. Farei tudo o que puder para que tenha sucesso.”

Sobre Pedro Santana Lopes, José Eduardo Martins desdramati­zou: “Não acredito que um futuro partido criado por ele tenha efeito eleitoral no PSD. No limite é pior para o CDS. Uma visão mais conservado­ra da sociedade pode atrair eleitorado centrista.”

“O que me preocupa é que a oposição não se fragmente, que deixe de ser uma alternativ­a de poder.”

MARCELO REBELO DE SOUSA Presidente da República

“[Pedro Duarte] diz muito do que todos nós pensamos. Farei tudo para que tenha sucesso.”

JOSÉ EDUARDO MARTINS Dirigente do PSD

“Este é um texto difícil. Falo de uma relação de 40 anos com o PSD, de alegrias e abnegações várias, momentos únicos de realização em que procurei contribuir para consolidar a democracia.

Talvez devesse ter tomado esta decisão há mais tempo.

[Neste ano] decidi candidatar-me à liderança do PPD-PSD (...) Vinha aí uma estratégia de condescend­ência para com o PS, para mim um erro grave.

Quero intervir num espaço em que não se dê liberdade de voto quando se é confrontad­o com a agenda moral da extrema-esquerda.

Não apago estes 40 anos no PPD-PSD, a quem desejo sucesso.”

PEDRO SANTANA LOPES Ex-líder do PSD

“O PSD, tão cedo quanto possível, deve mudar de estratégia e de liderança.

O PSD desistiu de apresentar uma alternativ­a ao PS e está empenhado em substituir o BE e o PCP no apoio ao governo socialista.

Estou preparado para liderar uma nova estratégia no PSD e uma nova esperança para o país, em nome do interesse nacional.

Os militantes pensavam estar a escolher um candidato a primeiro-ministro, mas na verdade escolheram um candidato a vice-primeiro-ministro.

Não contesto a sua legitimida­de formal [de Rui Rio], mas contesto a legitimida­de política.”

PEDRO DUARTE Ex-líder da JSD

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