Só na Grande Lisboa ficaram de fora mais de 1500 crianças com 4 anos.
Rede pública já devia garantir lugar no pré-escolar para crianças desta idade, mas isso não acontece em Lisboa e no Porto. Governo admite abrir mais salas, como nos últimos dois anos.
Aum mês do início do ano letivo, ainda são mais de 1500 as crianças de 4 anos que não têm lugar na rede pública do pré-escolar, apenas em Lisboa. Só em Alcochete, por exemplo, 90 crianças de 4 anos ficaram fora da rede pública de jardins-de-infância (JI). Resta-lhes esperar que o Ministério da Educação (ME) abra mais vagas. Ou então recorrer aos privados.
Como a lei passou a determinar que a rede pública tem de garantir lugar para estas crianças, o ministério admite abrir mais salas até setembro. “Da mesma forma que aconteceu nos dois últimos anos letivos em que existiu a abertura de 170 novas salas, irão abrir-se neste ano novas salas de pré-escolar na rede do Ministério da Educação em colaboração com as autarquias, para acautelar as necessidades na procura.”
À espera e sem a certeza de que os filhos sejam colocados a tempo, os pais têm apresentado queixas, como as 25 registadas nos últimos dez dias no Portal da Queixa. O problema confina-se apenas a “alguns concelhos urbanos limítrofes das cidades de Lisboa e Porto”, como admite o ministério, e onde a oferta para os 4 anos ainda só chega aos 94%, deixando de fora 6% das crianças com esta idade, segundo a mesma resposta enviada ao DN. Ainda assim, os diretores de escolas defendem que se devia fazer um levantamento das necessidades mais cedo, para que o problema não fosse arrastado para setembro, quando muitas famílias já tiveram de procurar alternativas.
O ME não indicou exatamente a quantas crianças correspondem os 6% que não têm vaga, mas de acordo com os números do Instituto Nacional de Estatística, só na Grande Lisboa existem mais 27 500 crianças nesta idade, o que significa que cerca de 1600 não têm ainda lugar na rede pública. Pais obrigados a pagar no privado A filha de Nicolas Ferra está neste momento em 10.º ou 15.º lugar na fila de espera para entrar na rede pública. Depois de apresentar queixa, a justificação que recebeu foi de que “Alcochete cresceu muito por causa dos estrangeiros que vieram para cá morar”. O próprio Nicolas veio de França – “onde todas as crianças depois dos 2 anos têm lugar nas creches públicas” – e não percebe como o Estado pode anunciar a universalidade do pré-escolar para os 4 anos e depois não colocar todos os alunos com essa idade. “Inscrevi a minha filha nas cinco escolas que existem em Alcochete”, insiste, como que para mostrar que não ficou de fora porque apenas indicou uma opção.
O mesmo aconteceu com Sónia Alves, cujos filhos foram encaminhados para escolas diferentes. “Disseram-me que havia muitas crianças e que só teria lugar para a minha filha, no pré-escolar, a dois quilómetros de casa e para o meu filho, no 1.º ano, a um quilómetro. Isto apesar de ter uma escola com tudo isto a 300 metros de casa”, conta. Natural de Santa Marta, Corroios, também apresentou queixa junto do agrupamento, e a resposta foi que “havia muitas crianças”. O DN contactou a escola para perceber as dificuldades de colocação nesta faixa etária, mas perante a ausência da diretora ninguém da direção se mostrou disponível para prestar esclarecimentos.
Para Filinto Lima, presidente da Associação de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas, o problema é pontual, mas devia ser resolvido com mais antecedência. “Tem de haver antecipadamente um trabalho das autarquias com o ministério para ver se são necessárias mais salas.” O diretor do agrupamento Dr. Costa Matos, em Vila Nova de Gaia, confessa que não teve muitos problemas a colocar todos os alunos de 4 e 5 anos (para quem a lei garante 100% de oferta na rede pública). “Quem tem família vai-se desenrascando e ainda pode esperar para ver se há vagas em setembro e outubro, mas para quem não tem, ficar à espera é dramático”, reconhece o responsável.
Em Lisboa, Manuel Esperança (diretor do agrupamento de Benfica) ainda anda às voltas com as vagas para o pré-escolar e para o 1.º ano. “Temos alguns alunos inscritos para os quais ainda não temos lugar”, refere. No pré-escolar, onde tem oito salas a funcionar, o que dá à volta de 160 vagas, o professor reconhece que se “se entraram alguns alunos de 4 anos, foram mesmo muito poucos”.
Como é só em setembro que os pais confirmam que querem a vaga que lhes foi garantida, as famílias que estão em lista de espera têm de começar a procurar alternativas. Sónia Alves admite que não consegue continuar a suportar o custo do privado. “Os meus filhos estão abrangidos pela ação social escolar, o que significa que temos dificuldades e não posso esperar até outubro para saber se ela tem vaga. Ela está no particular, mas não conseguimos pagar mais, como tem 4 anos e está abrangida pela oferta pública, temos apresentado reclamações. Já não tenho onde deixar a menina em setembro e isso significa que eu ou o meu marido vamos ter de deixar de trabalhar.” Sónia é consultora informática e o marido começou agora a trabalhar como programador.
Também Nicolas Ferra diz-se obrigado a pensar numa alternativa antes de setembro. “Voltei a inscrever a Laura no privado. Por sorte ainda tinha vaga na escola onde andava. O conselho que me deram foi mesmo esse, mantê-la no privado, em vez de es-
perar uma vaga no público que fique muito longe de casa, porque para o ano ela tem 5 anos e entra garantidamente na área de residência.”
Vagas aparecem, mas tarde O ME garante que vai conseguir lugar para todas as crianças inscritas na rede pública. Lembrando que além da abertura de novas salas, “a rede nacional de educação do pré-escolar é composta por escolas da rede do Ministério da Educação e das instituições do setor social e solidário com acordo de cooperação celebrado com o Estado”. A justificação para a falta de vagas é que se trata de “territórios sujeitos a grandes fluxos demográficos ou onde afluem, por motivos profissionais, muitos encarregados de educação que desejam que os seus educandos frequentem JI próximo do trabalho”.
Para Filinto Lima não basta criar as leis – como a da universidade do pré-escolar para os 4 anos, que data de 2015 – “depois é preciso planear”. “E esse trabalho de planeamento tem de ser feito todos os anos nos locais onde há mais população”, acrescenta. Já Jorge Ascenção, presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais, defende que “é preciso dar prioridade” a esta resposta no pré-escolar, lamentando que as famílias tenham de encontrar outras soluções, fora da rede pública.