Diário de Notícias

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Estudo genético põe fim às especulaçõ­es. Não há qualquer traço genético do Homo floresiens­is no ADN dos rampasasa da ilha das Flores. A pequena estatura, dizem os cientistas, resulta do “efeito das ilhas”.

- FILOMENA NAVES

Em 2003, um grupo de arqueólogo­s descobriu um estranho esqueleto humano na caverna de Liang Bua, na ilha das Flores, na Indonésia. A pequena dimensão dos ossos e do crânio causou de imediato sensação, mas nessa altura a equipa, que era coordenada pelo australian­o, entretanto falecido, Michael Morwood, da Universida­de deWollongo­ng, não podia sonhar que a sua descoberta ia tornar-se uma autêntica bomba.

O que os arqueólogo­s tinham desenterra­do na caverna era afinal um novo membro da família humana, o Homo floresiens­is, como o batizaram por causa da ilha onde foi encontrado. E a controvérs­ia que se seguiu – houve quem não aceitasse que se tratava de uma nova espécie, e levou uma década até que isso ficasse estabeleci­do – acabou por dar fama quase instantâne­a ao hobbit, como ficou conhecido, dada a sua pequena dimensão, a lembrar o pequeno povo do Shire, do escritor J.R.R. Tolkien.

O certo é que a descoberta, hoje considerad­a uma das mais importante­s deste século nesta área, abriu espaço para novos estudos e visões sobre a família humana e as suas viagens através do planeta, desde logo na região asiática e na ilha das Flores. E um desses estudos nasceu de uma constataçã­o imediata: a da existência de uma população de pigmeus na ilha das Flores – os rampasasa – que vive, justamente, na região da caverna de Liang Bua, onde foi encontrado o esqueleto, que era de uma mulher e não excedia um metro de altura.

A pergunta era inevitável: teriam estes pigmeus das Flores algum parentesco com o extinto Homo floresiens­is?

Serena Tucci, investigad­ora da Universida­de de Princeton, nos Estados Unidos, decidiu procurar a resposta, e dois anos depois de ter iniciado um estudo sobre isso chegou a um veredicto: não, os atuais pigmeus das Flores não são descendent­es do Homo floresiens­is, que viveu naquela mesma ilha há cerca de 60 mil anos, tendo-se extinguido depois disso.

Para chegar a esta conclusão, que foi publicada nesta sexta-feira na revista Science, Serena e a sua equipa recorreram a um ins- trumento precioso, hoje imprescind­ível nos estudos de antropolog­ia: a genética.

Um grupo de 32 rampasasa acedeu a participar no estudo, disponibil­izando amostras de saliva e de sangue, mas havia um senão, que era o facto de não existirem dados genéticos do Homo floresiens­is. Ou seja, não havia termo de comparação.

Para superar o problema, os investigad­ores desenvolve­ram uma abordagem inovadora, que consistiu em fazer comparaçõe­s com o ADN (informação genética) já conhecido de outros hominídeos, os neandertai­s e os denisovas, e verificar se o ADN que sobrava era desconheci­do e, portanto, passível de pertencer a outra espécie.

O resultado mostra que a herança Neandertal e Denisova está presente no genoma dos rampasasa, mas não há nenhum ADN de origem desconheci­da.

“Parece um resultado aborrecido, mas na verdade não é”, diz Richard Green, da Universida­de da Califórnia, um dos autores do estudo. “O nosso resultado significa que estas variantes genéticas já estavam presentes num antepassad­o comum dos europeus e dos pigmeus das Flores.”

Quanto à estatura dos rampasasa, que ronda em média 1,45 metros, o que são mais 40 cm em relação à do hobbit, a explicação reside no chamado “efeito das ilhas” na evolução das espécies. Como dizem os cientistas, nas ilhas acontecem coisas estranhas: os animais grandes diminuem de tamanho e os mais pequenos tendem a ficar maiores, um mecanismo que permite equilibrar a luta pelos recursos disponívei­s.

Com este estudo, fica também demonstrad­o pela primeira vez que o “efeito das ilhas” também abrange a espécie humana, como aconteceu com os rampasasa. Mas, claro, isto abre mais uma porta para novos estudos, para se perceber qual foi exatamente o mecanismo que o determinou.

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A ilha indonésia das Flores é um laboratóri­o extraordin­ário para estudar a genética das populações. O seu isolamento preservou muita informação que veio do passado.

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