Encontrei em Bissau o filho do nosso furriel
Fernando Hedgar da Silva está junto ao talhão dos combatentes portugueses no cemitério de Bissau e tenta aproximar-se de Rui Rio. É o livro verde na mão que me desperta a atenção. Digo que sou jornalista e a resposta é um sorriso e uma explicação: “O meu nome é Fernando Edgar da Silva, com H no Hedgar. Foi o que encontrei no meu batismo. Mas não sabia disso, vivi com o nome Fernandinho da Silva nos documentos muitos anos. A Catarina Gomes conta a minha história no livro. Sou o que pensava que o pai português se chamava Furriel.”
Catarina é jornalista. Fernando apareceu na reportagem no Público que ela escreveu sobre os filhos que os portugueses deixaram em África. Os “filhos do vento” ou os “filhos do tuga”, designações que desagradam sempre a alguém, mas que tentam explicar o que são estes africanos de pele mais clara que há décadas sofrem discriminação por serem filhos de soldados que estiveram na guerra do ultramar e em algum momento se envolveram com mulheres guineenses, angolanas ou moçambicanas.
Premiada, a reportagem evoluiu para um excelente livro, apresentado em Lisboa por Ferreira Fernandes, o diretor do DN. Furriel não É Nome de Pai é o título. Editado pela Tinta da China, tem capa verde. Já o comprara e foi assim que percebi o que Fernando trazia.
Fernando cresceu em Teixeira Pinto, hoje Canchungo. Nessa terra do leste da Guiné, recorda-se de em menininho ser acarinhado pelos soldados portugueses. Davam-lhe marmelada. Lembra-se das dificuldades que viveu depois de a independência ser reconhecida por Portugal em 1974, teria ele uns 6 anos, por ser o “branco da mãe, o seu branco, a única coisa que ela ganhou dos portugueses”. Do pai quase nada sabe. “Sei que era de um batalhão que estava lá. Como não percebo nada de militares, tentei procurar se um batalhão é composto de quantos pelotões e mais não sei quê, mas não consegui ainda até agora. Tenho de procurar um militar português, um furriel, mas quando chego lá dizem que não têm tempo. Qualquer filho tem de saber quem é o pai e a mãe. Eu sei quem é a minha mãe, é guineense, mas o meu pai não sei quem é. Eu identifico-me como do norte”, conta-me Fernando, que fundou a Associação Fidju di Tuga, mulatos que como ele querem saber quem era o pai. Ao seu lado, Pedro Lopes, também filho de militar português. Está com a camisola da seleção, o 7 de Ronaldo.
É por pensar que o pai é do norte, talvez do Porto, que Fernando insiste em falar com Rui Rio. Quer dar a conhecer o seu caso e o de outros. Rio, que escolheu Bissau para passar o primeiro Dia de Portugal como líder do PSD, aceita conversar. Fernando mostra o livro ao antigo presidente da Câmara do Porto. Falam uns minutos. Quase que posso adivinhar que Fernando tenta resumir a sua história enquanto pede a Rio que o ajude a ser português. “É isso que eu tento, nacionalidade e proteção para nós, filhos que os militares deixaram para trás, e os nossos descendentes”, diz-me no final. E pede que eu ajude também a que em Portugal se conheça os “filhos de tuga”. É por isso que conto agora este episódio. Nunca é tarde de mais.
Jornalista