Diário de Notícias

O mordomo da cantora conta a sua história

- TEXTO Sr. Santos

Ficção ou realidade? Esta é a história do português que concorreu a um lugar de mordomo da cantora

e ficou com o cargo. Entre Os Maias, as mornas

e o hip hop, a visão cínica do Sr. Carlos ajuda a desvendar a vida lisboeta da estrela mundial. Como ela marcou Lisboa e

como Lisboa a marcou.

Todos os homens dela seguiram com as suas vidas. Só o Medina é que ficou entalado.

2 de janeiro de 2017

Acabo de assinar contrato para assumir a função de mordomo na mansão de madame Madonna, depois de ter trabalhado durante 23 anos na casa dos D’Orey Vasconcell­os, aqui mais acima, na Rua de São Domingos à Lapa. Ao ler o papel, reparei nos nomes do meio dela, Louise Veronica, que é como se chama a neta da minha irmã. Falei-lhe logo nisso. Não deve ter percebido porque ficou a olhar para mim durante 30 segundos, sem dizer uma palavra. Um dia trago a Luísa Verónica para vir brincar com a Esther e a Stella.

19 de janeiro de 2017

Amanhã entro ao serviço. Não estou nervoso. Sei muito bem que madame Madonna é famosa mas sou sincero: só conheci uma estrela na vida, a minha tia Adelina, que morava na Travessa do Olival a Santos e cantava numa casa de fados em Alcântara, A Travessa do Entornado. Essa, sim, era uma vedeta. Não digo que a madame Madonna não tenha jeito e que as músicas La Isla Bonita, Papa Don’t Preach e Like a Virgin não tenham a sua beleza. Não é isso. De qualquer maneira vou tratá-la como um ser humano que merece o meu respeito.

8 de março de 2017

Hoje não foi diferente. Almoço e janto sempre no restaurant­e Riscas, no Largo Dr. José de Figueiredo, e soube que a madame nunca lá foi, o que é pena porque ia provar o melhor bitoque de Lisboa. Amanhã vou aconselhá-la a ir a uma pastelaria que fica aqui perto, no número 32 da Rua Presidente Arriaga, a Pastelaria Monte Sinai, lugar adequado para alguém que acredita na cabala. Aqui no bairro sabe-se que a madame Madonna já foi com um senhor à Boulangeri­e, sobre o Chafariz das Janelas Verdes. Não pediu um sumo de laranja & framboesa. Bebeu um moscatel. Vá lá. Depois foi para o Ramalhete a cantar A Minha Casinha.

3 de maio de 2017

Só hoje percebi que o David não chega a casa estafado por causa das centenas de autógrafos que dará por ser filho de uma artista. Joga no Benfica, o moço. E foi para fazer cumprir o sonho do rapaz de ser futebolist­a profission­al que a família veio viver para a capital portuguesa. Desde que o meu padrinho me inscreveu como sócio, a minha equipa é o Belenenses, que para o ano faz cem anos. O David devia era ir jogar para as distritais, como vai fazer orgulhosam­ente o meu clube. Quero vê-lo com uma camisola do Matateu.

16 de agosto de 2017

Hoje foi dia de festa porque a material girl fez anos, 59. Trouxe-lhe uma salva de prata com o nome de todos os funcionári­os do Palácio Ramalhete. Também lhe dei à parte um bolo de arroz que a minha Natércia faz e que é daqui. O desentupid­or Carlos ofereceu-lhe uma versão inglesa de Os Maias.

14 de setembro de 2017

Foi a história do dia. Ontem à noite, a madame Madonna pôs a tocar o Erotica na aparelhage­m e encostou o cozinheiro José Heitor à parede, de modo lascivo. Chamou-lhe brother muitas vezes enquanto imitava os movimentos libidinoso­s do teledisco. E pediu para ele a tratar como sister. O José Heitor, meio atrapalhad­o, obedeceu. Toda a gente já desculpou o episódio: madame Madonna tinha acabado de ler Os Maias.

6 de outubro de 2017

Ao fim deste tempo todo ainda há muitas pessoas do bairro que nunca a viram. Mesmo funcionári­as do hotel aqui à frente. O novo desporto das Janelas Verdes é o avistament­o de Madonna. Há uma página da internet sobre isso. Ela, é sabido, prefere algo mais majestoso: andar a cavalo. Ainda vamos ver o Putin e o Nuno da Câmara Pereira aqui no Ramalhete.

15 de Dezembro de 2017

Soube que a madame conheceu a Celeste Rodrigues. Cantaram as duas uma música do Elvis. E já planearam uma ida a Nova Iorque para a passagem de ano. Espero que corra tudo pelo melhor. A Celeste é a única pessoa que pode rivalizar com a minha tia Adelina.

17 de abril de 2018

Aqui em casa tem tocado na aparelhage­m, de manhã à noite, muito fado e muita morna. Não percebia porquê até ao momento em que falei com a Cláudia, a empregada de limpeza. Ela contou-me baixinho que a madame tem ido muito a um bar em Alfama, onde há muita mistura musical, com música de Cabo Verde e fado. Costuma lá ir – comentou a Cláudia – com uns manequins e com o Dino S’antiago, que conheço muito bem porque votei sempre nele na Operação Triunfo. Depois da cusquice, tomei a liberdade de recomendar à madame o Carlos Ramos. Até cantei o Não Venhas Tarde mas acho que não fui muito bem-sucedido. Ela ficou a olhar para mim durante 40 segundos, calada.

4 de maio de 2018

Hoje fiz esta reflexão depois da polémica do estacionam­ento. Todos os homens com quem madame Madonna se envolveu prosseguir­am com as suas vidas. Os seus ex-maridos, Sean Penn e Guy Ritchie, sobreviver­am ao fim da relação. Só o Medina é que ficou entalado.

9 de julho de 2018

Arranjei através de um amigo cozinheiro que trabalha numa pizzaria minhota a pré-edição da Vogue italiana. Espreitei a revista na cozinha antes de a madame Madonna aparecer a assobiar o Borderline. Reparei nas fotos que está vistosa e feliz. Já não acha que é complicado viver em Lisboa e já não tem uma vida de freira. É bonito vê-la assim, bem-posta. Estou cansado de a ver de pijamas. E com aquelas raízes no cabelo.

1 de agosto de 2018

Tive um sonho ontem. Sonhei que o novo álbum de Madonna era uma mistura de fado, kizomba, ópera, UHF e pimba e lá no meio se ouvia uma senhora a cantar Holiday depois de ter bebido sete copos de moscatel. Acordei e tomei o meu cholagutt. Levantei-me e fui ter com a equipa que está a preparar os 60 anos da madame, que adiou uma digressão por causa da festa. Vai ser uma celebração das grandes e vai meter ex-maridos, filhos e uma série de amigos. Não sabemos se o Medina vai aparecer. O Robles, que é um moço bonito, confirmou presença. A ideia é irmos todos dançar o Hung Up pelas ruas de Lisboa.

 ??  ?? “Na Vogue italiana, madame está vistosa e feliz. Já não acha que é complicado viver em Lisboa e já não tem uma vida de freira. É bonito vê-la assim, bem-posta. Estou cansado de a ver de pijamas. E com raízes no cabelo.”
“Na Vogue italiana, madame está vistosa e feliz. Já não acha que é complicado viver em Lisboa e já não tem uma vida de freira. É bonito vê-la assim, bem-posta. Estou cansado de a ver de pijamas. E com raízes no cabelo.”

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