Diário de Notícias

José Mendes “Táxi não fica menos competitiv­o com lei da Uber”

Limitação à idade dos carros é uma das principais mudanças no setor do táxi que vão avançar até final do ano, adianta secretário de Estado adjunto e do Ambiente, José Mendes.

- Texto: Diogo Ferreira Nunes LEIA TODA A ENTREVISTA EM DINHEIROVI­VO.PT

Limite de dez anos de idade para os táxis, benefícios fiscais dados apenas na compra de veículos novos e faturação eletrónica certificad­a são as principais mudanças a caminho. Secretário de Estado diz-se preparado para os protestos dos taxistas, previstos para setembro.

Na semana em que o Presidente da República promulgou, à segunda tentativa, a lei que regulament­a a atividade da Uber, da Cabify e da Taxify [plataforma­s de TVDE – transporte em veículos descaracte­rizados], o governo garante que o setor do táxi não vai ficar menos competitiv­o. Em entrevista ao Dinheiro Vivo, o secretário de Estado adjunto e do Ambiente, José Mendes, adianta que as mudanças vão chegar até ao final do ano. Limite de dez anos para os táxis, benefícios fiscais dados apenas na compra de veículos novos e faturação eletrónica certificad­a são as principais mudanças a caminho. O governante diz-se ainda preparado para os protestos dos taxistas, previstos para setembro. O Presidente da República promulgou a lei da Uber e as associaçõe­s de taxistas não gostaram. Teme que possa haver manifestaç­ões como em Espanha? Não temos qualquer temor. A manifestaç­ão é um direito. O setor é que sabe da sua vida. É curioso constatar que o alvo do discurso tem mudado: primeiro, foi o secretário de Estado; depois, passaram a ser o governo e a Assembleia da República; agora, é o Presidente da República. No final do dia, isto tem a ver com o debate do Portugal que queremos ou daquele em que acreditamo­s: o país das corporaçõe­s ou o país das instituiçõ­es democrátic­as, que respeitam as corporaçõe­s mas que não se deixam capturar pelos seus interesses. O processo legislativ­o [da lei da Uber] decorreu de forma exemplar e até devia ir para os manuais de boas práticas. Teve debate público e aprovação do governo, do Parlamento e do Presidente. Com todo o respeito por todas as opiniões, é assim que as coisas funcionam. O período de discussão poderia ter sido um pouco mais curto, mas é um diploma complexo, que teve sempre a participaç­ão do setor. A indústria dos taxistas foi a mais recebida desde que estou no governo. Sabemos que tem manifestad­o relutância a esta nova modalidade de transporte. Mas estamos num estado de direito e os taxistas já protestara­m várias vezes. Em Espanha, a situação não é comparável a Portugal. Os rácios de táxis por mil habitantes em Madrid e em Barcelona são o dobro do que existe em Portugal. É um mercado muito mais saturado. Em Espanha, há uma regra que limita as licenças de um Uber ou um Cabify por cada 30 táxis. Faria sentido algo deste género em Portugal? Essa questão já não está em debate. Ainda bem que houve a aprovação final da lei da Uber no Parlamento, porque assim não se pode conotar esta legislação com o governo A ou o governo B. As pessoas entendem que as plataforma­s são um serviço válido e que era necessário clarificar esta regulament­ação. O TVDE não é um sistema fechado: o setor do táxi, se entender que há mais vantagens em ter operações em veículos ligeiros através do modelo TVDE, pode fazê-lo quando o quiser. O número de prejudicad­os deste processo é zero. Mexer apenas na contribuiç­ão das plataforma­s para o Estado foi suficiente? O Parlamento entendeu que a contribuiç­ão das plataforma­s não deveria ser remetida para uma portaria, o que era uma das preocupaçõ­es do Presidente da República no veto. Também foi clarificad­a a situação em que os industriai­s do táxi podem operar no modelo TVDE. O Presidente da República também referiu que valia a pena olhar para o setor e encontrar equilíbrio­s. Esse é o tema em que estamos mais à vontade. Também estamos a trabalhar na sua modernizaç­ão: apresentám­os a primeira proposta em 2016; já estamos a discutir um novo documento no governo e tivemos um grupo de trabalho com as associaçõe­s do setor e o IMT – Instituto da Mobilidade e dos Transporte­s. Elencámos alguns pontos, que serão revistos e nos quais o governo se revê. Demos uma resposta cabal às preocupaçõ­es do Presidente da República. Se assim não fosse, o diploma não teria sido promulgado. A legislação do táxi vai voltar a ser discutida? Não precisamos de fazer alterações no Parlamento. Bastam mudanças num decreto-lei e em algumas portarias. Houve consenso na limitação da idade dos veículos, de

10 anos, com um período de transição para os carros em circulação. Também vamos restringir os benefícios fiscais para a compra de táxis: a dedução 70% do imposto sobre veículos (ISV) vai aplicar-se apenas aos veículos que cumpram a norma Euro6, o que contribui para a descarboni­zação. O apoio para a compra de veículos elétricos varia entre 5000 e 12 500 euros, conforme a idade do carro que for entregue para abate. Poderemos ajudar, só neste ano, na compra de 75 táxis. O pacote para os carros sem emissões vale um total de 750 mil euros. Quando é que estas alterações entrarão em vigor? Em princípio, até final do ano. Vai coincidir com a entrada em vigor da lei da Uber? Não tem de coincidir. Mas foi um dos avisos do Presidente da República no veto. Se o Presidente da República tivesse entendido que esta seria uma condição sine qua non, com certeza não teria promulgado o diploma. Não estou a ver como isto afete a competitiv­idade do setor do táxi em relação aos TVDE. Não é preciso fazer grandes mudanças no quadro regulatóri­o. Eles estão confortáve­is com estas mudanças. Pelo governo, as mudanças no setor do táxi seriam mais profundas? Fomos até onde o setor quis. O sistema de transporte de passageiro­s em veículos privados, com estes ajustes, está equilibrad­o para a indústria do táxi. Não tenho nenhum caderno reivindica­tivo para eles. Mostrámos abertura e demos passos importante­s em princípios como a transparên­cia e a descarboni­zação das frotas. Estamos a cumprir os objetivos da mobilidade do governo. Não houve acordo com as associaçõe­s no controlo à limitação das horas de condução. As associaçõe­s disseram-nos que têm sistemas de controlo internos e que não vão contra a lei. Nos TVDE, introduzim­os um limite de dez horas de condução porque neste setor, ao contrário do táxi, o mesmo condutor pode estar em vários operadores e plataforma­s ao mesmo tempo. Pode conduzir seis horas numa plataforma­s e seis horas noutra no mesmo dia. Em maio, o secretário de Estado admitiu que era necessária uma simplifica­ção dos tarifários. Como ficou esta questão? A convenção de preços é negociada entre o setor dos táxis e a Direção-Geral das Atividades Económicas. Isto envolve a Secretaria de Estado do Comércio. Ficou acordado que seriam iniciadas agora as conversas para rever a convenção tarifária. Um das queixas dos clientes é que os tarifários são muito complexos e têm muitos suplemento­s, o que confunde as pessoas. Qualquer simplifica­ção é bem-vinda, desde que proteja o consumidor. As mudanças na dedução do ISV já têm autorizaçã­o das Finanças? Isso terá de ser feito ao abrigo do Código de Benefícios Fiscais. Só terá efeitos em sede de Orçamento do Estado. Depois de um grupo de trabalho e da entrada em vigor das portarias, isto pode convencer as associaçõe­s de taxistas de que o setor não está em risco de desaparece­r? Entendo que é suficiente, porque foram as questões suscitadas pelas associaçõe­s. O setor do táxi não vai ficar menos competitiv­o. Vai continuar a ter o seu espaço no ecossistem­a de mobilidade das cidades. Passará a ter mais concorrênc­ia, mas também vai modernizar-se. No fim do dia, o cidadão será o mais beneficiad­o, porque terá mais opções. Os táxis vão puxar pelos TVDE. Esperamos que concorram de forma leal e transparen­te. Poderá haver parcerias entre associaçõe­s de taxistas e as plataforma­s? O céu é o limite. Nos transporte­s públicos, há passes combinados e parcerias. Neste setor, se os atores o desejarem, isso também pode acontecer. É preciso que tragam mais serviço para o passageiro e que sejam sustentáve­is. O transporte em veículos ligeiros continua a responder a muitas necessidad­es e as viagens dos passageiro­s não se compadecem com o sistema rígido de transporte­s públicos. O mercado está lá. É preciso fazer as coisas como deve ser. Entendo que o futuro é risonho para os táxis e os TVDE.

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FOTO: DIANA QUINTELA/GLOBAL IMAGENS José Mendes, secretário de Estado adjunto e do Ambiente, fotografad­o junto ao seu gabinete, em Lisboa.

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