Travagem no investimento põe futuro da CP em risco
Grupo de empresários e técnicos de transporte quer que Portugal agilize as negociações com a União Europeia para garantir financiamento para a rede ferroviária.
TRANSPORTES A redução do investimento nos últimos anos deixou a CP com material velho, não estando preparada para o aumento de passageiros, sobretudo turistas, e para a liberalização do mercado em 2020. “A CP corre o risco de desaparecer”, alerta Manuel Tão, professor da Universidade do Algarve.
São necessários 12,3 mil milhões de euros para construir os três principais corredores ferroviários em bitola europeia (internacionais norte e sul, e atlântico) e, desta forma, assegurar a interoperabilidade no espaço da União Europeia até 2030. As contas de Luís Cabral da Silva, especialista em transportes e vias de comunicação, e um dos signatários do manifesto Portugal, Uma Ilha Ferroviária na Europa, têm por base o custo de linhas semelhantes em Espanha. O investimento é elevado para os cofres do país, mas há a possibilidade de candidatar os projetos ao próximo quadro comunitário de apoio e obter um financiamento de 85%. Neste caso, o Estado português precisaria de 1,845 mil milhões.
Luís Cabral da Silva, e os outros signatários do manifesto, em que se incluem individualidades como Mira Amaral e Henrique Neto, veem com grande preocupação a “inércia” do governo nesta matéria e consideram que o atual plano em curso, o Ferrovia 2020, não é mais do que um conjunto de “obras de conservação” da rede ferroviária. Na opinião de Cabral da Silva, Portugal não pode perder a oportunidade de negociar financiamento junto das instâncias europeias para a construção de linhas férreas de bitola europeia, com o foco no transporte de mercadorias, pois corre o risco de perder competitividade. “Podemos ficar na dependência completa dos espanhóis para as nossas transações comerciais via terrestre para a Europa”, alerta. Os três corredores ferroviários fazem parte da rede de nove linhas transeuropeias consideradas core pela União Europeia.
Bruxelas definiu que até 2030 quer retirar 30% do tráfego rodoviário de mercadorias das estradas e transferir esse transporte para os setores marítimo e/ou ferroviário. As metas são ainda mais ambiciosas até 2050, altura em que o objetivo é ter apenas 50% do atual volume de camiões pesados de mercadorias nas estradas. E porquê? Para responder aos problemas ambientais causados pelas emissões dos veículos rodoviários, incrementar a segurança nas estradas, diminuir a dependência das energias fós- seis e promover uma maior coesão económica e social.
Para Cabral da Silva, o plano que o governo tem em curso de modernização das linhas ferroviárias portuguesas não serve estes intentos. “É útil, mas não passa de obras de conservação. Uma coisa é manutenção e reparação, outra é dar um passo em frente”, sublinha. O mercado europeu é o principal destino das exportações portuguesas, “se tivermos obstáculos pelo caminho, isso vai ter custos e as empresas perdem competitividade”.
O dilema da bitola
O cerne desta questão prende-se com as diferenças de largura entre a bitola ibérica e a europeia. A distância entre carris na Península Ibérica é mais larga em 23 centímetros do que além-Pirenéus, ou seja, os comboios não têm condições técnicas para seguir para a Europa Central. Cabral da Silva lembra que os espanhóis já têm linhas em bitola europeia e se ainda não investiram nesta alteração nas linhas que cruzam a fronteira com Portugal é porque o país não deu indicações de que iria avançar nesse sentido. “Os espanhóis já estão a fazer portos secos em Badajoz, em Salamanca e em Vigo. É o mesmo que dizer tragam cá as mercadorias e nós transportamos”, acusa.
Um documento da Infraestruturas de Portugal (IP), gestora pública das vias férreas, aponta como solução a aplicação de bitolas poli- valentes nos corredores internacionais norte e sul, obra contemplada no Ferrovia 2020, e quando a bitola europeia chegar à fronteira serão então construídas estações de transição. Só numa fase posterior, também sem calendarização, será feita a migração para a europeia. Para o corredor atlântico, a IP admite a construção de uma nova linha em bitola europeia “a concretizar a muito longo prazo”. No mesmo documento, a IP realça que isto “não significa que Portugal assuma uma posição passiva em relação aos investimentos ferroviários em Espanha”.
“Os espanhóis têm estado a construir as suas vias de bitola europeia e nós ainda não começámos”, frisa Cabral da Silva. Certo é que a travessia pela orla marítima dos Pirenéus já está ativa e a orla atlântica em Irún deverá estar concluída em 2020. Os signatários do manifesto querem, por isso, que Portugal comesse já a negociar o próximo quadro comunitário 2021-27 com Bruxelas e que apresente os projetos. “Corremos o risco de ficarmos sujeitos aos custos de transbordo fronteiriço” e de “agravar a situação de país periférico”. Cabral da Silva avisa ainda que o país ficará dependente dos portos secos espanhóis e “nas mãos do monopólio dos operadores ferroviários de bitola ibérica”. A somar já surgiu uma nova versão, em que desaparece o corredor internacional norte (Aveiro-Vilar Formoso) e surge uma extensão do corredor atlântico para os portos galegos, ou seja, a indústria do norte do país deixaria de contar com uma linha direta para a Europa, via Salamanca, e ficaria dependente da Galiza.