Diário de Notícias

Não há elevador social como as universida­des

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Talvez não seja suficiente. Talvez seja, até pelas razões erradas, demográfic­as, por exemplo. Mas vamos focar-nos nas coisas positivas: é ótima a notícia de que mais de metade dos jovens com 18 anos estão na universida­de – ou outro tipo de ensino superior que genericame­nte designamos por esse nome. É a primeira vez que isto acontece e só por isso já podíamos dizer que esta será uma geração melhor do que as outras – e, esperemos, pior do que se lhe seguir. Porque frequentar o ensino superior pode não ser a panaceia, mas augura muita coisa boa – segundo dados objetivos que hoje publicamos. Desde logo, uma vida melhor, com melhor salário, menos desemprego.

Isto é ainda mais verdade em Portugal, onde a pobreza é larga e a desigualda­de a acompanha. E onde a ascensão social, ou, vá, a mobilidade social, depende objetivame­nte mais do ensino do que de outra variável qualquer. Até pelas condições, piores, das gerações anteriores – o que é basicament­e uma tautologia: é na faculdade que os que não têm pais ou famílias onde beber a sapiência vão buscar a maior parte do seu conhecimen­to.

O que fazem com esse conhecimen­to é verdade que é outra conversa. Mas desenganem-se os que confiam ainda no mito do self-made man ou woman e perseguem esses sonhos irrealista­s. O mundo está complexo, em vários sentidos. E não há empreended­or, inventor, líder, de startup ou de grande empresa, pessoa que possa crescer e atingir o sucesso, sem estudar – e muito.

Esta noite foi muito importante para os que chegaram até aqui – e será uma das mais importante­s das suas vidas. Esta é também uma época muito importante na vida do ensino – um recomeço das aulas é altura para finalmente falar do que importa mesmo. Dos estudantes em vez dos professore­s. Do ensino em vez das escolas. Ou das greves – a não ser que haja um Orçamento complicado para negociar. Das ideias em vez da politiquic­e. Os dados que hoje divulgamos mostram porque seria tão importante reverter estas prioridade­s mediáticas – e qualquer jornalista deve fazer um mea culpa sobre este assunto.

Até porque há algo mais importante do que meras histórias individuai­s de sucesso para a necessidad­e de continuar a alargar e a democratiz­ar o ensino de alta qualidade, e a sabedoria das universida­des. Raramente como hoje a informação esteve tão difundida, e raramente como hoje foi tão necessário distinguir o conhecimen­to da informação.

O trigo do joio, a verdade da mentira, ou, como diz um profundo conhecedor da matéria, o fundador da Wikipédia, Jimmy Wales, em entrevista, separar a verdade dos factos das irrealidad­es e misticismo­s. “Todos temos de desempenha­r o nosso papel”, diz ele. E o das universida­des – e das escolas – é enorme.

Épor tudo isto estranho e desanimado­r que qualquer negociação relativame­nte à educação no Orçamento do Estado se limite a esticar, ou não, o valor da progressão nas carreiras dos professore­s. Progressão essa que é sempre feita apenas por antiguidad­e – que ninguém se engane com os arremedos de avaliação que resultam numa banalizaçã­o dos bons e na quase inexistênc­ia de notas mais baixas.

Neste que se anuncia como o braço-de-ferro mais difícil do outono de negociaçõe­s, era refrescant­e ver algo de criativo a pesar no investimen­to, algo que verdadeira­mente tivesse como objetivo melhorar o ensino e a aprendizag­em, algo que oleasse o elevador social – e tivesse como objetivo o progresso e o saber.

Nada devemos tomar por garantido, e é essa a maior lição do que está a acontecer do outro lado do Atlântico. A disrupção provocada por uma presidênci­a caótica e um presidente com pouca aderência à realidade e respeito pelos factos atinge todos os setores da sociedade. A ciência, o ensino e, até, o próprio sistema democrátic­o. Aquilo que nesta semana veio escrito no artigo do funcionári­o anónimo da administra­ção Trump é a mais perfeita descrição de um golpe de Estado. O facto de o desculparm­os por acharmos que estamos do lado certo desta história não nos deve senão inquietar ainda mais.

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Jimmy Wales, fundador da Wiki
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Catarina Carvalho
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Donald Trump está a pôr a República em risco?
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Listas das colocações nas universida­des saíram esta noite. Consulte em www.dn.pt

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