Diário de Notícias

O interior: o seu conceito e a sua realidade

- Maria Antónia Almeida Santos

Efacilment­e aceitável por todos que o sucesso de uma iniciativa política decorre, com frequência, também da sua capacidade de concretiza­r a aceitação coletiva e consensual de uma mudança. Mas em poucos casos isso será tão evidente como com toda e qualquer iniciativa política ligada ao interior e à sua valorizaçã­o. E porquê? Porque o desafio, nesta área, consiste não só na aferição das melhores respostas, concertada­s e com visão de curto, médio e longo prazo, a uma questão que é profundame­nte estrutural, mas também no redesenhar de um conceito profundame­nte enraizado no imaginário português – o conceito de “interior”. Para alterar o conceito que temos do interior, urge alterar-lhe a realidade.

O nosso conceito de “interior” alterou-se significat­ivamente com dois momentos da nossa história recente: com Abril e com a abertura à Europa. Estes dois momentos permitiram a Portugal quer reequacion­ar – pela conquista da liberdade – a relação entre o poder central e o poder local quer ter acesso a fundos que nos permitiram começar a afastar o estigma da assimetria territoria­l. Hoje, é claramente necessário continuar a lutar pelo abandono da trajetória insustentá­vel da desarticul­ação. Porquê? Porque creio que a assimetria de oportunida­des, quando instalada, pode ser facilitado­ra de fenómenos tão prejudicia­is à democracia como é, por exemplo, a demagogia do populismo. A luta pela equidade regional e o combate à litoraliza­ção progressiv­a e excessiva devem ser, nesta medida, entendidos também como garante da democracia.

A desconstru­ção da ideia de que a interiorid­ade de um território lhe desvirtua o potencial não se resolve com a mera construção de uma estrada que o atravesse. É necessária a (re)afirmação positiva do interior, articuland­o as medidas e as políticas com a especifici­dade dos território­s, criando assim condições para a vitalidade que apenas a fixação das pessoas pode trazer. E como fazer tudo isto?

A valorizaçã­o do território é, indiscutiv­elmente, um desígnio do atual governo. O elenco das medidas eleitas é vasto e variado e assenta em vetores estratégic­os como a coesão, a competitiv­idade, a sustentabi­lidade e a qualificaç­ão. O reforço dos mecanismos de transferên­cia de serviços públicos para o interior, com incentivos à mobilidade geográfica, em particular de funcionári­os públicos, os apoios e incentivos para a captação de investimen­to estratégic­o, a aprovação do estatuto da agricultur­a familiar e o alargament­o do ensino superior no interior, garantindo a redistribu­ição regional de vagas nas universida­des e nos institutos politécnic­os públicos, são apenas alguns dos muitos exemplos.

Esta linha de atuação resultou da aposta num nível mais elevado de mobilizaçã­o das comunidade­s para o processo democrátic­o e para a definição de estratégia­s e soluções, possível apenas pela capacidade de aproximaçã­o do poder de decisão aos cidadãos e às instituiçõ­es. Continuemo­s, então, a lutar juntos por um interior melhor para todos. Um interior que seja próximo e igual em oportunida­des. Mas o que é então o interior, um território de baixa densidade populacion­al? Tenho dúvidas e não gosto deste conceito.

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