O que liga o surf adaptado às decisões sobre a Europa
A praia de Carcavelos foi a rampa de lançamento da campanha institucional para as eleições europeias, que promoveu um dia de para todos.
Uma pequena tabuleta ao fim da rampa para a praia de Carcavelos avisa para o estado de espírito: “Fábrica de sorrisos”. O dia, que acordou cinzento e a chuvinhar, parecia desmentir essa hipótese. Mas não demorou muito para ver sorrisos, abraços, gargalhadas e gritos de alegria durante um dia de prática de surf adaptado, numa organização conjunta da Surfaddict –Associação Portuguesa de Surf Adaptado, do Gabinete do Parlamento Europeu e da representação da Comissão Europeia (CE) em Portugal.
Uma moto, um furo num pneu e um pinheiro formaram uma fatídica associação que aos 17 anos deixaram Luís Rodrigues paraplégico. Hoje, aos 55, faz questão de marcar presença em atividades desportivas e recreativas. “Tento ir ao máximo de eventos que posso”, diz, enquanto espera pela vez.
Após a inscrição, há que vestir o fato e depois ser transportado para a água numa cadeira anfíbia. “Vais parecer o Super-Homem”, brinca um dos voluntários, enquanto Luís se equipa de vermelho. E como é a experiência de estar no mar? “A sensação é fantástica. Estamos num elemento natural, onde conseguimos sentir uma liberdade que não é tão fácil nestas circunstâncias. O elemento água transmite-nos essa possibilidade, essa liberdade de sermos mais leves naturalmente e de conseguirmos usufruir de uma forma que é mais difícil noutras situações”, explica.
Formada em 2012, a Associação Portuguesa de Surf Adaptado já levou para dentro de água mais de 1800 pessoas de todo o país. Se a missão da Surfaddict é “abrir o surf a todas as pessoas com deficiência”, como diz o seu presidente, Nuno Vitorino, o principal objetivo é “a divulgação e a projeção das pessoas com deficiência, não só ao nível do desporto mas também da cidadania. Estamos a falar de tirar as pessoas de casa e trazê-las para a sociedade”, conclui.
O antigo nadador paralímpico reconhece que os programas e as verbas de Bruxelas “têm muito peso”. O surf adaptado é um exemplo de como uma política europeia pode mexer na vida das pessoas. Capacitar todos como iguais A representação da UE em Portugal assinalou o início da campanha institucional das eleições europeias com esta chamada de atenção. A quem se encontrava na praia distribuiu um folheto com informações sobre o tema, como a UE estar a elaborar um cartão de deficiência, ou o programa Erasmus+ financiar em 100% os estudantes.
Estas medidas resultam da Estratégia Europeia para a Deficiência 2010-2020. O programa tem como meta genérica “capacitar as pessoas com deficiência para que possam usufruir de todos os seus direitos e beneficiar plenamente da sua participação na sociedade e na economia europeias”. Em concreto, a CE comprometeu-se a trabalhar em oito áreas. No caso do surf adaptado promove-se a participação (“tornar acessíveis as organizações e atividades desportivas, culturais e recreativas”).
A UE adotou o programa em novembro de 2010, pouco antes de a Convenção da ONU sobre os direitos das pessoas com deficiência ter entrado em vigor. Todos os Estados membros ratificaram a convenção, que tem força de lei – à exceção da Rep. da Irlanda.
A estratégia tem como objetivo, por exemplo, subir a taxa de emprego dos cidadãos com deficiência para 75%, quando antes se situava em cerca de 50%, baixar os níveis do abandono escolar para menos de 10% e tirar 20 milhões dos cerca de 80 milhões de europeus com deficiência (número que em 2020 pode ascender a 120 milhões) da pobreza ou do risco de pobreza e exclusão.
Em 2017 foi publicado um relatório da CE de balanço dos primeiros cinco anos. Ouvidos representantes e associações, concluiu-se que as áreas onde os progressos menos se notaram foram o acesso ao emprego e a escolaridade; o maior progresso deu-se no campo das acessibilidades: 28% da estratégia tinha sido adotada. Desta vez eu voto A ação na praia de Carcavelos serviu também para publicitar o lançamento da página www.destavezeuvoto.eu. Feito ao nível europeu, o site foi criado com o objetivo de envolver os cidadãos, ao apelar para que estes se inscrevam e dessa forma sinalizem (em especial aos seus conhecidos) que estão interessados em participar no ato eleitoral que decorre de 23 a 26 de maio. Vão ser eleitos 705 deputados de 27 países – é a primeira votação para o Parlamento Europeu (PE) sem contar com o Reino Unido.
Mas estas eleições prometem ter outros pontos de interesse. É o caso da correlação de forças, tendo em conta os grupos políticos europeus e a erosão previsível de partidos no centro do espectro político nos países mais populosos e a possível ascensão de partidos nacionalistas, populistas e iliberais. A este fenómeno, que já vem de trás, junta-se uma novidade absoluta, os movimentos paneuropeus como o VOLT ou a Primavera Europeia. Para terem direito a formar um grupo novo no Parlamento Europeu, um movimento tem de obter um mínimo de 25 deputados eleitos em sete países diferentes.
Por outro lado, o presidente francês, Emmanuel Macron, quer elevar o seu movimento à escala europeia e agitar as águas ao constituir um “movimento progressista” até ao fim do ano. A República em Marcha ainda não decidiu se vai juntar-se a algum grupo político existente ou se irá participar na criação de um. Certo é que Macron não concorda com a fórmula para a escolha do presidente da Comissão. “Uma anomalia democrática”, comentou o ex-porta-voz de Macron e atual secretário de Estado, Christophe Castaner. Segundo as regras que entraram em vigor em 2014, previstas no Tratado de Lisboa, o Conselho Europeu designa um candidato, a ser aprovado pelo PE, tendo em conta os resultados das europeias.