Listas de espera para consultas consideradas urgentes já vão em dois anos
Dados de agosto mostram que 75 consultas hospitalares têm esperas superiores a um ano e cerca de 20 delas superam os dois anos.
São 1624 dias, mais de quatro anos e meio. Este é o tempo que um doente de Trás-os-Montes pode contar esperar por uma primeira consulta de urologia no hospital de Vila Real, que no máximo devia ter resposta em cinco meses. É, entre todos os hospitais do país, o caso mais extremo de esperas muito para lá do que prevê a lei, mas ainda assim longe de ser o único: em Faro, uma consulta de ortopedia demora em média 1606 dias, uma consulta prioritária de dermatovenereologia em Aveiro, que devia ser realizada em dois meses, está a demorar quase quatro anos, e cardiologia na Guarda não responde em menos de três anos, dados a 30 de junho mas atualizados apenas no final de agosto pelo governo no portal dos tempos de espera do SNS. Ao todo, há 75 consultas hospitalares de norte a sul com demoras superiores a um ano e cerca de 20 delas superam mesmo os dois anos.
E, se a maioria tem uma prioridade considerada normal pelos serviços, o panorama em relação aos casos muito prioritários, que deviam ser atendidos no prazo de um mês, mostra que quase centena e meia de consultas excede os chamados tempos máximos de resposta garantidos, algumas delas largamente, como dermatovenereologia em Aveiro (298 dias) e nas Caldas da Rainha (239 dias) ou cardiologia no Tâmega e Sousa (143 dias), Tomar (116) e Torres Novas (111 dias).
Em quase todas estas situações, um padrão: são hospitais de zonas consideradas carenciadas, com um histórico equiparável de tentativas de contratações de médicos para algumas das especialidades mais necessitadas, como de vagas desertas em concursos para colocação de especialistas. Um problema crónico que também tem reflexo nas respostas dos três centros hospitalares contactados pelo DN, Trás-os-Montes, Algarve e Aveiro. “No que diz respeito à urologia em Vila Real, no último concurso não foi atribuído nenhuma vaga para esta especialidade”, “a dilatação dos tempos médios de espera para acesso a primeira consulta deve-se essencialmente à reconhecida carência de médicos especialistas nas referidas áreas na região do Algarve, à semelhança do que acontece noutros hospitais e zonas do país”; “mesmo nos concursos nacionais para contratação de médicos especialistas as vagas de dermatologia têm ficado por preencher na região centro, pelo facto de não existirem manifestações de interesse por parte de novos especialistas em dermatologia”. “Uma vergonha nacional” “Estes tempos de espera são uma vergonha nacional”, reage o bastonário da Ordem dos Médicos. Miguel Guimarães pede mesmo a intervenção do primeiro-ministro para tentar resolver o problema de falta de especialistas no interior, que se arrasta há anos, e avança desde logo uma ideia reciclada de uma proposta recente do próprio António Costa. “Devem ser dados incentivos a sério para médicos se fixarem nessas zonas, como as condições que estão a ser concedidas aos emigrantes para regressarem a Portugal, com a isenção de impostos. E depois vemos que se criam incentivos fiscais para atrair estrangeiros para o nosso país, mas percebemos que não existe essa estratégia para fixar profissionais no interior.” Atualmente, informa o Ministério da Saúde, existem cerca de 200 médicos a receber incentivos no SNS, que passam por uma subida de 40% no salário e o aumento da duração do período de férias.
O gabinete de Adalberto Campos Fernandes contra-argumenta que os tempos máximos de resposta são cumpridos em mais de 90% das especialidades em todo o país e que se registam “casos pontuais” de não cumprimento integral dos prazos, “que mesmo assim têm vindo a melhorar em diversas especialidades e hospitais nos últimos meses, como Trás-os-Montes e Alto Douro ou Baixo Vouga e as especialidades de dermatovenereologia ou de oftalmologia”.
Miguel Guimarães, que já foi presidente da secção norte da ordem, conhece bem as dificuldades do Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro em várias especialidades e acusa a Administração Regional de Saúde de não dar prioridades a esta zona. “No caso da urologia, tivemos
Cerca de 150 consultas muito prioritárias, que deviam ter resposta em 30 dias, excedem os tempos legais. Algumas demoram mais de cem.
apenas três vagas para todo o norte no último concurso para recém-especialistas. Vila Real tem apenas dois urologistas, não tem sequer capacidade para formar internos. Isto numa região muito envelhecida e numa especialidade que abarca problemas tão diversos como o cancro da próstata, o mais prevalente, problemas de bexiga e rins, infertilidade, disfunção erétil, infeções urinárias. Devia ser tomada uma opção e dizer ‘nos próximos concursos temos de concentrar ali vagas suficientes para resolver o problema’”, defende o bastonário, também ele urologista, no Hospital de São João.
No que diz respeito à urologia, no último concurso não foi atribuído nenhuma vaga para Trás-os-Montes, onde 2254 pessoas esperavam por uma consulta da especialidade no final do primeiro semestre. O centro hospitalar espera agora que as 28 vagas que lhe foram atribuídas em outras especialidades em julho deste ano “sejam preenchidas para que desta forma seja possível o reforço da capacidade de recursos humanos médicos e, assim, combater-se as listas de espera em algumas espe-cialidades”. Ortopedia, pneumologia, oftalmologia e o rastreio da retinopatia diabética são outras especialidades com esperas bem acima de um ano em Vila Real.
“Trás-os-Montes tem dificuldades até para manter as três urgências dos seus hospitais [ Vila Real, Chaves e Lamego]”, sublinha Miguel Guimarães. “Os problemas do centro hospitalar já chegaram até à Assembleia da República, mas não são resolvidos.”