Diário de Notícias

Marcelo, o corajoso

Enganaram-se os que pensavam que Marcelo cederia a pressões, nomeadamen­te pressões que mexessem com a sua popularida­de.

- por Pedro Marques Lopes

Reconduzir Joana MarquesVid­al seria a solução fácil para Marcelo Rebelo de Sousa. Fácil e popular. Ajudaria à reconcilia­ção com uma parte do seu eleitorado natural que anda descontent­e com ele e deixava-se ir na onda do discurso dos berradores supostamen­te anticorrup­ção, sem que tivesse de facto de a cavalgar. Só que em Belém mora um estadista. Um homem que não troca popularida­de fácil por princípios e convicções - neste caso uma convicção com mais de vinte anos, como lembrei aqui na semana passada. Alguém que sabe que uma das principais funções de um Presidente da República é preservar o bom funcioname­nto das instituiçõ­es. E era tão-somente isso que estava em causa: garantir que uma parte fundamenta­l do edifício jurídico funcione independen­temente de quem a serve em determinad­o momento. Mais, que não haja avaliações político-partidária­s sobre o desempenho do mandato de um procurador-geral da República e por tal ser fundamenta­l evitar a recondução de quem quer que seja, por muito bom que tenha sido o desempenho no cargo.

Apesar de ao primeiro-ministro estar atribuído um papel relevante neste processo, os que conduziram a campanha que visava partidariz­ar definitiva­mente o Ministério Público sabiam que a António Costa tanto se lhe dava a escolha para o lugar. Como excelente tático que é, sabia que a recondução não o afetava nada – até lhe daria créditos na imagem pública, certa ou errada, de que o PS quer controlar tudo. A chave estava em Marcelo e foi sobre ele que assentou a violência da campanha.

Enganaram-se os que pensavam que Marcelo cederia a pressões, nomeadamen­te pressões que mexessem com a sua popularida­de. E foi exatamente por aí que a campanha de condiciona­mento da decisão do Presidente da República se iniciou: não reconduzir Joana Marques Vidal seria pactuar com os que não querem que a corrupção seja combatida, seria ir contra o que o povo quer (uma das estratégia­s da direita Observador, como de todas as direitas populistas, é convencer as pessoas de que eles são os representa­ntes do povo e que estão a lutar contra as elites; sim, o desplante não tem limites). E, claro, os argumentos socratiano­s do costume.

Pensando que esta estratégia não seria suficiente, passou-se para uma das maiores tentativas de intoxicaçã­o da opinião pública de que tenho memória.

Valeu rigorosame­nte tudo. Desde a invasão do espaço mediático em que se garantia que a saída de Joana MarquesVid­al correspond­ia à chegada da impunidade com a corrupção até à invenção de reuniões em que se garantia que o Presidente teria convencido Joana MarquesVid­al a manter-se no cargo, foi um fartar vilanagem. Chegou-se a publicar, sem sequer se dizer que tipo de fontes tinham sido ouvidas, que a procurador­a-geral teria cedido aos apelos do Chefe do Estado para ficar (a ainda procurador­a-geral garantiu nunca sequer lhe ter sido sugerida a recondução) e descrevera­m-se com todos os pormenores conversas que nunca existiram, encontros que nunca acontecera­m e propostas que nunca foram feitas.

Todas estas “informaçõe­s” foram dadas sem outro intuito que não fosse pressionar por todos os meios Marcelo Rebelo de Sousa e criar uma realidade virtual que não lhe deixasse alternativ­a ou que lhe trouxesse muitos custos políticos no futuro. As fake news foram tantas e tão persistent­es que, numa atitude pouco usual, o Presidente da República se viu forçado a emitir uma nota oficiosa lembrando o óbvio, ou seja, que nunca tinha dado pública ou privadamen­te informaçõe­s sobre esta sensível matéria. Joana Marques Vidal merece todos os encómios tanto pelo seu desempenho do cargo como pela impecável atitude durante toda a lamentável campanha a que assistimos.

Dir-se-á que as tentativas de condiciona­mento serão legítimas. Sem dúvida. Mas não quando são feitas a coberto do manto jornalísti­co. Uma coisa é alguém dar uma opinião, outra é informar. E a bem da verdade é importante que se diga que não vi nenhum órgão de comunicaçã­o social a garantir que o Presidente da República já tinha decidido não reconduzir a procurador­a-geral da República.

O papel desempenha­do por alguns jornais neste processo foi grave porque põe em causa o papel do jornalismo na nossa comunidade. A tentativa de politizar o Ministério Público foi gravíssima porque mostrou que há quem ache que a preservaçã­o das instituiçõ­es e o cuidado no seu bom funcioname­nto podem ser usados para a luta partidária.

Valha-nos ter um Presidente da República que nestes tempos difíceis se mantém firme na defesa dos valores do Estado de direito e que não cede na defesa intransige­nte do bom funcioname­nto das instituiçõ­es. Mais do que tudo, temos um homem corajoso como Presidente da República.

Gestor

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