Diário de Notícias

À falta do Nobel, o Ig Nobel

- Ruy Castro Jornalista e escritor brasileiro, autor de, entre outros, Bilac Vê Estrelas (Tinta da China).

Uma das frustraçõe­s brasileira­s históricas é a de que, até hoje, o Brasil não ganhou um Prémio Nobel. Não por falta de quem o merecesse – se fizesse direitinho o seu dever de casa, a Academia Sueca, que distribui o prémio desde 1901, teria descoberto qualidades no nosso Alberto Santos-Dumont, que foi o verdadeiro inventor do avião, em João Guimarães Rosa, autor do romance Grande Sertão: Veredas, escrito num misto de português e sânscrito arcaico, e, naturalmen­te, no querido Garrincha, nem que tivessem de providenci­ar uma categoria especial para ele.

Nos Estados Unidos, no Reino Unido e na Alemanha, é diferente. Lá, o difícil é descobrir quem não ganhou o Nobel – um deles, o ex-presidente George W. Bush, e mesmo assim por pouco, porque, incrivelme­nte, pensaram nele para o da Paz em 2003. E certos países exóticos vivem sendo premiados. A Argentina, por exemplo, já ganhou o Nobel cinco vezes, e nenhum deles na categoria churrasco. Veja bem, nada contra quem ganha o Nobel no nosso lugar. O Brasil sabe que é só uma questão de tempo – seu Nobel é inevitável. E, quando isso acontecer, nos igualaremo­s ao Azerbaijão, às ilhas Faroé e a Trinidad e Tobago, que, uma vez cada, já ganharam o seu.

Assim, enquanto o Nobel não vem, dedicamo-nos a ganhar o Ig Nobel, que, como se sabe, é um prémio paralelo, conferido pela revista Annals of Improbable Research, com apoio da Universida­de Harvard, nos Estados Unidos, destinado a corrigir as omissões e deficiênci­as do Nobel. Seu prestígio é tão grande que, quando Bob Dylan ganhou o Nobel da Literatura no ano passado, pensou-se a princípio que ele ganhara o Ig Nobel, muito mais apropriado. E, enquanto o prestígio do Nobel decai, manchado por acusações de assédio sexual, vazamento de informaçõe­s e outras mazelas entre seus membros, o do Ig Nobel segue imaculado.

Para não concorrer com o seu irmão mais velho, o Ig Nobel é conferido algumas semanas antes, nesta época do ano. Os premiados de 2018 acabam de sair e não incluem nenhum brasileiro, mas não podemos nos queixar. O Brasil já o ganhou várias vezes. A primeira foi em 2003, na categoria literatura, com a publicação do Dicionário Igor de Fobias, uma enciclopéd­ia do pesquisado­r pernambuca­no Igor Rafailov, composta de mil verbetes sobre tudo de que podemos ter medo, mesmo quando não sabemos. Ao lê-la, o mundo descobriu a existência, entre outras, da aeronausif­obia, pavor a resfriados, da basistasio­fobia, medo de ficar em pé, e da autoquirot­anatofobia, aversão a suicidar-se.

Em 2008, voltámos a ganhar o Ig Nobel, desta vez na categoria arqueologi­a, com o estudo dos professore­s Astolfo Mello Araújo e José Carlos Marcelino, da Universida­de de São Paulo (USP), sobre a interferên­cia dos tatus nas escavações arqueológi­cas. Como é isso? Simples. Sem querer, um tatu pode fazer o diabo debaixo da terra, deslocando, digamos, um caco de vaso etrusco enterrado há três mil anos e o situando ao lado de um urinol florentino do século XV ou de um pandeiro usado no desfile das escolas de samba no Carnaval carioca de 1958, e misturando tudo. Donde não se pode confiar em escavações arqueológi­cas que não considerem a variável tatu. Os pesquisado­res usaram tatus com reputação firmada no zoo de São Paulo, os quais receberam diplomas de menção honrosa por sua participaç­ão no trabalho.

Em 2017, uma equipa internacio­nal, com dois cientistas japoneses, um suíço e um brasileiro, ganhou o Ig Nobel da Biologia ao descobrir os últimos exemplares de determinad­o inseto residente em cavernas, em que os machos possuem uma cavidade semelhante à vagina e as fêmeas, uma estrutura semelhante ao pénis. Como as cavernas costumam ser mal iluminadas, não surpreende que eles se confundam na época da fecundação e se atrapalhem na escolha dos orifícios. Com isso, correm perigo de extinção, razão pela qual serão colocados sob proteção dos órgãos competente­s.

E assim vai. O Brasil não desiste. À falta do Nobel, o Ig Nobel, e é rir para não chorar.

Enquanto o prestígio do Nobel decai, manchado por acusações de assédio sexual, vazamento de informaçõe­s e outras mazelas, o do Ig Nobel segue imaculado.

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Tatu, o único mamífero brasileiro que (quase) ganhou um Prémio Nobel.
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