Diário de Notícias

Como um judeu austríaco pôs tão alto a fasquia ao Brasil

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Escreveu Stefan Zweig: “Agora me acho na foz do Amazonas, ou melhor, numa das suas fozes, das quais cada uma é mais larga do que a de qualquer dos nossos rios da Europa.” Uso a tradução feita no Brasil (Zweig, austríaco, usava o alemão na sua obra) para homenagear o país que o grande escritor tornado apátrida pelos nazis designou como o do futuro. Chegado de uma Europa que Hitler (outro austríaco, transforma­do em führer da Alemanha) condenara à destruição através da guerra, o judeu Zweig deixou-se deslumbrar pela imensidão do Brasil, onde cabem a Ucrânia, a França, a Espanha, a Polónia, a Alemanha, a Itália, toda a Escandináv­ia e ainda mais uns quantos países europeus. Deixou-se também deslumbrar pela quantidade de gente e a diversidad­e dela, mais de 200 milhões hoje, muitos descendent­es de portuguese­s, muita mestiçagem de branco, índio e negro, muitos filhos e netos de italianos, alemães ou japoneses, muita mistura variada mesmo. O mais famoso dos presidente­s brasileiro­s, Juscelino Kubitschek, criador de Brasília, usava o apelido checo da mãe, mas era Oliveira por parte do pai.

Com tal terra e tal povo, imaginou Zweig, só havia um destino possível e daí o nome do livro que publicou em 1941 e logo foi um sucesso, com tradução nas principais línguas: Brasil, País do Futuro. Era um livro, pois, de um homem deslumbrad­o, de alguém que cresceu nesse cosmopolit­a Império Austro-Húngaro já desapareci­do, e que desiludido com a Europa desesperad­amente procurou uma utopia, encontrand­o-a nesses trópicos que falam português. Ironia, Zweig suicidou-se no Brasil um ano depois do livro. Não estava desiludido com o país, simplesmen­te deixou de acreditar na humanidade.

Passaram quase 80 anos desde a passagem de Zweig pelo Brasil, mas a promessa do livro mantém-se. E às vezes surgem políticos que parecem destinados a aproveitar o melhor da terra e do povo para concretiza­rem o tal futuro. Kubitschek foi um deles, mas a seguir chegou a ditadura militar. Lula da Silva, o metalúrgic­o, foi outro, capaz tanto de fazer a economia crescer como de alimentar os mais pobres, mas a seguir veio uma sucessora sem carisma e sem génio, o fim do alto valor das matérias-primas e a fragmentaç­ão ainda maior do sistema partidário brasileiro, terreno fértil para as múltiplas traficânci­as que a justiça tem vindo a mostrar e que não poupam nem Lula (preso por corrupção, apesar de liderar as sondagens presidenci­ais até há pouco) nem, muito menos, o seu partido.

No dia 7 de outubro vai ser eleito novo presidente. Lideram as sondagens Jair Bolsonaro, um capitão que escolheu um general para vice e tem um discurso de extremadir­eita, e Fernando Haddad, que era para ser só o número dois de Lula se este pudesse candidatar-se. Um ganhou fôlego à custa do antilulism­o, o outro só pode ganhar se for o campeão do lulismo, ainda forte nas camadas pobres e no Nordeste. À espera de uma oportunida­de neste Brasil dividido está Ciro Gomes, homem do centro-esquerda capaz de falar grosso com Bolsonaro como este faz com os adversário­s. Não sei se é homem para dar ao Brasil o tal futuro, mas talvez seja o melhor que os brasileiro­s têm para escolher nesta altura. Pelo menos tem no currículo um livro de título pragmático: Um Desafio Chamado Brasil.

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