A equipa de craques que joga em liga secundária e leva o Benfica aos recordes
A goleada de 28-0 ao Ponte Frielas fez a nova equipa de futebol feminino do Benfica ser falada um pouco por toda a Europa. São 20 profissionais que alimentam o sonho de chegar ao mais alto patamar de uma modalidade em expansão.
Foi uma goleada que entrou para a história do futebol português. Os 28-0 com que a nova equipa feminina do Benfica brindou o Ponte Frielas, na primeira jornada do campeonato da II Divisão, correu mundo durante a última semana, com os jornais online ingleses, franceses, alemães, entre outros, a dar eco ao cartão de apresentação do Benfica. O vídeo com os golos tornou-se viral. Não podia ser mais impactante o primeiro jogo oficial de uma equipa criada neste ano de raiz, mesmo que o adversário tenha sido obrigado a apresentar uma defesa central à baliza, devido à ausência das guarda-redes do plantel.
Com o final desse jogo a aproximar-se e o resultado a avolumar-se, percebeu-se, pela forma como as jogadoras se posicionavam após cada golo, que o objetivo era alcançar uma goleada ainda maior. “Quisemos mostrar que esta equipa quer quebrar recordes”, assume ao DN Catarina Bajanca, guarda-redes de 22 anos, que se saiu com um afirmativo “pois” quando questionada sobre se o objetivo era chegar aos 30 golos na estreia. João Marques, o treinador, admite que “ninguém estava à espera daquele resultado”, mas que serviu para atrair as atenções dos adeptos benfiquistas para uma equipa que está agora a dar os primeiros passos e que pretende jogar nos limites, também por uma questão de respeito pela competição. “Acho que este resultado vai atrair mais pessoas aos nossos jogos, até porque mostrámos também uma boa qualidade de jogo”, frisou o técnico de 42 anos.
Daiane Rodrigues, de 32 anos, internacional pelo Brasil que representou históricos como Corinthians e Internacional de Porto Alegre, é o exemplo da ambição que norteia esta equipa na II Divisão. “Queremos alcançar mais goleadas, pois será a consequência do trabalho que fazemos diariamente”, frisou a polivalente jogadora do Benfica, que é uma das sete brasileiras do plantel. A influência dos irmãos Daiane não hesitou um segundo em deixar o seu país, onde tinha uma carreira sólida e recheada de títulos, incluindo uma Taça dos Libertadores, para abraçar um projeto que diz ser aliciante na sua carreira. “O Benfica quer ser uma potência do futebol feminino a nível mundial e eu quis pertencer à história de uma equipa desde a sua raiz”, assume a defesa, que é futebolista profissional desde os 15 anos. “Nunca quis ser outra coisa na vida, pois fui influenciada pelo meu irmão, três anos mais velho, Cléber Luís, que foi profissional e até jogou na Europa [Rep. Checa, Eslováquia e Arménia]”, assume a jogadora natural de São Carlos, no interior do estado de São Paulo.
Enquanto Catarina Bajanca, natural de Almada, foi atraída para o futebol “aos 7 ou 8 anos” por causa das emoções que viveu no Euro 2004, realizado em Portugal, Inês Queiroga, uma das atletas mais novas da equipa, natural de Chaves, foi desafiada pelo irmão. “Jogávamos em casa e foi o meu irmão que me incentivou. Fui para o Desportivo de Chaves, onde comecei a jogar com os rapazes no futebol de sete”, conta. No início da época passada, deixou a sua terra para jogar no Sp. Braga, onde teve “uma adaptação difícil”. Neste ano mudou-se para Lisboa,
onde “tudo está a ser mais fácil, pois o Benfica oferece todas as condições”. Profissionais e estudantes E entre essas condições estão também os... estudos. “Estou no primeiro ano de Biologia da Faculdade de Ciências”, revela a transmontana Inês, garantindo que “de momento está a ser fácil conciliar” as duas coisas. “Quero aproveitar o futebol enquanto puder, quero viver disto, mas é preciso ter uma segunda opção de vida”, explica, assumindo que neste momento a biologia faz parte do seu plano pós-futebol.
As 20 jogadoras que estão às ordens de João Marques são todas profissionais. E há até o caso de Ana Filipa Lopes, conhecida por Tita, que aos 29 anos decidiu abraçar o profissionalismo, suspendendo a profissão de fisioterapeuta em Pedrógão Grande, de onde é natural, que na época passada acumulava com o posto de defesa central no União Ferreirense.
Além da futura bióloga Inês Queiroga, há ainda quatro outras jogadoras que prosseguem os seus estudos universitários. A espanhola Pauleta, de 21 anos, que nas duas épocas anteriores representou o Sp. Braga, está a tirar o curso de Química, na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Andreia Faria, a mais nova do plantel, com 18 anos, está em Economia na Universidade Católica. Diva Meira, nascida há 18 anos em Barcelos e que representava oVilaverdense, candidatou-se ao curso de Gestão. A outra estudante é Catarina Bajanca, que está no 2.º ano do mestrado em Desporto e há quatro anos é treinadora, primeiro no CIF e agora nos infantis do Benfica. “O futebol será sempre a minha vida”, garante.
Os treinos no Estádio da Tapadinha são diários, quase sempre de manhã, por forma a permitir-lhes conciliar o futebol com os estudos. “Temos tudo organizado, pois vão poder prosseguir os estudos, o que também é importante para elas e para nós”, garante o treinador, que destaca as condições que encontrou na Luz. “Temos todas as ferramentas que precisamos para dar condições às jogadoras para representarem o Benfica. Estamos supercontentes”, sublinha.
Catarina Bajanca explica que a equipa tem “suporte alimentar com o apoio de nutricionistas, um bom gabinete de fisioterapia”, enfim, “as jogadoras são bem acompanhadas em todos os sentidos” para que tenham um bom desempenho.
A experiente Daiane diz que a principal diferença em relação àquilo que estava habituada no Brasil são “as estruturas e a organização das competições”. “Aqui há 50 equipas na II Divisão, algo que não existe no Brasil, onde não há muita gente nos estádios, tirando nas finais. Lá há muito a melhorar”, revela.
É certo que seleção brasileira nunca foi campeã do mundo no setor feminino, mas tem aquela que é considerada a melhor futebolista de sempre: Marta. Isto além de outras jogadoras de grande qualidade técnica. Na Luz estão duas internacionais canarinhas: Darlene, que marcou oito golos no jogo com o Ponte Frielas, e Daiane, que faz questão de destacar o talento das jogadoras portuguesas. “Vim encontrar muita qualidade que, com o passar do tempo e com o apoio que está a ser dado ao futebol feminino, vai ocupar o seu espaço”, sublinha.
Inês Queiroga garante que estas jogadoras brasileiras são importantes para “a evolução” que as portuguesas procuram. “Dão-nos conselhos e crescemos com elas”, assume, enquanto Catarina Bajanca lembra as “realidades diferentes por que elas passaram” e que ajudam as companheiras “a aprender” mais sobre o futebol. Fazer carreira cá dentro A guarda-redes acredita que, ao contrário do setor masculino, será possível fazer uma carreira no nosso país, sem ter de procurar condições financeiras melhores lá fora. “Em Portugal tem havido um crescimento exponencial e, apesar de haver equipas europeias que apostam muito no feminino, acredito que vamos ter condições tão boas que não será necessário emigrar”, assume Catarina, numa ideia partilhada por Daiane, que não quer pensar em voltar a mudar de país. “O que quero é fazer história no Benfica, não penso em mais nada”, assume a defesa, que ainda assim admite que o futebol português “poderá ser uma boa porta para as brasileiras entrarem na Europa”.
João Marques partilha do otimismo que rodeia o futebol feminino nacional. “Desde que Sporting e Sp. Braga começaram registou-se um crescimento, que agora será acentuado com o Benfica, que irá puxar mais meninas para a modalidade. E quanto mais praticantes houver, mais qualidade irá surgir”, justifica. E é na perspetiva de evolução que o Benfica vai continuar a apostar em jogadoras brasileiras, por forma a “dar mais competitividade à equipa” e também “fazer crescer as outras jogadoras”. O sonho da Taça de Portugal O resultado de 28-0 frente ao Ponte Frielas pode ter tido o condão de despertar os benfiquistas para a sua equipa feminina, mas lança uma questão que, neste momento, não parece preocupar o treinador: a da falta de competitividade que as suas jogadores podem encontrar na II Divisão. “É verdade que o ritmo competitivo neste escalão é diferente, nós sabíamos disso, e é por isso que durante a semana procuramos fazer jogos de treino com equipas masculinas, de juvenis por exemplo, que nos permitem lidar com um nível competitivo superior, com um estilo de jogo mais de choque e mais rápido”, revela.
Catarina Bajanca lembra que o Benfica vai disputar a Taça de Portugal, prova que “em princípio será mais competitiva” e que o treinador diz ser “um dos objetivos da época”, tal como a subida à I Divisão. “Vamos atrás da Taça, é um troféu que ambicionamos muito”, garante, deixando ainda a certeza de que se a sua equipa estivesse no escalão principal “lutaria pela conquista do título”. Mas esse é um desejo que terá de ficar para a próxima época, isto se, como é lógico, o Benfica conseguir a subida de divisão.