Três mulheres, três nacionalidades, três formas de arte que Portugal uniu
Exposição A alemã Regina Frank, a americana Eileen McDonough e a suíça Céline Coste Carlisle juntaram-se para Triple Grace, em exibição em Lisboa, no Palácio da Independência, com obras em tapeçaria, mosaico e papel.
Quando lhe perguntam porquê chamar à exposição Triple Grace, Céline Coste Carlisle não hesita: “Percebemos que as coisas boas vêm sempre às três.” “Sim, a ideia do nome foi minha. A graça é o que sentimos quando há uma amizade”, acrescenta Regina Frank. Mas ambas concordam que a ideia de exporem juntas partiu de Eileen McDonough. É dela o painel de Fernando Pessoa que recebe os visitantes da exposição que inaugurou nesta semana no Palácio da Independência, no Largo de São Domingos, ali ao lado do teatro D. Maria II e frente à Ginjinha do Rossio, em Lisboa.
Três mulheres, três nacionalidades – uma suíça, uma alemã e uma americana – e três formas de arte diferentes: papel, tapeçaria e mosaico. “Quando há tanta profundidade numa amizade, isso é graça, quando podemos trabalhar sem pressão, isso é graça. E acreditei que íamos sentir essa graça juntas. Triple Grace. Fui a correr ter com a Eileen e perguntei: será demasiado espiritual?”, lança Regina. Apenas para Eileen prosseguir: “Eu tinha pensado na mulher com poder, badass, energia! E de repente era tudo espiritual e aconchegante. Mas faço muitos trabalhos com a figura feminina. Pareceu-me funcionar”, explica a americana, que há quase 24 anos chegou a Portugal para dar aulas de Inglês mas se apaixonou pelos azulejos.
É esse o material que usou para o seu Fernando Pessoa – uma painel com várias figuras coloridas do poeta, a condizer com as múltiplas personagens daquele que era também Álvaro de Campos, Ricardo Reis, Alberto Caeiro ou Bernardo Soares. E um piscar de olho à enorme escultura da cabeça do escritor que se encontra à entrada da sala com a mensagem “a minha pátria”.
Ora, Pessoa foi um dos responsáveis pela vinda de Regina para Portugal. “Sempre gostei muito da língua portuguesa e vivi com o Fernando Pessoa no bolso durante anos.” A artista levou uma cópia do Livro do Desassossego para todo o lado durante mais de uma década. “Acordava com Fernando Pessoa, deitava-me com Fernando Pessoa”, ri-se. Depois conheceu o pai da filha na Índia. Um português com quem manteve uma longa relação à distância. “Mas adorava vir a Portugal recarregar as baterias entre viagens. A certa altura, percebi que estava grávida de três meses e decidi que che- gara a altura de assentar. Após 25 anos de viagens. E Portugal é o melhor sítio para o fazer”, garante.
Céline não podia concordar mais. A suíça garante que não se sente portuguesa, mas Portugal é o sítio onde se sente “em casa”.
A conversa decorre em inglês, a língua que falam entre elas, mas com muitos à partes em português, que todas concordam ser muito difícil, e até com umas incursões pelo francês materno de Céline. A suíça é a estreante do trio: nunca antes expôs os seus trabalhos. “Tenho outra vida. Estou a trabalhar num documentários sobre o fado”, explica. Uma temática que marca as obras que aqui trouxe, após ceder aos apelos das amigas e do marido para expor pela primeira vez.
Como artista mais experiente, é Regina quem assume o papel de guia pela exposição. Com as amigas a acompanhar-nos, as três estão vestidas de preto, como que a não querer tirar o protagonismo às suas obras. A cor é precisamente o primeiro elemento de união que Regina destaca. “Foi o nosso primeiro impulso. Os meios são tão diferentes, como é que se juntam? Tínhamos duas hipóteses, conceptualmente ou através da cor.”
A viver em Portugal desde 2007, Regina prossegue a visita pela sala principal onde se destaca um painel com a frase “cantarei até...” “Mas não é Amália”, logo esclarece Céline. A suíça, que em 1999 se instalou em Portugal e começou a colecionar e fotografar detritos de plástico, numa altura em que isso ainda não era moda, explica tratar-se de Ivone Dias, uma fadista que entra no seu documentário sobre fado e gentrificação na cidade. “Conheci-a há 15 anos, agora tem 85 mas continua a cantar.”
Quem for ao Palácio da Independência irá ainda encontrar uma mesa com objetos do dia-a-dia em mosaico, lençóis que Regina pintou ao som de Beethoven ou Chopin, ou o painel dos guitarristas de Céline. Pelo meio, peças algumas mais pequenas, lagartos, uma paisagem de uma cidade à noite, uma Amália a olhar para uma mala coberta de mosaicos, uma Frida Kahlo, uma Mona Lisa com azulejos em fundos. “Mulheres com atitude!”, explica Eileen.
As três artistas vão-se revezando nas explicações. Riem. Percebe-se a tal “graça” na amizade de que Regina falava. “Para mim Eileen é a Andy Warhol dos mosaicos”, lança Regina diante da Mona Lisa da amiga. “Somos ambos de Pittsburg”, brinca a americana. Três mulheres numa simbiose quase tão perfeita como a das suas obras.
“Sempre gostei muito da língua portuguesa e vivi com o Fernando Pessoa no bolso durante anos.” REGINA FRANK “Não me sinto portuguesa, mas Portugal é o sítio onde me sinto em casa.” CÉLINE COSTE CARLISLE “Fiquei cativada [pelos azulejos]. E pensei: tenho de aprender a fazer isto.” EILEEN MCDONOUGH