Diário de Notícias

PGR. O efeito da polémica na opinião pública

Nas sondagens, a recondução de Joana Marques Vidal foi um tema bem mais calmo do que no debate político. Um setor importante do PSD escolheu essa bandeira para se opor a dois adversário­s: António Costa e Rui Rio.

- PAULO PENA

Aexpressão que conta está logo na primeira linha do texto de Pedro Passos Coelho sobre Joana Marques-Vidal, publicado no Observador: “Sem surpresa.” A escolha do nome da procurador­a-geral da República (PGR) não foi, como o ex-primeiro-ministro sublinha, um desfecho inesperado para uma história que dominou o debate político desde janeiro.

Se não houve “surpresa”, com a indicação de outra magistrada para a liderança do Ministério Público, como se explica que esta tenha sido, até ao último dia, a mais importante clivagem política de 2018? O debate sobre a escolha da PGR mostra que, à direita, mesmo depois da criação de um novo partido por Pedro Santana Lopes, há um setor que não se sente representa­do. O seu líder continua a ser Pedro Passos Coelho.

Entre os defensores da recondução de Joana Marques Vidal estiveram sempre alguns dos mais próximos colaborado­res de Passos: Miguel Morgado, Hugo Soares, Leitão Amaro, Duarte Marques, Miguel Poiares Maduro. Além das suas próprias convicções sobre as qualidades de Joana Marques Vidal, na argumentaç­ão destes militantes do PSD (de uma geração mais nova), este foi o momento para contrariar a nova liderança do partido.

Rui Rio foi eleito líder do PSD poucos dias depois de Francisca van Dunem, a ministra da Justiça, defender, na TSF, que “a Constituiç­ão prevê um mandato longo e um mandato único” para a PGR. Era janeiro. E o assunto nunca mais desaparece­u do debate.

Enquanto Rui Rio punha em prática a sua nova estratégia – o PSD passou a ser um partido de centro, aberto a negociaçõe­s com o governo –, os seus adversário­s internos perceberam que a PGR era um dos (poucos) temas que podiam usar para criticar António Costa, ao mesmo tempo que criticavam o novo líder do PSD.

E o nome de Joana Marques-Vidal passou a ser uma bandeira política – como nunca um PGR tinha sido. O principal argumento destes seus defensores tinha um rosto, José Sócrates, e um alcance político, o atual governo. Numa crónica publicada no Observador (“A corrupção e a responsabi­lidade política”), os deputados Miguel Morgado, Margarida Balseiro Lopes, Hugo Soares, Duarte Marques e António Leitão Amaro argumentar­am: a PGR investigou e acusou “uma liderança política que se colocou como um dos vértices de uma gigantesca teia de corrupção, promiscuid­ade e abuso de poder”. Ou seja, defendiam que a não recondução de Joana Marques Vidal “seria inaceitáve­l e até suspeita”. Porque seria decidida por “íntimos parceiros políticos de Sócrates, que hoje constituem todo o núcleo duro do atual governo”.

Este foi sempre o tom do debate que durou até agora. Pedro Passos Coelho reforçou-o na sua carta a Joana Marques Vidal, com uma acusação vaga: “A vontade de a substituir resulta de outros motivos que ficaram escondidos.”

Mas o argumento é claro, e é também uma crítica a Rui Rio: o PS nunca pode ser visto pelo PSD como um parceiro.

O alcance desta ideia vai muito além da escolha da PGR. É a mais relevante clivagem política dos últimos tempos. E é nessa ideia, de que existe uma barreira “ética” inultrapas­sável entre o PS e o PSD, que, talvez, nos próximos tempos, a liderança de Rui Rio venha a ser disputada.

Mas será este um tema que preocupa os eleitores?

Em janeiro, depois de a ministra ter posto a hipótese de não renovar o mandato da PGR, 43% dos inquiridos numa sondagem SIC/Expresso pareciam concordar com a sua ideia: Joana Marques-Vidal não devia ser de novo escolhida. Era uma curta maioria, esta, quase um empate. 42,5% considerav­am que sim, devia ser “reconduzid­a”. A diferença estava dentro da margem de erro do estudo de opinião que a Eurosondag­em fez para a SIC e o Expresso, 3,07%.

Muitas crónicas, debates e notícias depois, nada mudou. Em setembro, a mesma sondagem mantinha a diferença, com o “não” a Marques Vidal a superar o “sim” por curta margem: 44,4% contra 43,8% (erro máximo de 3,09%).

Ou seja, o longo debate a que se assistiu não foi persuasivo. Marcelo Rebelo de Sousa considerou-o, até, negativo: “Ao longo do tempo fui dizendo que não era bom para o exercício do mandato e para a democracia portuguesa o debate em curso.” Foi, contudo, um debate que veio para ficar. E pode ter aberto portas até agora fechadas no mapa político português – a do “justiciali­smo”, por exemplo.

O nome de Joana Marques Vidal passou a ser uma bandeira política como nunca um procurador-geral da República tinha sido.

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