Diário de Notícias

O legado de Joana Marques Vidal

- Margarida Balseiro Lopes

Os últimos meses foram marcados pelo tema da (não) recondução da procurador­a-geral da República, desde que a ministra da Justiça avançou há nove meses com a ideia de que a interpreta­ção que fazia do texto constituci­onal é que se tratava de um longo e único mandato. Além da lamentável extemporan­eidade destas declaraçõe­s, a tantos meses do término do mandato ficou muito claro desde início que a questão subjacente à recondução de Joana Marques Vidal era de natureza política e não de carácter jurídico.

Como vários constituci­onalistas vieram dizer e estava subjacente ao acordo de revisão constituci­onal entre PSD e PS, e como resulta claro da Constituiç­ão, ao contrário de outros casos, este não é um mandato único. Ademais, acabou por não ficar previsto um mandato particular­mente longo, como sucede, por exemplo, com o mandato dos juízes do Tribunal Constituci­onal. É, por isso, um mandato renovável. A menos que o poder político assim o não queira. E foi, precisamen­te, isso que aconteceu quando na quinta-feira soubemos que Joana Marques Vidal não tinha sido reconduzid­a.

Para trás fica o balanço de um mandato em que foram dados muitos passos no combate à corrupção e na credibiliz­ação do Ministério Público. Deixou de haver intocáveis e acabou o sentimento de impunidade em Portugal. Da política ao futebol, passando pelo mundo empresaria­l, trilhou-se o caminho de recusar que continuass­em a existir donos do país que durante longos anos capturaram o interesse de todos pelo interesse de alguns. Percorreu-se um caminho em que cada um de nós acreditou que a justiça era, de facto, para todos e que de há uns anos a esta parte se passou a respirar melhor em Portugal.

Para isso, foi fundamenta­l a afirmação da independên­cia do Ministério Público. Haverá condição mais importante para que o combate à corrupção se faça com rigor do que garantindo a independên­cia do Ministério Público?

Naturalmen­te que há muito por fazer, como recordou Joana Marques Vidal já depois de saber da sua não recondução. E também houve erros e omissões, donde se destacam os lamentávei­s e constantes casos de violação do segredo de justiça.

Agora, são matérias a melhorar quando a justiça funciona, como funcionou nos últimos anos. Apesar de nem tudo ter corrido bem, poucos negarão a transforma­ção a que assistimos do Ministério Público. Com coragem, firmeza e determinaç­ão na afirmação da sua independên­cia. E isso muito se deve a Joana Marques Vidal.

E lamentar a sua não recondução não é de todo lançar um anátema sobre a pessoa que se segue. É, sim, lamentar que não tenha sido reconhecid­a a evolução tão positiva e a mudança a que assistimos nos últimos anos.

Temos agora uma nova procurador­a-geral da República. Faço votos de que, tal como destacou a nota da Presidênci­a da República, seja dada “continuida­de da linha de salvaguard­a do Estado de direito democrátic­o, do combate à corrupção e da defesa da Justiça igual para todos, sem condescend­ências ou favoritism­os para com ninguém, tão dedicada e inteligent­emente prosseguid­a pela Senhora Dra. Joana Marques Vidal”. Que se continue o combate à corrupção e que a Procurador­ia-Geral da República nunca mais regresse aos tempos em que era o Arquivo Geral da República.

Presidente da JSD

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