O legado de Joana Marques Vidal
Os últimos meses foram marcados pelo tema da (não) recondução da procuradora-geral da República, desde que a ministra da Justiça avançou há nove meses com a ideia de que a interpretação que fazia do texto constitucional é que se tratava de um longo e único mandato. Além da lamentável extemporaneidade destas declarações, a tantos meses do término do mandato ficou muito claro desde início que a questão subjacente à recondução de Joana Marques Vidal era de natureza política e não de carácter jurídico.
Como vários constitucionalistas vieram dizer e estava subjacente ao acordo de revisão constitucional entre PSD e PS, e como resulta claro da Constituição, ao contrário de outros casos, este não é um mandato único. Ademais, acabou por não ficar previsto um mandato particularmente longo, como sucede, por exemplo, com o mandato dos juízes do Tribunal Constitucional. É, por isso, um mandato renovável. A menos que o poder político assim o não queira. E foi, precisamente, isso que aconteceu quando na quinta-feira soubemos que Joana Marques Vidal não tinha sido reconduzida.
Para trás fica o balanço de um mandato em que foram dados muitos passos no combate à corrupção e na credibilização do Ministério Público. Deixou de haver intocáveis e acabou o sentimento de impunidade em Portugal. Da política ao futebol, passando pelo mundo empresarial, trilhou-se o caminho de recusar que continuassem a existir donos do país que durante longos anos capturaram o interesse de todos pelo interesse de alguns. Percorreu-se um caminho em que cada um de nós acreditou que a justiça era, de facto, para todos e que de há uns anos a esta parte se passou a respirar melhor em Portugal.
Para isso, foi fundamental a afirmação da independência do Ministério Público. Haverá condição mais importante para que o combate à corrupção se faça com rigor do que garantindo a independência do Ministério Público?
Naturalmente que há muito por fazer, como recordou Joana Marques Vidal já depois de saber da sua não recondução. E também houve erros e omissões, donde se destacam os lamentáveis e constantes casos de violação do segredo de justiça.
Agora, são matérias a melhorar quando a justiça funciona, como funcionou nos últimos anos. Apesar de nem tudo ter corrido bem, poucos negarão a transformação a que assistimos do Ministério Público. Com coragem, firmeza e determinação na afirmação da sua independência. E isso muito se deve a Joana Marques Vidal.
E lamentar a sua não recondução não é de todo lançar um anátema sobre a pessoa que se segue. É, sim, lamentar que não tenha sido reconhecida a evolução tão positiva e a mudança a que assistimos nos últimos anos.
Temos agora uma nova procuradora-geral da República. Faço votos de que, tal como destacou a nota da Presidência da República, seja dada “continuidade da linha de salvaguarda do Estado de direito democrático, do combate à corrupção e da defesa da Justiça igual para todos, sem condescendências ou favoritismos para com ninguém, tão dedicada e inteligentemente prosseguida pela Senhora Dra. Joana Marques Vidal”. Que se continue o combate à corrupção e que a Procuradoria-Geral da República nunca mais regresse aos tempos em que era o Arquivo Geral da República.
Presidente da JSD