Quando se anda às voltas ao picadeiro não há primeiro da fila
Não tinha ainda 10 anos quando pela primeira vez subi para a sela – ainda a precisar de quem pusesse as mãos em degrau para que eu pudesse chegar aos estribos – e levei a égua pelas rédeas. Senti-me então importante: era eu que a guiava, nós as duas, cúmplices, de costas direitas e cabeça levantada, a dar a volta vaidosa ao picadeiro.
Não demorei muito a entender que na verdade não fazia eu grande coisa – nem tão-pouco a égua. Limitávamo-nos ambas a seguir o que ia à frente, numa ordem apenas quebrada pelo instrutor no final da aula ou quando o acaso fazia um dos animais sair desabrido por ali fora. O mais incrível é que mesmo nesses momentos não se instalava a lei do Velho Oeste no picadeiro – cavalos empinados e crianças projetadas e o relinchar a misturar-se com gritos de pânico e cada um a correr pela própria vida. Nada disso. Um quebrava a ordem, seguia o seu caminho, obrigava quem o conduzia a pensar, a agir, a controlar em vez de simplesmente assistir e repetir o que estava a acontecer. Todos os outros mantinham a ordem, aborrecidos com a mesma volta mas sem realmente o entenderem, habituados a esse conforto, repetindo-a sempre sem sequer olhar para o lado. Conformados a manter os olhos na cauda da frente – aquele calorzinho do que é conhecido –, não se desconcentravam da repetição do volteio como quem defende ideias há muito tempo em si incrustadas mesmo que já desmentidas pela realidade.
Acho que foi essa obrigação de seguir sempre atrás de outros, de me ver obrigada a voltar à fila depois de me saber capaz de andar sozinha, que me fez acabar por me fartar daquilo. Isso e reconhecer sempre alguém inchado pela honra de se julgar primeiro da fila, quando na verdade se limitava a seguir os outros até alguém dar ordem para deixar o picadeiro.