Diário de Notícias

Quando se anda às voltas ao picadeiro não há primeiro da fila

- Joana Petiz

Não tinha ainda 10 anos quando pela primeira vez subi para a sela – ainda a precisar de quem pusesse as mãos em degrau para que eu pudesse chegar aos estribos – e levei a égua pelas rédeas. Senti-me então importante: era eu que a guiava, nós as duas, cúmplices, de costas direitas e cabeça levantada, a dar a volta vaidosa ao picadeiro.

Não demorei muito a entender que na verdade não fazia eu grande coisa – nem tão-pouco a égua. Limitávamo-nos ambas a seguir o que ia à frente, numa ordem apenas quebrada pelo instrutor no final da aula ou quando o acaso fazia um dos animais sair desabrido por ali fora. O mais incrível é que mesmo nesses momentos não se instalava a lei do Velho Oeste no picadeiro – cavalos empinados e crianças projetadas e o relinchar a misturar-se com gritos de pânico e cada um a correr pela própria vida. Nada disso. Um quebrava a ordem, seguia o seu caminho, obrigava quem o conduzia a pensar, a agir, a controlar em vez de simplesmen­te assistir e repetir o que estava a acontecer. Todos os outros mantinham a ordem, aborrecido­s com a mesma volta mas sem realmente o entenderem, habituados a esse conforto, repetindo-a sempre sem sequer olhar para o lado. Conformado­s a manter os olhos na cauda da frente – aquele calorzinho do que é conhecido –, não se desconcent­ravam da repetição do volteio como quem defende ideias há muito tempo em si incrustada­s mesmo que já desmentida­s pela realidade.

Acho que foi essa obrigação de seguir sempre atrás de outros, de me ver obrigada a voltar à fila depois de me saber capaz de andar sozinha, que me fez acabar por me fartar daquilo. Isso e reconhecer sempre alguém inchado pela honra de se julgar primeiro da fila, quando na verdade se limitava a seguir os outros até alguém dar ordem para deixar o picadeiro.

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