Diário de Notícias

EM “FLAGRANTE DELITRO”

Sinatra foi enterrado com uma garrafa de whisky. Churchill bebia ao pequeno-almoço. E mais bêbedos geniais.

- Maria João Caetano TEXTO

Um dia, um conhecido disse a Fernando Pessoa (1888-1935): “O senhor bebe como uma esponja!” O autor de O Livro do Desassosse­go terá respondido: “Como uma esponja, não. Como uma loja de esponjas, e com armazém anexo.” Sentado à mesa do Martinho da Arcada ou de outros cafés da Baixa lisboeta, Pessoa fumava cerca de 80 cigarros por dia e bebia – vinho, sim; whisky, em ocasiões especiais; absinto, por influência do amigo Mário de Sá-Carneiro; mas, sobretudo, bagaço e aguardente. Até trazia sempre consigo, na pasta de cabedal, uma garrafinha preta com essa bebida. Mas sem perder a compostura. Mesmo na fotografia que enviou à namorada Ofélia, apanhado em “flagrante delitro”, como ele próprio escreveu, no depósito da casa Abel Pereira da Fonseca, ali está, impecável, de copo na mão e chapéu na cabeça.

Não é para todos. Stephen King, autor de alguns dos mais conhecidos livros de terror e sobrenatur­al, contou nas suas memórias que praticamen­te não se lembra de ter escrito o romance Cujo, publicado em 1981. O autor de sucessos como Carrie ou Shining estava tão habituado a escrever com uns copos a mais que receava não ser capaz de produzir um bom livro se se mantivesse sóbrio. A par disso, também fumava dois maços de cigarros por dia e acabou por se render à cocaína. Foi mais ou menos por essa altura que a mulher, Tabitha, farta de acordar de manhã e encontrar o marido a dormir na secretária sobre uma poça de vomitado, decidiu intervir. Aparenteme­nte, depois de várias falsas partidas, Stephen King finalmente conseguiu ficar limpo no início da década de 1980 e atualmente, com 71 anos, continua a ser autor de inúmeros bestseller­s.

Mas se estamos a falar de gente genial que passava grande parte do tempo com um copo (ou uma garrafa) na mão, não podemos deixar de fora o escritor Ernest Hemingway (1899-1961). “Bebo desde os 15 anos e poucas coisas me deram mais prazer”, admitiu o autor de obras como Por Quem os Sinos Dobram e Adeus às Armas e que era aquilo a que se costuma chamar um “alcoólico funcional”: é verdade que bebia muito (no verão de 1953, um ano depois de publicar O Velho e o Mar, eram em média duas ou três garrafas por dia) mas isso não o impedia de escrever brilhantem­ente. O segredo, dizia ele, era: “Escrever bêbedo, editar sóbrio.” E bebia de tudo: vinho, whisky, absinto, cerveja. Existem muitas histórias de Hemingway relacionad­as com bebida, sobretudo do período em que ele viveu em Havana e passava grande parte do tempo nos bares La Bodeguita del Medio e El Floridita, emborcando martínis, daiquiris e mojitos. Diz-se que uma vez bebeu 17 daiquiris duplos num único dia. Mas, convenhamo­s, depois de meia dúzia, quem estaria realmente em condições de continuar a contá-los?

O realizador Orson Welles, a escritora Lucia Berlin, o pintor Jackson Pollock, a atriz Elizabeth Taylor, o escritor Charles Bukowski, a cantora Billie Hollyday, o escritor Edgar Allan Poe, o pintor Vincent van Gogh – a lista de grandes artistas que foram grandes bebedores é intermináv­el.

Artistas e não só. O primeiro-ministro britânico Winston Churchill (1874-1965) é tão conhecido pelos discursos inflamados como pelo inseparáve­l charuto e pela sua capacidade de beber enormes quantidade­s de álcool sem, contudo, ficar embriagado. “Quando era novo, tinha a regra de não beber nenhuma bebida forte antes do almoço. Agora a minha regra é não o fazer antes do pequeno-almoço”, dizia. Churchill começava a trabalhar ainda na cama e já com um copo de whisky na mão. De preferênci­a Johnnie Walker Red Label. E sempre muito diluído em água com gás. Esta bebida – conhecida na família como “Papa Cocktail” – acompanhav­a-o ao longo do dia. Ao almoço e ao jantar preferia o vinho ou o champanhe. Mas também gostava de conhaque e vinho do Porto. Conta-se que uma vez, numa discussão nos corredores do Parlamento, uma mulher (que numas versões é Lady Astor e noutras é a deputada Bessie Braddock) lhe terá dito: “Sr. Churchill, o senhor está bêbedo. Digo mais: o senhor está repugnante­mente bêbedo!” Ao que Churchill terá respondido: “Minha querida, e a senhora está feia. E o que é pior: está repugnante­mente feia. Mas amanhã eu estarei sóbrio e a senhora continuará feia.” A história pode bem ter sido inventada mas assenta que nem uma luva na personalid­ade excêntrica de Churchill.

A propósito de whisky: a “amizade” entre Frank Sinatra (1915-1998) e o whisky Jack Daniel’s terá começado durante os anos de 1940 e logo os dois se tornaram inseparáve­is. Iam juntos para o palco, passavam horas a relaxar juntos em casa, viajavam juntos. Numa noite, Sinatra entrou em palco com um copo na mão e apresentou o seu amigo: “Senhoras e senhores, este é Jack Daniel’s e é o néctar dos deuses.” Na altura, o whisky não era assim tão conhecido e o cantor acabou por ser, mesmo sem contrato assinado nem nada disso, um dos principais “embaixador­es” da marca. Em troca, a empresa fez por garantir que o seu copo nunca ficaria vazio. Afinal, não era todos os dias que o maior cantor do momento que, além disso, era também um dos homens mais charmosos, declarava publicamen­te qual era a sua bebida preferida. Não por acaso, uma das suas alcunhas era The Bourbon Baritone. A amizade era de tal forma forte que até para o caixão Sinatra levou uma garrafa de Jack Daniel’s. Uma das suas citações mais famosas é esta: “O álcool pode ser o pior inimigo de um homem mas a Bíblia diz que devemos amar os nossos inimigos.”

“Se algo de mau acontecer, bebemos para esquecer. Se algo de bom acontecer, bebemos para celebrar. Se nada acontecer, bebemos para fazer que algo aconteça.”

CHARLES BUKOWSKI “A civilizaçã­o começou com a destilação.”

WILLIAM FAULKNER “A embriaguez não é mais do que uma loucura voluntária.”

SÉNECA “Um homem não existe até estar bêbedo.”

ERNEST HEMINGWAY “Eu não tenho um problema com a bebida. Exceto quando não consigo arranjar uma.”

TOM WAITS “Tenho pena das pessoas que não bebem. Quando acordam de manhã, sabem que isso é o melhor que vão sentir-se ao longo de todo o dia.”

FRANK SINATRA

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