“50 milhões para a função pública? O governo está a fazer mal as contas... “
Arménio Carlos. Como se combate nas ruas um Orçamento que virou à esquerda? O secretário-geral da CGTP não desarma. Vai lutar, na rua, por mais aumentos na função pública e por travar as mudanças que se anunciam nas leis laborais.
Arménio Carlos tem mais de 40 anos de militância comunista – aderiu ao PCP em 1977 – é membro do Comité Central desde 1988. Tinha 18 anos quando entrou para a Carris como eletricista, foi da Subcomissão de Trabalhadores de Cabo Ruivo, dirigente do Sindicato dos Transportes Coletivos de Lisboa e coordenador da União de Sindicatos. É líder da CGTP desde 2012.
Está desiludido com a geringonça? Não. Iniciou um processo que levou a parar com a política de cortes nos salários e também nas pensões e nos direitos. Creio que estaremos todos de acordo que valeu a pena lutar, mobilizar os trabalhadores, e aquilo que nos era apresentado como inevitável acabou por ser firmado como possível. Aliás, citando Nelson Mandela, “tudo parece impossível até ser feito”. E o que é verdade é que foi possível. Que as coisas melhorassem.
O que teria feito diferente de Jerónimo de Sousa? Falo pelo movimento sindical ... acho que não devo pronunciar-me sobre o comportamento individual ou a intervenção política de cada um dos partidos. Tenho uma visão mais global daquilo que hoje interessa ao movimento sindical.
O que gostava que tivesse sido feito, que não foi? O que falta ser feito é valorizar o trabalho. Temos um governo do Partido Socialista que continua de costas voltadas para a valorização do trabalho e dos trabalhadores. E se dúvidas subsistissem temos a proposta de lei que revê a legislação do trabalho que não só mantém o que de pior tinha a política laboral de direita como nalguns casos até a aprofunda, na generalização da precariedade nos estímulos para a redução da contribuição dos trabalhadores. Não foi feito mais também porque o Bloco e o PCP não tiveram força ou porque o país não o permitiu? Creio que está provado que o país permitia. E permite. Porque a partir do momento em que foi iniciado o processo de reposição de rendimentos o que é certo é que a economia cresceu. Foi criado mais emprego. Então foi falta de força do próprio PCP e do Bloco de Esquerda para impor… O que faltou aqui foi o número de deputados à esquerda do PCP e do Bloco de Esquerda e do PEV que pudessem influenciar o PS para dar, digamos, uma guinada à esquerda.
Isso pode ser alterado nas próximas eleições? É muito importante que nenhum partido tenha a maioria absoluta. Todas foram más para os trabalhadores. E esta solução provou que vale a pena não haver uma maioria absoluta e que isso implica negociação de quem está no governo para se encontrar soluções que ajudam, neste caso concreto, a resolver problemas. Então vamos ter um próximo ano em que a CGTP vai estar bastante na rua? Quando nos acusaram de que não estávamos a ir para a rua nos mesmos moldes que estivemos no tempo do PSD-CDS, creio que a razão está à vista de todos. E agora uma greve da administração pública, marcada para o dia 26 de outubro, e uma manifestação nacional, para o dia 15 de novembro. Que resultados espera, em plena negociação do Orçamento? O objetivo é dar sequência à indignação que se verifica em muitos locais de trabalho relativamente à falta de resposta de determinado tipo de situações. A necessidade de uma mais justa distribuição da riqueza é um elemento estruturante. A outra é a estabilidade do emprego. E creio que é cada vez mais claro que há uma enormíssima insatisfação face a falta de resposta dos serviços públicos, que não está desassociada da obsessão da redução do défice. E que acaba por ser contraditória com aquilo que o Partido Socialista dizia defender, ou diz defender até ao momento. Acha que o ministro das Finanças tem as “costas largas”? Às vezes tem. E foi usado como, passo o termo, o bode expiatório, para justificar a falta de coragem na assunção de determinado tipo de medidas que, a serem tomadas, evitavam contestações como aquelas que tiveram lugar e que, neste caso concreto, prejudicaram as pessoas.
Admite subir o nível de contestação? Ainda não discutimos a hipótese de convocar uma greve geral. E, por isso mesmo, continuamos a pensar que este é o momento de pressionar. Ninguém tem nada que questionar o facto de os trabalhadores aproveitarem estas oportunidades para elevar a sua contestação e as suas revindicações. Porque isto faz parte da democracia e faz parte da relação de conflito entre o trabalho e o capital. se nós não reclamarmos quem é que vem resolver os nossos problemas? É para si um futuro possível o PCP no governo e a CGTP na rua? Eu não sei se o PCP irá para o governo. O PCP não quererá, por si só, entrar para o governo sem ter a consideração e sobretudo a garantia de um projeto que vá ao encontro daquilo que defende, uma política de esquerda e patriótica. Mas quero reafirmar de forma muito clara aquilo que pensamos ao nível da CGTP. Independentemente de quem esteja no governo, a CGTP é autónoma. E não abdicará, em momento algum, de desenvolver as ações que considerar adequadas para defender os direitos dos trabalhadores e também para assegurar uma linha de desenvolvimento económico e social do país. Seja quem estiver no governo, seja que maioria venha, entretanto, a ser formada. É evidente que temos a consciência de que tendo pessoas da área da esquerda é mais fácil negociar.
Qual foi a sua maior frustração nestes três anos? É claro que é a legislação do trabalho. Aquilo que supostamente poderia ser resolvido até agora não foi. E não foi porque o governo do Partido Socialista a isso se recusou. Com uma contradição que é monumental. As conclusões do LivroVerde das Relações Laborais são claras e inequívocas: houve um aumento do desemprego, das desigualdades, do empobrecimento, a generalização da precariedade, redução de rendimentos, bloqueio da contratação coletiva, entre outras. Perante um diagnós-
“O que faltou foi o número de deputados à esquerda que pudessem influenciar o PS para dar uma guinada à esquerda. Era importante não ter maioria absoluta.”
tico desta natureza, qual era a conclusão óbvia? Tem de se rever o que de pior a lei tem e que levou a esta situação. Qual foi a conclusão a que o governo chegou? A contrária. Mantém-se tudo como estava, nalguns casos até para piorar. Isto é uma frustração que leva inclusive a que hoje legítimas expectativas que os trabalhadores criaram – a possibilidade de alteração das regras laborais – venham, depois, a transformar-se nesta contestação, que está a aumentar. Portanto, isto quer dizer o quê? Quer dizer que os sindicatos só fazem a luta pela luta ou pelo contrário? Os sindicatos desenvolvem a luta em resultado daquilo que é o sentimento generalizado de grande parte dos trabalhadores, de exigência de uma resposta positiva aos seus problemas, que até agora não tiveram.
Acha que a esquerda abandonou os trabalhadores? Não. Acho que há partidos da esquerda que continuam a ser coerentes com a defesa dos interesses dos trabalhadores. Agora, quando um partido diz que é de esquerda mas aquilo que diz não coincide com aquilo que faz, a tendência é para sermos confrontados com a reposição da velha máxima de que “são todos iguais”. Abre-se um campo, perigoso, de populismos e de crescimento das conceções autoritárias e de regresso a posições xenófobas, racistas. Nalguns casos tendências para o aparecimento ou reaparecimento do nazismo-fascismo. É a isso que estamos a assistir. Não podemos passar ao largo destes problemas. Como é que explica, por outro lado, o enfraquecimento do movimento sindical? O movimento sindical tem, naturalmente, de se reforçar porque tem um papel importante. Nós, nos anos da troika, em que desapareceram 500 mil empresas, e o desemprego chegou a 18%, em que saíram do país 500 mil pessoas, conseguimos sindicalizar 107 mil trabalhadores. E até tivemos um saldo ligeiramente positivo das entradas e saídas. Temos consciência de que temos debilidades. Agora, seja- mos objetivos. O que se passa em Portugal é que não deixam entrar os sindicatos num número significativo de empresas do setor privado. Fala-se no diálogo social. Ok. Mas o diálogo social não pode passar só por aquelas reuniões que se fazem na concertação social. Os trabalhadores têm de ser livres. As empresas não podem ter de um lado a parte patronal, que é suprassumo dos acontecimentos, que pode, decide e acaba com qualquer tipo de diálogo.
Porque não é isso denunciado? Tivemos, há uns meses, uma reunião com o senhor Presidente da República, em que lhe dissemos que vamos elaborar um dossiê sobre direitos, liberdades e garantias. E vai fazer uma lista das empresas onde os sindicatos não podem entrar? Sim. Até porque há uma ofensiva ideológica devidamente preparada, coordenada e dirigida contra os partidos políticos e os sindicatos. E se é verdade que pode haver falhas, mas quem dinamiza esse processo não sabe que são precisamente os partidos políticos o instrumento fundamental para a afirmação da democracia e para a apresentação de projetos alternativos, suscetíveis, depois, de cada um poder escolher aquilo que quer? E que os sindicatos têm um papel preponderante para organizar os trabalhadores num quadro em que se acentua a criação de mais riqueza, mas simultaneamente aumentam as desigualdades? Isto não acontece por acaso. O ministro das Finanças já disse que este não é o Orçamento dos funcionários públicos e que só há 50 milhões para aumentos. Qual vai ser a posição da CGTP? O governo está a fazer mal as contas. O valor que é apresentado é insuficiente. Mas há um dado interessante a propósito de se reivindicar ou não reivindicar, de conquistar ou não conquistar. Relembro... há seis meses o governo dizia que não ia atualizar os salários. Poucos meses depois o primeiro-ministro já dizia... “entre emprego e salários eu prefiro o emprego e o investimento no IC3”... e faz muito bem. Agora já diz “vou atualizar os salários, mas só tenho esta verba”. Bem, primeira conclusão: afinal havia hipótese de aumentar os salários. Afinal a CGTP tinha razão. Segunda questão... vamos entrar agora na discussão. Aqueles 50 milhões não chegam. Apresentámos alternativas para se poupar, na despesa, noutras despesas supérfluas – já dei o exemplo das parcerias público-privadas, centenas de milhões de euros que o Estado continua a gastar na atribuição de serviços feitos por privados que poderiam ser executados pelos trabalhadores da administração pública…
E qual é a proposta da CGTP? Ela já foi apresentada pelos sindicatos da Frente Comum. É uma proposta percentual na ordem dos 4% e a hipótese de ser 60 euros que corresponde apenas e só a seis euros por cada ano dos dez que os trabalhadores da administração pública não foram aumentados. Mas é uma proposta para negociar. A questão do salário mínimo é semelhante. O ministro do Trabalho já admitiu que há vontade política para aumentar acima dos 600 euros. Compreende a posição do governo? Não. Porque o governo tem, neste momento, todas as condições, a começar já com o Orçamento do Estado na administração pública. Há milhares de trabalhadores da administração pública com o salário mínimo nacional. Um dos exemplos que o governo pode dar é avançar com um sinal no Orçamento do Estado. Há aqui, claramente, uma estratégia acertada, para evitar que o salário mínimo nacional vá além dos 600 euros. E há todas as condições para que o salário mínimo nacional aumente para os 650 euros que nós reclamamos. É que a par do salário mínimo nacional tem de haver também uma evolução de todas as outras grelhas salariais, sob pena de, amanhã, termos cada vez mais trabalhadores com o salário mínimo nacional, reduzindo, neste caso concreto, os rendimentos de todos sem exceção. Já falámos aqui de várias revindicações, dos aumentos para a função pública, acabámos de falar do salário mínimo nacional, até poderíamos ter falado da baixa do IVA para produtos essenciais como a eletricidade, aumento de pensões e reformas, que também estão no Orçamento. Não acha que, se todas estas medidas estivessem dentro deste Orçamento, o governo seria, até pela própria sociedade, acusado de eleitoralismo? Não. Alguns daqueles que nos acusam da resposta de os problemas dos trabalhadores e dos reformados serem medidas eleitoralistas, são os mesmos que têm sido beneficiados ao longo dos últimos anos pelo governo. No início as verbas de apoio às empresas andavam nos 400 milhões de euros e agora já vão em quatro mil milhões de euros… Provavelmente estas são as medidas que separam o PS da maioria absoluta. E esperamos que nenhum partido tenha a maioria absoluta porque, como referi há pouco, não é bom para os trabalhadores.
“O valor para a função pública é insuficiente. Mas havia hipótese de aumentar os salários. Afinal a CGTP tinha razão. Vamos entrar agora na discussão. Aqueles 50 milhões não chegam.”