Diário de Notícias

Um cabo-verdiano em Óbidos e em casa

A América é a América, já nos matou a fome diversas vezes, se ela resolvesse devolver-nos toda aquela malta de ilegais que temos por lá, seria o fim da macacada.

- Germano Almeida Escritor cabo-verdiano, Prémio Camões 2018.

Foi em Óbidos, onde estava participan­do num festival de literatura, que fiquei a saber que um grupo de cidadãos cabo-verdianos está a preparar uma ação judicial a intentar contra o governo de Cabo Verde com o fim de o tribunal obrigar quem de direito a publicar pelos meios competente­s os contratos que tenha celebrado com as companhias aéreas estrangeir­as, TAP e BINTER, contratos esses que lhe permitem na prática exercer o monopólio dos transporte­s aéreos nacionais e internacio­nais.

Por sinal foram dois cabo-verdianos que me puseram a par desse assunto. Eu estava caminhando na chamada Rua Direita de Óbidos, apreciando aquele formigueir­o de gente atravancan­do aquela ruinha comprida e estreita. Dizem-me que isto aqui tem 60 habitantes, pensei, quer dizer que este povo de calções e em festa e carregando máquinas fotográfic­as é tudo turista. Parei também junto de um dos muitos balcões de serviço de ginjinha que enchem aquela rua, mais para ver o que era isso de ginjinha com chocolate de que desde Cabo Verde me vinham falando, do que propriamen­te interessad­o em provar uma, o que via desiludia-me um pouco, tinha imaginado taças de chocolate quente acompanhan­do goles de ginjinha. Mas nisso alguém ao meu lado bate-me no ombro e pergunta curioso, Você agora vive aqui? Eu não, que ideia, respondo ao mesmo tempo que olho para alguém que apenas me parece familiar mas que não localizo no imediato quem possa ser… Bem, como o vi ainda há dias e volto a encontrá-lo de novo... Há avião e avião, sorri para ele, por isso há ir e voltar. E, no meu caso, voltar a regressar, vim participar no Folio de Óbidos. Muito bem, disse ele, nós outros estamos aqui numa excursão, vimos agora provar uma ginjinha, não se pode sair daqui sem fazer isso, e já agora é nosso convidado. Agradeci, disse que me parecia ainda cedo para beber. Está a ver aquilo ali?, apontou um minúsculo copinho feito de chocolate, é aquilo, não faz mal a ninguém. E pediu três. Emborcámos. Ninguém anda com um pé só, disse o companheir­o, e pediu mais três. Desta vez parámos para saborear. E foi enquanto estávamos nisso que um deles falou da estória de os cabo-verdianos quererem levar o governo a tribunal.

Venho de Cabo Verde, disse-lhes, não ouvi nada. Cá fora ficamos a saber mais coisas da terra do que vocês lá dentro, riu-se, mas está no Facebook. Eu não disse nada, porém não estranhei o eventual boato ou notícia. No geral as pessoas ficaram muito zangadas com o governo de Cabo Verde pela subserviên­cia manifestad­a relativame­nte aos Estados Unidos da América no que se referiu à questão da SOFA que subscreveu sem uma única vírgula de observação, e se calhar com agradecime­ntos. E nem o presidente da República salvou a honra do convento mandando a coisa para o Constituci­onal onde já se sabia ser a vitória duvidosa. Porém, a América é a América, ao longo da história ela já nos matou a fome diversas vezes, sempre se poderá dizer que o cabo-verdiano é um povo com orelha, favor com favor se paga, e por outro lado, se ela resolvesse devolver-nos toda aquela malta de ilegais que temos por lá, seria o fim da macacada. Portanto está bem, mas com a BINTER não, a BINTER nós podemos com ela, a BINTER é uma empresinha que não fora os dinheiros da União Europeia seria uma equivalent­e da nossa TACV ou oxalá, portanto é inadmissív­el que ande por aqui a arrotar postas de cavala, fazendo de nós gato-sapato e troçando da nossa Agência de Regulação Aeronáutic­a, sem que vislumbrem­os da parte do governo um qualquer murro na mesa no sentido de um BASTA DE DESAFOROS, este país tem governo! Mas nada, nem um pio, como se de repente tivesse ficado surdo ao apelo do povo que o elegeu. De modo que pode acontecer que a ação judicial acorde finalmente o governo de Cabo Verde.

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