O efeito Kavanaugh chega para gerar uma onda azul na América?
Democratas acreditam que confirmação do juiz do Supremo apesar de acusações de violação pode mobilizar mulheres em novembro.
Abatalha foi longa, envolveu uma acusação de violação, um testemunho forte da alegada vítima e uma resposta irada do suspeito, muitos protestos e uma mensagem de gozo do presidente. Mas há uma semana o Senado votava mesmo a confirmação de Brett Kavanaugh para juiz do Supremo Tribunal dos EUA. A margem foi mínima – 50-48 –, mas a vitória era clara para os republicanos e sobretudo para o presidente Donald Trump. Em menos de dois anos de mandato, este é o segundo juiz que nomeia para a mais alta instância judicial dos EUA, imprimindo uma viragem à direita no órgão que define a orientação ideológica da América. E ao escolher um conservador de 53 anos para um cargo vitalício, Trump promete deixar a sua marca nas próximas décadas.
Uma clara vitória para os republicanos, portanto. Mas quando falta menos de um mês para as eleições intercalares, os democratas prometem transformar esta derrota numa força. Afinal, a escolha de um homem que foi acusado de violação para o mais importante órgão judicial americaaos no pode ser o catalisador que muitas mulheres precisam para ir às urnas a 6 de novembro, quando estão em causa todos os 435 lugares da Câmara dos Representantes e um terço dos senadores (além de 36 dos 50 governadores). Uma oportunidade para levar o descontentamento de muitos democratas – mulheres, sobretudo, mas não só, claro – dos protestos de rua até às urnas de voto.
“2018 parece ser um ano de eleições em que vamos ter mais participação do que o habitual nas intercalares”, disse ao The Guardian Michael McDonald, da Universidade da Florida. “Porquê? O nome é Donald Trump”, explicou. Com as eleições de meio de mandato a serem uma espécie de referendo ao presidente, as divisões da era Trump prometem refletir-se pela primeira vez numa votação. Segundo uma sondagem do Pew Research Center, 60% dos americanos garantiram que o seu voto em novembro seria uma expressão de oposição ou apoio ao presidente.
E a confirmação de Kavanaugh marcou um pico na indignação de muitas mulheres – e não só – contra Trump e contra os republicanos. “Não podemos agonizar, temos de nos organizar”, escreveu Nancy Pelosi numa carta aberta seus eleitores. A líder da minoria democrata na Câmara dos Representantes deixou ainda um apelo: “O povo tem de ir votar!”
Género vs. partidarismo Mas nisto da política americana, a divisão de géneros cede muitas vezes diante dos interesses partidários. A própria confirmação de Kavanaugh só foi possível graças ao voto da senadora Susan Collins. A republicana do Maine fez um longo discurso a explicar porque decidiu apoiar o juiz e votar com o seu partido, não cedendo às pressões do eleitorado feminino na sequência das acusações feitas por Christine Blasey Ford contra Kavanaugh. Mas se admite que “as mulheres não votam como um bloco uniforme”, Connie Pillich, advogada e antiga congressista democrata, garantiu à rádio do OhioWVXU que “qualquer mulher que tenha experienciado as coisas de que o juiz Kavanaugh é acusado não o irá esquecer no momento de votar”.
Olhando para o passado recente, esta afirmação parece, no entanto, tudo menos linear. Em 2016, apesar de Donald Trump ter surgido num vídeo a defender agarrar as mulheres poucos dias antes das presidenciais e de ter como rival uma mulher, Hillary Clinton, 42% das mulheres deram o seu voto ao candidato republicano. E entre as mulheres brancas sem estudos superiores essa percentagem sobe para 62%.
Passados dois anos das presidenciais, os números mostram, contudo, que a divisão de géneros na política tem vindo a acentuar-se. Há cada vez mais mulheres democratas e menos republicanas. Uma sondagem NBC News/The Wall Street Journal mostra que 53% das mulheres brancas com cursos superiores – grupo que antes pendia para os republicanos – diz agora ir votar democrata em novembro.
A ideia de uma onda azul que varresse o Congresso nestas intercalares surgiu em janeiro de 2018, durante a Marcha das Mulheres, uma iniciativa que se espalhou por várias cidades americanas um ano depois de um protesto semelhante contra a eleição de Trump. O objetivo era mobilizar o máximo de mulheres possível para tirar aos republicanos a dupla maioria no Congresso nestas intercalares e apresentar um número sem precedentes de candidatas tanto à Câmara dos Representantes como ao Senado.
E conseguiram. Excluídos os candidatos à reeleição, metade dos vencedores das primárias democratas foram mulheres – mais 23% do que em 2016, segundo a revista The Economist. Entre os republicanos, só 18% dos novos candidatos são mulheres – um cenário que faz que à escolha partidária em novembro se junte a escolha de género. E se os verdadeiros militantes nunca mudarão o sentido de voto por uma questão de género, a verdade é que um quarto dos americanos se confessa descontente com ambos os partidos e esse facto poderá pesar na sua escolha. “Tendo em conta o último ano e meio, o movimento #MeToo e o desastre da audiência [de Kavanaugh], as candidatas podem mesmo ter os melhores resultados de sempre”, disse à CNBC Joel Benenson, que trabalhou com Clinton em 2016.
E o efeito Taylor Swift? A relação entre a política americana e o mundo do espetáculo é tudo menos nova. Até já houve um ex-ator – Ronald Reagan – na Casa Branca, além de Trump, que ganhou ainda mais fama a apresentar o reality show The Apprentice na televisão. E se George Clooney, OprahWinfrey, em prol dos democratas, ou, para o lado republicano, Clint Eastwood ou JohnVoight são vozes com peso, há quem, como Taylor Swift, sempre tenha preferido manter as preferências políticas para si. Até esta semana. A cantora quebrou o silêncio – que em 2016 lhe valera críticas após recusar esclarecer se votara Hillary ou Trump – no Instagram, apelando ao voto nos candidatos democratas no Tennessee, o estado onde viveu em adolescente.
“Tantas pessoas inteligentes, sérias, confiantes fizeram 18 anos nos últimos dois anos e agora têm o direito e o privilégio de fazer que o seu voto conte”, escreveu Swift, apelando a que estes jovens vão votar a 6 de novembro. O efeito foi imediato, ou não estivéssemos a falar de uma cantora com 112 milhões de seguidores no Instagram: nas 48 horas seguintes à publicação do post,o site vote.org registou um pico de registos para votar. Dos 240 mil novos registos, quase metade foram de jovens entre os 18 e os 29 anos. No Tennessee, os registos dispararam: em setembro foram 2811, desde o início de outubro foram já 7554.
Suficiente para os democratas conseguirem a onda azul de que estão à espera? Talvez não. Mas um claro sinal de que algo está a mexer na América. Obviamente que do lado republicano desvaloriza-se. A conselheira presidencial Kellyanne Conway lembrou mesmo no programa Fox & Friends, da FOX News, que quem antecipa essa onda azul são “os mesmos génios” que em 2016 previram uma vitória esmagadora de Hillary Clinton.
“Tenho orgulho de que a maior parte dos meus estagiários tenham sido mulheres.”
BRETT KAVANAUGH
Juiz do Supremo