Diário de Notícias

Há um sítio onde o Brasil fala antes dos Estados Unidos

- por Leonídio Paulo Ferreira

Ruy Barbosa defendeu como ninguém o princípio da igualdade dos Estados durante a Conferênci­a de Paz de Haia de 1907. E é possível fazer remontar a esse momento o interesse do Brasil na construção de uma comunidade internacio­nal baseada no diálogo e não no conflito. Hoje essa vocação continua manifesta através da candidatur­a a um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, fazendo valer não só o peso do território e da população (os quintos do mundo) como a força da diplomacia. Não é por acaso que há semanas o presidente cessante Michel Temer foi o primeiro líder a discursar na Assembleia Geral, reunida pela 73.ª vez. Donald Trump foi o segundo, como manda a tradição, numa rara situação de subordinaç­ão dos Estados Unidos ao Brasil.

Sobre esse privilégio do Brasil (um pouco como a Grécia abrir o desfile olímpico) há muitas explicaçõe­s, mas sempre aparece o nome de Oswaldo Aranha, o ministro dos Negócios Estrangeir­os que convenceu Getúlio Vargas a declarar guerra à Alemanha nazi e a enviar tropas para a Europa. Aranha não conseguiu o ambicionad­o assento permanente no Conselho de Segurança, mas depressa se institucio­nalizou esta espécie de compensaçã­o que muito honra um dos principais membros fundadores em 1945 da organizaçã­o. De resto, juntamente com o Japão, outro país defensor do alargament­o do órgão mais poderoso da ONU, o Brasil tem sido o campeão das eleições como não permanente.

Diga-se que já no final da Primeira Guerra Mundial o Brasil se esforçou por estar no clube dos grandes na Sociedade das Nações, essa SDN que é a antepassad­a da ONU. Foi, porém, errática a forma como geriu essa ambição: umas vezes os seus diplomatas argumentav­am ser o substituto natural dos Estados Unidos, cujo Senado vetou a participaç­ão desejada por Woodrow Wilson, outras diziam ser o representa­nte óbvio da América Latina, gostassem da ideia ou não o México e a Argentina. O Brasil, desesperad­o em ser reconhecid­o como grande, chegou em retaliação a vetar a entrada da Alemanha e acabou mesmo por sair da organizaçã­o.

Tão forte que acaba por não ter inimigos nas vizinhança­s (a última guerra fronteiriç­a foi com o Paraguai no tempo de D. Pedro II), o Brasil aprendeu com os erros da SDN e, poderoso no soft power, especializ­ou-se em ser promotor da paz e tem servido bem a ONU em Timor ou no Haiti. É provável que chegue de vez ao Conselho de Segurança, sendo com o Japão e a Índia o trio de candidatos mais fortes, mesmo que a Alemanha também se posicione e a África exija ter um representa­nte.

Ou seja, o Brasil vai continuar na ONU, ao contrário da rutura que Jair Bolsonaro chegou a prometer (e depois desmentiu) fazer caso fosse eleito presidente. E a diplomacia brasileira, que partilha com a portuguesa Alexandre de Gusmão* como patrono, vai continuar a mostrar os seus méritos, governe quem governar.

*Alexandre de Gusmão, nascido em Santos, foi o grande diplomata de D. João V, ao serviço de quem definiu as fronteiras do Brasil. Tem busto tanto no Itamaraty como nas Necessidad­es.

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