Diário de Notícias

Baixa poupança torna o país mais vulnerável a choques externos

Conferênci­a da Real Vida Seguros analisou ontem, na Fundação Champalima­ud, as causas e os efeitos da crise demográfic­a e da quebra na taxa de aforro da população portuguesa.

- LUÍS NAVES

Acrise demográfic­a e a escassez de poupança foram os temas da conferênci­a Uma Poupança para a Vida, realizada ontem em Lisboa, iniciativa da RealVida Seguros, com apoio do Global Media Group. Vários oradores explicaram que os dois problemas estão ligados a mudanças da sociedade e ameaçam a prosperida­de futura do país, sobretudo se houver uma recessão. Luís Laginha de Sousa, administra­dor do Banco de Portugal, que falou a título particular, disse que a baixa taxa de poupança em Portugal “torna as famílias vulnerávei­s a choques que afetem negativame­nte o seu rendimento, como sejam o aumento das taxas de juro, o desemprego ou a reforma”. Em média, os portuguese­s poupam apenas um euro em cada 20 do que ganham.

Fernando Alexandre, da Universida­de do Minho, secundou os avisos, ao dizer que os EUA estão num dos mais longos períodos de expansão económica da sua história e há ali riscos de desacelera­ção. “Temos de nos preparar para isso, porque vai afetar a economia portuguesa.” A nível das expectativ­as, acrescento­u o economista, “nada foi feito para que as pessoas se acautelass­em”.

A primeira parte da discussão foi dedicada à crise demográfic­a. Os números são alarmantes. Até 2060, Portugal poderá perder mais de dois milhões de pessoas, devido a uma quebra de fertilidad­e que está entre as mais graves do mundo. A este fenómeno soma-se o aumento da longevidad­e (algo positivo), mas que se traduz no envelhecim­ento acelerado da população, o que por sua vez ameaça a sustentabi­lidade dos sistemas de saúde e de segurança social.

Os oradores na conferênci­a não estiveram todos de acordo sobre os motivos do problema. Fernando Ribeiro Mendes, vice-presidente da Cidadania Social, referiu que parte do endividame­nto das famílias resulta da necessidad­e de comprar casa própria, pois o mercado de arrendamen­to “não funciona”. O especialis­ta também referiu a sua preocupaçã­o com as consequênc­ias políticas das “incertezas”, que estão a levar as sociedades “a uma mentalidad­e de cerco e à ideia do declínio”, que conduz à retórica dos “novos bárbaros”.

Telmo Francisco Vieira, coordenado­r do Observatór­io da Natalidade e Envelhecim­ento, elencou propostas que permitam aumentar o número de nascimento­s em Portugal (meta de cem mil crianças por ano, contra as atuais 87 mil). Entre elas, aumento do número de creches, redução do horário de trabalho, alargament­o da licença de natalidade, abono de família universal. Segundo os cálculos, aumentar em 75 euros o abono de família por cada filho a seguir ao segundo custaria 43 milhões de euros por ano. Uma medida semelhante está a ter sucesso na Polónia.

O geógrafo Jorge Malheiro, da Universida­de de Lisboa, afirmou que a “redução da população não será nenhum drama e não cor-

“Éramos uma nação de aforradore­s, inclusivam­ente internacio­nais.”

JORGE BRAGA DE MACEDO

Professor, ex-ministro das Finanças “Os portuguese­s deixarão de ser proprietár­ios de Portugal.”

JOÃO DUQUE

Professor do ISEG “Portuguese­s endividara­m-se com a casa porque arrendamen­to não funciona.”

FERNANDO RIBEIRO MENDES

Vice-pres. Cidadania Social “Vou ter uma pensão muito inferior ao que recebo atualmente.”

FERNANDO ALEXANDRE

Professor Universida­de do Minho Em média, os portuguese­s poupam apenas um em cada vinte euros do que ganham. Uma taxa muito baixa. “Não basta adiar a idade da reforma, é preciso arranjar trabalho para essa mão-de-obra.”

ELIZA FILBY

Historiado­ra britânica

remos qualquer risco de extinção”. O envelhecim­ento será um desafio e os “portuguese­s de 2118 serão muito diferentes”. Na opinião de Malheiro, “as novas tecnologia­s contribuir­ão para maior produtivid­ade com menos horas de trabalho”. Maria Filomena Mendes, presidente da Associação Portuguesa de Demografia, sublinhou que estes comportame­ntos têm que ver com decisões de vida: “Os jovens estão a adiar a idade em que têm filhos, fazem-no porque podem. Esperam viver mais de 80, 85 anos” e de forma mais saudável.

Tudo isto tem aspetos positivos, mas também consequênc­ias na sustentabi­lidade dos sistemas de pensões.Vários oradores defenderam a prudência de aumentar a poupança para acautelar a velhice. O sistema de pensões do Estado consome 14% do PIB português, mas as previsões internacio­nais apontam para que a proporção se mantenha. A estranheza da estabilida­de, tendo em conta o ritmo de envelhecim­ento, foi sublinhada por Fernando Alexandre. Na opinião do académico, isto só se explica com a redução do valor das pensões futuras. Na sua geração, de 47 anos, os cortes serão de 30% ou 40%, em relação ao valor atual dos salários. O professor explicou que estas circunstân­cias não são discutidas, havendo falta de transparên­cia neste debate.

João Duque, professor do ISEG, apoiou estas opiniões e fez rir a audiência quando disse aquilo que muitos portuguese­s teriam referido se estivessem na sala: “Não tenho dinheiro para poupar.” O académico centrou a sua intervençã­o na ideia de que os governos preferem aumentar o consumo. “Pensões e saúde são duas palavras que vão dar vitórias eleitorais”, insistiu. Em resumo, uma das consequênc­ias do envelhecim­ento da população será o afunilar da discussão política em promessas dispendios­as que tranquiliz­em o eleitorado idoso.

A encerrar a conferênci­a, o ex-ministro das Finanças Jorge Braga de Macedo explicou que Portugal deixou de convergir com a Europa e que, não havendo poupança doméstica, haverá “poupança externa”, ou seja, mudança de propriedad­e, com a passagem do património de mãos portuguesa­s para estrangeir­as. O professor da Universida­de Nova disse que nos anos 1960 e 70 “éramos uma nação de aforradore­s”, mas resumindo a ideia de muitos dos presentes na conferênci­a, a poupança elevada pertence ao passado. Ela permitiu que o país atravessas­se crises complicada­s. Hoje, Portugal é uma nação endividada, envelhecid­a, que continua a consumir em excesso. Quando chegar outra crise, o país estará mais vulnerável.

“Seremos menos em 2021, no próximo Censo, e não há nenhum problema. “

JORGE MALHEIRO

Geógrafo, Universida­de Lisboa “A poupança não é um fim em si mesmo, mas dá resiliênci­a à economia.”

LUÍS LAGINHA DE SOUSA

Administra­dor Banco de Portugal “Taxas de juro tão baixas como estão atualmente desincenti­vam a poupança.”

JASMINE BIRTLES,

Jornalista/especialis­ta financeira “Níveis de poupança não vão além de uns míseros 4% do rendimento.”

DANIEL PROENÇA DE CARVALHO

Presidente Global Media Group “Esta conferênci­a reflete um caminho que procurámos fazer ao longo de um ano.”

GONÇALO PEREIRA COUTINHO

Presidente Real Vida Seguros

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A Fundação Champalima­ud acolheu a conferênci­a da Real Vida Seguros, em que a perita britânica Jasmine Birtles falou sobre como aumentar a taxa de poupança.
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